Elio Gaspari: De: A.Carnegie@edu para: Milionários@eco

Daqui onde estou, desde 1919, fiquei chocado com o incêndio do Museu Nacional.
Foto: Tania Rego /Agencia Brasil
Foto: Tania Rego /Agencia Brasil

Daqui onde estou, desde 1919, fiquei chocado com o incêndio do Museu Nacional

Colegas,

Daqui onde estou, desde 1919, fiquei chocado com o incêndio do Museu Nacional. Chocou-me muito mais a reunião teatral montada em Brasília para pedir dinheiro aos plutocratas nacionais prometendo recuperar a instituição e outros monumentos do patrimônio histórico. Não abram suas bolsas. Digo isso porque eu, Andrew Carnegie, fui o homem mais rico do mundo na entrada do século XX e fui também o magnata que mais dinheiro distribuiu. Coisa como US$ 10 bilhões em dinheiro de hoje.

Conversei ontem com D. Pedro II, que morou toda sua vida no palácio que ardeu. Nós nos conhecemos em 1876, na exposição de Filadélfia. Pedro me contou que o Banco Mundial acenou com uma doação para o museu e as conversas não prosperaram. Graças a ele, conheci uma poderosa senhora, Eufrásia Teixeira Leite. Na casa dela vive um bonitão metido a inglês. Chama-se Joaquim Nabuco.

Eufrásia morreu em 1930 e deixou tudo o que tinha para os pobres de Vassouras (RJ). Era uma fortuna equivalente a duas toneladas de ouro. Numa conta grosseira, ela deu o equivalente à cerca da metade do que eu distribuí. As benfeitorias de Eufrásia viraram uma lembrança municipal, pois entregou o dinheiro a instituições beneméritas, semioficiais. Do meu cofre, quem cuida são os funcionários de fundações que sabem doar e, sobretudo, aplicá-lo.

Reunido com uma comitiva onde havia cinco banqueiros privados, o presidente Michel Temer falou em criar um fundo privado para financiar a recuperação do patrimônio cultural. Não faz sentido. Quem entende de fundo privado é a banca. O governo, como se viu, entende de ruína. (Se os bancos americanos cobrassem nos Estados Unidos os juros que vocês cobram, eu teria levado minhas siderúrgicas para o México.)

Eufrásia acha que em vez de fazer seu apelo teatral, o presidente deveria ter sentado com os diretores do Instituto Moreira Salles e do Itaú Cultural para saber como funcionam essas instituições à prova de fogo. Podendo aprender, o governo faz o que gosta: pediu.

Eu comecei do nada. Corrompi gente, mandei abrir fogo em grevistas. Na velhice, vivi angustiado porque, sem fazer nada, ganhava mais do que conseguia doar. Eufrásia achou que filantropia é tirar o dinheiro da bolsa e entregá-lo aos outros.

Do vosso humilde e atencioso admirador,

Andrew Carnegie

O risco de se eleger um ‘não’
O atentado contra a vida de Jair Bolsonaro cristaliza o risco de que a eleição de outubro venha a produzir um vencedor sem escolher um presidente. Num eventual segundo turno entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro, ambos terão o voto de pessoas que pensam como eles, mas serão reforçados por eleitores que não votam de jeito nenhum num ou noutro.
Nas sete últimas eleições presidenciais já existia o voto antipetista, mas prevalecia, em graus variáveis, uma preferência pelos tucanos. Isso mudou. Muita gente poderá votar em Fernando Haddad só para não ver Bolsonaro no Planalto, ou votar no ex-capitão só para impedir a volta do PT ao poder. No meio, ficará o nada.
Preferência é uma coisa, exclusão é outra. Quando o voto de exclusão supera o de preferência consegue-se barrar aquilo que não se quer, mas não se elege um presidente.

A vítima
Com o atentado de quinta-feira a bem sucedida estratégia de vitimização de Lula virou pó.

Bispo e Oswald
Todos aqueles que entraram no processo de histeria que associou o atentado contra Jair Bolsonaro à filiação de Adélio Bispo ao PSOL entre 2007 e 2014 deveriam calibrar seus apocalipses. Em 1963 o presidente John Kennedy foi assassinado com um tiro na cabeça. No mesmo dia capturaram o atirador, o ex-fuzileiro naval Lee Oswald. Logo depois soube-se que ele emigrara para a União Soviética, onde viveu por três anos, casando-se com uma russa. Se a manipulação da histeria tivesse funcionado naqueles dias, o mundo teria acabado.

A voz de Palocci
Pelo cheiro da brilhantina, muita gente espera que o texto da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci venha a ser conhecido durante a campanha eleitoral.
Será golpe baixo.

PT congelado
A eficácia da estratégia de vitimização de Lula foi eterna enquanto durou. A partir de agora o comissariado tem três dificuldades.
A primeira é o cansaço que resultou dos recursos sucessivos, porém inúteis junto aos tribunais.
A segunda é o peso das falas de Fernando Haddad, uma versão petista da monotonia de Geraldo Alckmin.
A terceira será a entrada de Manuela D’Ávila do PCdoB na vice, estreitando a chapa.

A lição do SUS
Seja quem for o novo presidente, recebeu uma lição de saúde pública.
Jair Bolsonaro deve a vida à equipe que o atendeu na Santa Casa de Juiz de Fora (MG), onde foi atendido como um paciente do SUS, esse sistema de medicina pública historicamente sucateado.

Ótima notícia
As coisas boas também acontecem: está na Amazon a versão eletrônica do livro “Trilhos do desenvolvimento”, do professor americano William Summerhill. É um magistral estudo sobre a política de construção de ferrovias do Império e dos primeiros anos da República. Vira de cabeça para baixo tudo o que se escreveu e se ensina.
As concessões funcionaram e a economia foi impulsionada muito além do simples transporte de café.
A edição foi uma vitória da luz, graças ao empresário Guilherme Quintella, que cacifou a iniciativa. O primeiro artigo de Summerhill foi publicado em 1998 e o livro, com título de “Order without progress” (Ordem sem Progresso), saiu em 2003. Não haviam sido traduzidos.

O tiro de Temer
Michel Temer é frio como cobra, mas há momentos em que se move com a fúria de um orangotango, sempre em voz baixa. O tiro que ele deu na candidatura de Geraldo Alckmin pareceu sair do orangotango. A menos que a ideia tenha sido detonar a candidatura tucana de João Doria ao governo de São Paulo, favorecendo seu velho amigo Paulo Skaf, do MDB.

Palpite real
A encrenca em que uma parte da Cúria romana meteu o Papa Francisco poderá ter um saudável reflexo na Coroa inglesa.
Aos 92 anos a rainha Elizabeth II pode ter cogitado abdicar em favor de seu filho Charles, de 69. A ideia parecia boa depois que o imperador japonês Akihito anunciou que abdicaria em abril de 2019. A iniciativa foi recebida com naturalidade, e assumirá o príncipe Naruhito.

Do Vaticano saiu o outro lado da moeda. Como Francisco sucedeu ao Papa Bento XVI, que renunciou e vive na Cidade do Vaticano, abriu-se o precedente do pontífice que vai embora antes de morrer.

Resultado: os adversários de Francisco querem que ele também vá para casa.

No caso inglês, uma coisa é certa: Charles seria um rei impopular, com o filho William nos calcanhares.

 

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