Eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil vive
Em qualquer país democrático do mundo, os eleitores oscilam entre tendências, ora mais à esquerda, ora mais à direita, mais intervencionista na economia ou mais liberal. As eleições sempre provocam paixões, mas nada se assemelha a essa sensação de guerra do fim do mundo que o Brasil está vivendo. O PT que havia vencido os temores de empresários e investidores ao começar a governar em 2003 voltou a ser visto como um perigo. A direita tem um candidato que negou, ao longo de toda a sua vida, valores e princípios democráticos.
Esta é uma eleição que será por muito tempo caso de estudo dos analistas de todas as áreas —psicanalistas, inclusive. Eles certamente encontrarão razões profundas para essa polarização doentia que surgiu. Nada parece racional. Os que estão no centro precisam avaliar o que fizeram de errado para que os votos antipetistas estejam sendo capturados por alguém tão radical e sem a mínima condição de unificar o país após as urnas. O PT também precisa assumir que cometeu erros que o levaram a ser visto como uma ameaça política e econômica.
Na campanha de Jair Bolsonaro, os últimos dias foram de previsível crise. O que era obscuro ficou ainda mais confuso. Os economistas que assessoram o candidato falaram em reuniões no mercado, ou em entrevistas, a respeito de um imposto que incidiria sobre transações financeiras. Foi entendido como uma nova CPMF. O candidato respondeu por tuítes negando tudo e o comando da campanha mandou o economista em chefe, Paulo Guedes, e o candidato a vice falarem menos. Ou seja, a 14 dias da eleição, o líder das pesquisas faz escolha deliberada por esconder informações sobre seu programa econômico.
A declaração que detonou a onda foi dada por Paulo Guedes, a portas fechadas, numa reunião com uma gestora de grandes fortunas. Se serão criados impostos, isso tem que ser explicado aos contribuintes, em reunião pública. O economista disse a alguns jornalistas que era em substituição a outros. Marcos Cintra, que tem conversado com Paulo Guedes e defende a proposta, deu detalhes ao “Valor”.
A ideia seria criar um imposto sobre movimentações financeiras que substituiria diversos outros impostos e teria a alíquota de 1,28%. Ele não mostrou cálculos que possam ser aferidos ou entendidos. Ao fim, tudo ficou no disse-não-disse, e no cala-boca geral dado via Twitter pelo candidato. O fato de Jair Bolsonaro estar em recuperação do atentado que sofreu e, por isso, impossibilitado de ir a debates e entrevistas tornou tudo mais nebuloso. Na reta final, o país tem menos informação sobre as ideias de quem lidera as pesquisas. Assim, aprofunda-se o processo irracional de escolha na qual o Brasil está envolvido.
No segundo lugar está o candidato do PT, Fernando Haddad, que confirma, a cada fala, seu papel secundário em sua própria campanha. Ele representa Lula, como repete. O país viveu há 16 anos um ambiente em que o PT era temido porque poderia desmontar a estabilização econômica na qual o país tinha investido vários anos. O partido tinha feito por merecer. Um ano antes aprovara um programa que falava em não pagamento da dívida interna. Levado a cabo viraria um calote em todos os investidores, pequenos, médios e grandes.
As propostas econômicas nem podiam ser definidas como de esquerda. Eram apenas ruins, velhas e inflacionárias. Esse ideário não foi seguido nos primeiros anos. A caminhada do PT, a partir da inflexão dada através da Carta aos Brasileiros, foi para se viabilizar como opção de esquerda. A inflação baixa, as contas públicas ordenadas, o respeito aos contratos não têm cor política.
São a base na qual se constrói o projeto escolhido nas urnas. Não haveria Bolsa Família, nem qualquer dos programas sociais que reduziram a pobreza, se o país tivesse voltado a ter inflação alta, ou se tivesse adotado as políticas aprovadas na convenção de 2001.
O PT precisa refletir sobre a razão de ser visto, de novo, com o mesmo temor que há 16 anos. A explicação persecutória que tem dado convence a militância mas é falsa. Para vencer a eleição o partido precisa superar os temores e a rejeição em parcelas da classe média e nos empresários e investidores. A democracia pressupõe que o país tenha opções democráticas nas diversas tendências políticas.