Folha de S. Paulo: Em carta, FHC pede união contra candidatos radicais para evitar agravamento da crise

Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais, diz ex-presidente.
Foto: Agência Brasil
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Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais, diz ex-presidente

Leia a integra da carta no final

SÃO PAULO – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) divulgou nesta quinta-feira (20) uma carta aberta na qual pede a união dos candidatos “que não se aliam a visões radicais”.

Sem citar nomes, pediu um acordo de apoio a quem “melhores condições de êxito eleitoral tiver” —caso contrário a “crise tenderá certamente a se agravar”.

A carta tem como alvos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), embora não citados nominalmente. O ex-presidente não especifica quem seriam os candidatos moderados, mas deduz-se que incluam Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede), Henrique Meirelles (MDB), Alvaro Dias (Podemos) e possivelmente Ciro Gomes (PDT).

O ex-presidente, na carta, não é explícito no pedido de apoio a Alckmin, de seu partido. Mas pouco depois de divulgar o texto reafirmou no Twitter o apoio a ele.

“Enviei carta aos eleitores pedindo sensatez e aliança dos candidatos não radicais. Quem veste o figurino é o Alckmin, só que não se convida para um encontro dizendo ‘só com este eu falo’”.

Segundo FHC, ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, “com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague”, ou o “remendo eleitoral da escolha de um salvador da pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política”.

Embora tenha quase metade do tempo de propaganda eleitoral na TV, Alckmin está estagnado nas pesquisas, com apenas 9%, como mostrou o Datafolha nesta quinta (20).

Na frente dele estão Bolsonaro (28%), Haddad (16%) e o pedetista Ciro Gomes (13%).

Em relação aos dois primeiros candidatos, sobretudo, FHC percebe uma radicalização dos sentimentos políticos.

“A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado”, escreveu sobre Bolsonaro.

O capitão reformado sofreu um ataque no dia 6 de setembro durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG) e segue internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Embora ausente de debates na TV e atividades de campanha, apresenta tendência de crescimento nas pesquisas.

FHC diz ainda que o fato de o primeiro colocado nas pesquisas (Bolsonaro) ter como principal opositor (Haddad) quem representa um líder preso por acusações de corrupção (Lula) “mostra o ponto a que chegamos”.

Haddad foi oficializado candidato do PT no dia 11 de setembro, após o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser barrado pela Justiça Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Lula está preso desde abril em Curitiba, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

Em entrevista à Folha publicada no dia 2, o ex-presidente tucano afirmou que Bolsonaro antecipou a tradicional disputa entre PT e PSDB para o primeiro turno.

“Aceitando que o sentimento bolsonarista vai se manter, para ir para o segundo turno é PT e PSDB. Tradicionalmente, a disputa ia ser PT e PSDB no segundo turno. Agora, eu acho que será para ver quem vai para o segundo turno”, declarou na entrevista.

Na carta divulgada nesta quinta, ele afirma que o quadro atual é dramático, “mas ainda há tempo para deter a marcha da insensatez”.

Citando como exemplo a campanha das Diretas Já, defende que nem o partidarismo, muito menos o personalismo devolverão rumo ao desenvolvimento social e econômico.

“É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise”, afirmou.

Pelo descalabro atual, reconhece o ex-presidente, também são responsáveis os partidos.

FHC cita que as agremiações lançaram-se com voracidade ao butim do Estado, enredaram-se na corrupção, desviaram recursos para os cofres partidários e suas campanhas. “É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos”, escreveu.

A crítica parece endereçada sobretudo PT e seus casos de corrupção desvelados pela Lava Jato, mas o PSDB não sai ileso. O Ministério Público de São Paulo, por exemplo, ajuizou no início do mês uma ação de improbidade administrativa contra Alckmin (PSDB), alegando uso de caixa dois em sua campanha em 2014.

“Somos todos responsáveis por evitar esse caminho”, diz FHC no fim da carta, ao conclamar que é hora de juntar forças e escolher bem.

“É isto o que está em jogo: o povo e o país. A nação é o que importa neste momento decisivo.”

 

LEIA A ÍNTEGRA

Carta aos eleitores e eleitoras

Fenando Henrique Cardoso
Em poucas semanas escolheremos os candidatos que passarão ao segundo turno. Em minha já longa vida recordo-me de poucos momentos tão decisivos para o futuro do Brasil em que as soluções dos grandes desafios dependeram do povo. Que hoje dependam, é mérito do próprio povo e de dirigentes políticos que lutaram contra o autoritarismo nas ruas e no Congresso e criaram as condições para a promulgação, há trinta anos, da Constituição que nos rege.

Em plena vigência do estado de direito nosso primeiro compromisso há de ser com a continuidade da democracia. Ganhe quem ganhar, o povo terá decidido soberanamente o vencedor e ponto final.

A democracia para mim é um valor pétreo. Mas ela não opera no vazio. Em poucas ocasiões vi condições políticas e sociais tão desafiadoras quanto as atuais. Fui ministro de um governo fruto de outro impeachment, processo sempre traumático. Na época, a inflação beirava 1000 por cento ao ano. O presidente Itamar Franco percebeu que a coesão política era essencial para enfrentar os problemas. Formou um ministério com políticos de vários partidos, incluída a oposição ao seu governo, tal era sua angústia com o possível despedaçamento do país. Com meu apoio e de muitas outras pessoas, lançou-se a estabilizar a economia. Criara as bases políticas para tanto.

