No caso das pesquisas eleitorais, a informação, além de atrapalhar, estraga a surpresa
Pesquisas ajudam o eleitor a decidir corretamente como votar? Duvido. Na verdade, acho que mais atrapalham e confundem. Faz muito tempo que eleições convivem com os institutos de pesquisa. Desde 1989, data da primeira eleição presidencial direta depois da ditadura, o Brasil acompanha os humores do eleitor através de pesquisas. Os grandes institutos, Ibope e Datafolha, tiveram filhotes ao longo dos anos e hoje são diversas as empresas que aferem a intenção dos brasileiros diante das urnas.
Eles nasceram com objetivo comercial. Inspirado no americano George Gallup, o Ibope, o mais antigo, foi criado na década de 1940 para entender os hábitos de consumo dos brasileiros e então orientar campanhas de publicidade ou sugerir mudanças em produtos. O Datafolha nasceu em 1983 como um departamento de pesquisas e informática do jornal “Folha de S.Paulo”, cresceu, virou uma empresa independente e hoje atende clientes corporativos da mesma forma que produz pesquisas eleitorais.
Embora muitas vezes errem, e errem feio, esta não é a questão que se quer discutir aqui. O que se quer debater é a utilidade dos resultados das intenções de votos para o eleitor. A pergunta crucial seria “o que eu ganho sabendo como os demais brasileiros querem votar?”. São diversas as respostas. Desde, nada, que seria a mais correta, até uma das muitas que comprovam que o meu voto será, sim, influenciado pelas pesquisas eleitorais.
Não há dúvida de que o convencimento faz parte da política. O candidato tem que apresentar seus méritos e convencer que é melhor que o seu adversário para ganhar a eleição. Ocorre que as pesquisas tendem a adulterar este processo de convencimento, trocando a qualidade das ideias e dos projetos do candidato pelo número de apoios que ele tem de acordo com o resultado das intenções de votos aferidas pelos institutos. E isso é um drama.
Sim, um drama de dimensões brasileiras. Há alguns mecanismos que amplificam o efeito do crescimento de intenções de votos de um determinado candidato sobre o eleitor. O mais importante e conhecido deles é o voto útil, que de resto só existe em razão de se saber de antemão como votam os outros. Voto útil é filho legítimo da pesquisa eleitoral. Trata-se da negação da opção preferencial do eleitor para impedir que o principal antagonista do seu candidato ganhe a eleição, votando ou elegendo um terceiro.
Há também o efeito manada, que solidifica um velho hábito eleitoral brasileiro que é o de votar para ganhar, como se o eleitor, antes de cidadão, fosse um torcedor. Aposto que você já ouviu muitas vezes uma pessoa dizer “vou votar no fulano porque não quero perder meu voto”. Esse tipo de sufrágio ganha força e musculatura com as pesquisas eleitorais, que beneficiam o eleitor que apenas quer vencer. Não importando com quem ele vença.
As pesquisas estimulam também a traição, uma das maiores pragas da política brasileira. Quando um candidato não decola, e só se sabe que ele não decolou graças aos resultados das intenções de votos, vai aos poucos perdendo os apoios dos partidos de sua coligação e depois do seu próprio partido. Primeiro de maneira discreta, depois explicitamente. E aos olhos da nação isso parece normal. Talvez seja, mas é também vergonhoso. Ocorreu nas últimas eleições, está acontecendo agora e vai se dar no futuro. Pesquisas inflam ou desidratam candidaturas.
E como elas se reproduzem na velocidade da luz, com consultas de campo, por telefone e com trackings diários, sofrem os candidatos e os analistas do cenário político. Na semana passada, uma pesquisa do Ibope mostrava que o segundo turno estava consolidado entre Bolsonaro e Haddad. Dois dias depois, a consolidação não era mais garantida diante do crescimento de Ciro. Esta semana, de novo, o Ibope rifou Ciro, mas sei lá o que o Datafolha vai mostrar amanhã.
Graças a um desses pequenos detalhes que comprovam uma tese, a lei que protege o eleitor e a eleição proíbe a divulgação de pesquisa eleitoral de boca de urna durante o processo de votação justamente para não deixar que ela influencie o eleitor. Mas afinal, não se pode negar, informação normalmente ajuda as pessoas nos momentos em que elas são chamadas a tomar decisão. No caso das pesquisas, a informação, além de atrapalhar, estraga a surpresa.