Ex-prefeito de São Paulo, acadêmico é aceno para a classe média de esquerda, perdida após o Mensalão
Por Talita Bedinelli, do El País
Não faz muito tempo, a fama de Fernando Haddad se restringia aos corredores acadêmicos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), onde era uma espécie de professor-estrela do Departamento de Ciência Política. Sua aula de Teoria Política Moderna, que abarca de Montesquieu a Karl Marx (especialidade de Haddad) era disputada pelos estudantes no início dos anos 2000 —os que não conseguiam se matricular chegavam a pedir pessoalmente a ele para assistirem ao curso, o que, em geral, era educadamente negado por conta da lotação das aulas.
Em menos de seis meses, a lua de mel da população de São Paulo com Haddad acabou. Em junho de 2013, ele via surgir nas ruas de São Paulo um movimento contrário ao aumento de tarifas de transporte público que começou tímido, quase sem peso. Mas acabou incendiado diante das fortes imagens de truculência da Polícia Militar. Em poucos dias, a situação saiu de controle e o professor de ciência política acabou acusado de não ter habilidades políticas por não ter sabido dialogar para conter a revolta. O movimento se espalhou pelo país, aglutinando um caldo difuso de insatisfações de uma classe média descontente com o PT. Foi o primeiro marco importante da crise política brasileira, que culminou no impeachment de Rousseff e se arrasta até hoje, marcando a atual eleição. Nesta época, a popularidade dos políticos do país despencou como um todo, assim como a confiança da população nos partidos em geral.
Pelos anos seguintes, Haddad patinou na prefeitura. Sem dinheiro devido à recessão que iniciava, apostou em políticas mais baratas, como a instalação de uma malha de ciclovias que beneficiou, especialmente, o centro expandido da capital. Apostou ainda em políticas estruturais, mas de difícil percepção popular, como o novo Plano Diretor, que desenhou a cidade até 2030 e foi considerado de altíssima qualidade por urbanistas. Falhou em sua estratégia de comunicação, ao não mostrar claramente o que fez —e quando era questionado sobre isso, argumentava que, com o tempo, a população reconheceria sua gestão e dizia que sua métrica de sucesso não era a reeleição, irritando seu partido. E, por fim, fez menos do que os mais pobres esperavam em áreas caras à população periférica: não reduziu a fila da saúde ou a de vagas nas creches, por exemplo. Perdeu, assim, a reeleição ainda no primeiro turno para o tucano João Doria.
Passados dois anos, nos quais voltou à academia enquanto a crise do PT se aprofundava, o ex-prefeito nunca fez um mea-culpa real de suas falhas políticas, que acabaram custando ao partido as franjas da cidade que sempre foram um bastião, nem fez uma crítica frontal à corrupção praticada por membros de sua sigla —dois fatos com os quais agora deverá ser sistematicamente confrontado durante sua campanha como presidenciável, uma pista que já apareceu com o vazamento nesta segunda-feira da delação do ex-ministro Antonio Palocci, que afirmou que Lula atuava diretamente em pedido de propina; o próprio Haddad é alvo de denúncia do Ministério Público de São Paulo, acusado de receber 2,6 milhões de propina para pagar dívidas da campanha de 2012 à prefeitura; ele diz que a denúncia foi feita com base em uma delação sem qualquer prova.
Numa campanha onde o principal líder político da esquerda foi barrado por suas complicações com a Justiça, Haddad se tornou uma espécie de salvador acidental do PT. Um herdeiro meio por acaso do espólio eleitoral de Lula —um espólio, diga-se de passagem, muito maior do que a expressão política possível de um ex-prefeito que não conseguiu sequer ser reeleito. Não era, por isso, o herdeiro esperado de uma boa parte do partido, que preferia um nome de maior peso no Nordeste —ou que dissesse mais aos eleitores que não fossem a esquerda do centro expandido de São Paulo e suas variáveis pelo Brasil.
Se tem essas debilidades apontadas pelos adversários internos, Haddad se reforça como uma opção capaz de captar os votos progressistas que se afastaram do partido a partir de 2002, primeiro com o fisiologismo das alianças com o MDB de José Sarney; depois, com o Mensalão, e, por fim, com o Petrolão. É um respeitado professor, que empresta ao partido uma imagem de maior retidão que agrada a classe média ideológica decepcionada. Mas, neste caso, ele terá que disputar esse posto com os ex-ministros de Lula Ciro Gomes ou Marina Silva, que estão, segundo o último Datafolha, empatados tecnicamente no segundo posto com Haddad, ao lado do tucano Geraldo Alckmin.
Seja como for, como a lição de São Paulo já mostrou que não é essa parcela da população que decide uma eleição. E a incógnita estará em como um metalúrgico nordestino que se encontra preso e, portanto, impossibilitado de falar pessoalmente com as massas, conseguirá transferir ao menos metade de seus quase 40% de possíveis votos para que um acadêmico paulistano versado em Marx chegue ao segundo turno. Haddad sabe, e foi orientado internamente no PT a fazê-lo, que precisa aprender a falar com o Brasil real, aquele que não disputaria suas aulas da USP, e a mostrar que entende as mazelas que a parcela mais pobre vive, apesar de viver inserido em uma área do país de acumula privilégios. Terá que mostrar que é o PT da origem, ideológico, mas também o consagrado pelo lulismo, para as massas. Terá, antes de tudo, que provar que representa, de fato, o PT —por isso, o partido em suas campanhas deve focar no voto 13, como se Haddad fosse um mero veículo de Lula. Depois, terá de bloquear a ascensão de Ciro no Nordeste —o pedetista cearense alcançou na região 20%, segundo a pesquisa Datafolha desta segunda, enquanto Haddad chegou a 13%, atrás de Jair Bolsonaro, com 14%.
Mas, depois, caso consiga cumprir a tarefa entregue a ele por Lula de chegar ao segundo turno, terá que começar tudo de novo, e no sentido contrário. Em uma batalha final contra Bolsonaro, um dos prováveis donos da vaga, o desafio será o de mostrar que não é tão PT assim, um caminho para conseguir os votos mais moderados, que discordam do radicalismo do militar reformado, mas que, ao mesmo tempo, não suportam Lula. É dupla lição que o professor terá pouco mais de 40 dias para aprender.