Agora, a fragmentação social e política é maior ainda. Tanto porque as economias contemporâneas criam novas ocupações, mas destroem muitas outras, gerando angústia e medo do futuro, como porque as conexões entre as pessoas se multiplicaram. Ao lado das mídias tradicionais, as “mídias sociais” permitem a cada pessoa participar diretamente da rede de informações (verdadeiras e falsas) que formam a opinião pública. Sem mídia livre não há democracia.

Mudanças bruscas de escolhas eleitorais são possíveis, para o bem ou para o mal, a depender da ação de cada um de nós.

Nas escolhas que faremos o pano de fundo é sombrio. Desatinos de política econômica, herdados pelo atual governo, levaram a uma situação na qual há cerca de treze milhões de desempregados e um déficit público acumulado, sem contar os juros, de quase R$ 400 bilhões só nos últimos quatro anos, aos quais se somarão mais de R$ 100 bilhões em 2018. Essa sequência de déficits primários levou a dívida pública do governo federal a quase R$ 4 trilhões e a dívida pública total a mais de R$ 5 trilhões, cerca de 80% do PIB este ano, a despeito da redução da taxa de juros básica nos últimos dois anos. A situação fiscal da União é precária e a de vários Estados, dramática.

Como o novo governo terá gastos obrigatórios (principalmente salários do funcionalismo e benefícios da previdência) que já consomem cerca de 80% das receitas da União, além de uma conta de juros estimada em R$ 380 bilhões em 2019, o quadro fiscal da União tende a se agravar. O agravamento colocará em perigo o controle da inflação e forçará a elevação da taxa de juros. Sem a reversão desse círculo vicioso o país, mais cedo que tarde, mergulhará em uma crise econômica ainda mais profunda.

Diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas. Poucos têm coragem e condição política para isso. No geral, acenam com promessas que não se realizarão com soluções simplistas, que não resolvem as questões desafiadoras. É necessária uma clara definição de rumo, a começar pelo compromisso com o ajuste inadiável das contas públicas. São medidas que exigem explicação ao povo e tempo para que seus benefícios sejam sentidos. A primeira dessas medidas é uma lei da Previdência que elimine privilégios e assegure o equilíbrio do sistema em face do envelhecimento da população brasileira. A fixação de idades mínimas para a aposentadoria é inadiável. Ou os homens públicos em geral e os candidatos em particular dizem a verdade e mostram a insensatez das promessas enganadoras ou, ganhe quem ganhar, o pião continuará a girar sem sair do lugar, sobre um terreno que está afundando.

Ante a dramaticidade do quadro atual, ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política.

Os partidos têm responsabilidade nessa crise. Nos últimos anos, lançaram-se com voracidade crescente ao butim do Estado, enredando-se na corrupção, não apenas individual, mas institucional: nomeando agentes políticos para, em conivência com chefes de empresas, privadas e públicas, desviarem recursos para os cofres partidários e suas campanhas. É um fato a desmoralização do sistema político inteiro, mesmo que nem todos hajam participado da sanha devastadora de recursos públicos. A proliferação dos partidos (mais de 20 na Câmara Federal e muitos outros na fila para serem registrados) acelerou o “dá-cá, toma-lá” e levou de roldão o sistema eleitoral-partidário que montamos na Constituição de 1988. Ou se restabelece a confiança nos partidos e na política ou nada de duradouro será feito.

É neste quadro preocupante que se vê a radicalização dos sentimentos políticos. A gravidade de uma facada com intenções assassinas haver ferido o candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais deveria servir como um grito de alerta: basta de pregar o ódio, tantas vezes estimulado pela própria vítima do atentado. O fato de ser este o candidato à frente das pesquisas e ter ele como principal opositor quem representa um líder preso por acusações de corrupção mostra o ponto a que chegamos.

Ainda há tempo para deter a marcha da insensatez. Como nas Diretas-já, não é o partidarismo, nem muito menos o personalismo, que devolverá rumo ao desenvolvimento social e econômico. É preciso revalorizar a virtude da tolerância à política, requisito para que a democracia funcione. Qualquer dos polos da radicalização atual que seja vencedor terá enormes dificuldades para obter a coesão nacional suficiente e necessária para adoção das medidas que levem à superação da crise. As promessas que têm sido feitas são irrealizáveis. As demandas do povo se transformarão em insatisfação ainda maior, num quadro de violência crescente e expansão do crime organizado.

Sem que haja escolha de uma liderança serena que saiba ouvir, que seja honesto, que tenha experiência e capacidade política para pacificar e governar o país; sem que a sociedade civil volte a atuar como tal e não como massa de manobra de partidos; sem que os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver, a crise tenderá certamente a se agravar. Os maiores interessados nesse encontro e nessa convergência devem ser os próprios candidatos que não se aliam às visões radicais que opõem “eles” contra ”nós”.

Não é de estagnação econômica, regressão política e social que o Brasil precisa. Somos todos responsáveis para evitar esse descaminho. É hora de juntar forças e escolher bem, antes que os acontecimentos nos levem para uma perigosa radicalização. Pensemos no país e não apenas nos partidos, neste ou naquele candidato. Caso contrário, será impossível mudar para melhor a vida do povo. É isto o que está em jogo: o povo e o país. A Nação é o que importa neste momento decisivo.

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