El País: “Sistema político isolou alternativas. Vamos para mais uma disputa PT x PSDB”, diz Fernando Bizzaro

Especialista defende que Lula tem competência e recursos para transferir votos para Haddad. Cientista político também acredita que Alckmin tem estrutura para roubar votos de Bolsonaro.

Especialista defende que Lula tem competência e recursos para transferir votos para Haddad. Cientista político também acredita que Alckmin tem estrutura para roubar votos de Bolsonaro

Fernando Bizzarro, cientista político da Harvard University e pesquisador associado do Centro David Rockfeller de Estudos Latino-americanos, da mesma universidade, vê uma reedição da disputa entre o PT e o PSDB nas eleições de outubro de 2018. Especialista em partidos e eleições, ele explica ao EL PAÍS que o sistema político agiu de maneira coordenada e deliberada para isolar as candidaturas alternativas, principalmente a do ultraconservador deputado Jair Bolsonaro (PSL). Ele não terá recursos e não poderá contar com sua presença nas redes sociais para enfrentar as principais candidaturas, sobretudo a do ex-governador Geraldo Alckmin, argumenta o especialista. O tucano terá o desafio de reconectar seu partido com um eleitorado conservador concentrado no Sul e no Sudeste que flerta com o ex-capitão, enquanto que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá transferir seus votos para Fernando Haddad ao mesmo tempo em que preserva a imagem do ex-prefeito.

Pergunta. O PT acaba de lançar Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad e a deputada estadual Manuela D’Ávila (PCdoB) a presidente e vices, respectivamente. Muitos interpretaram como errático o comportamento do partido nos últimos meses. Fica claro qual era sua aposta? Ela faz sentido?
Resposta. O PT aposta que o ex-presidente Lula ainda é seu principal recurso eleitoral, e por isso preferiu fazer uma aliança mais enxuta, mais à esquerda. A estratégia é a de que “nós temos que ir com ele até o final”. No momento em que assumem que o Lula está fora, Haddad vira um candidato como outros, mas sem o mesmo cacife eleitoral e a mesma popularidade. O PT assumiu os riscos dessa estratégia, que é racional. No momento em que Lula não for candidato, três coisas acontecem. A primeira é que Haddad fica exposto a críticas. Quanto mais tempo as pessoas ficarem falando mal de Lula, menos tempo vão ter para falar mal do Haddad. A segunda é que manter a candidatura de Lula força que a justiça eleitoral o remova da disputa e reforça o discurso de que ele e o PT estão sendo perseguidos. Quanto mais tempo passar, mais a memória da perseguição vai ser forte. Por último, à medida em que Lula fica até o final, o PT não precisa discutir outras coisas. Quando mais tempo falar da perseguição, da injustiça, menos tempo vai ter para falar da experiência do Governo Dilma, que seria a comparação imediata na cabeça do eleitor. Ao eleitores foi dito que a Dilma era igual ao Lula, mas não foi. Como o eleitor pode confiar que Haddad vai fazer diferente de Dilma? Quanto mais tempo puderem se perguntar sobre isso, pior é.

P. Apesar dessa aliança mais enxuta, o PT ainda é a preferência dos brasileiros, segundo as pesquisas, e tem mais de dois minutos de TV, vindo logo depois de Alckmin. Somando todos esses fatores, qual é a chance de se repetir a polarização entre PT e PSDB no segundo turno?
R. Essa é minha aposta já faz algum tempo. Nunca acreditei que a bipolaridade estava acabada porque existe um arranjo institucional que protege os principais partidos de uma tal forma que, quando chega na campanha, eles podem nadar de braçada. Isso tem a ver com a forma que os recursos e o tempo de TV são distribuídos, a popularidade acumulada… As pessoas não precisam de muita informação sobre o PT e o PSDB, elas sabem o que representam. Está ficando cada vez mais claro que vamos ter uma reedição da disputa entre eles. Pode parecer uma surpresa dado o tamanho da confusão nos últimos quatro anos, mas não é tanto se você pensa que as regras que favorecem os principais partidos e campanhas não só se mantiveram como aumentaram. A partir da proibição da doação de empresas, todos os recursos passaram a ser públicos e vinculados ao tamanho dos partidos.

P. E quem tem mais chance de levar as eleições caso esse cenário se confirme? Quem sai na frente?
R. Não dá para cravar nenhum dos dois. Se o Lula fosse candidato, eu provavelmente diria que ele seria essa pessoa, por causa do recall e da forca política de sua imagem. Mas não sendo, o segundo turno vai ser muito aberto. Por um lado, Alckmin vai ter mais recursos no primeiro turno, mas esses recursos vêm do Centrão e ele vai ter que lidar com a acusação de que se aliou com todos esses partidos. A vantagem de Lula ser essa figura política tão grande é acompanhada da desvantagem de que ele é também polarizante. Um segundo turno com Haddad vai gerar essa sensação de que mais uma vez é o Lula na disputa. Se fosse o Ciro, a parte da população que não gosta do PT estaria mais disposta a considerar a votar nele.

P. Nesse sentido, seria uma aposta mais segura se o PT tivesse apostado em Ciro Gomes (PDT)?
R. Ciro teria mais chance de ganhar o segundo turno que Lula, mas o PT não lançar um candidato a presidente seria um completo suicídio político. Algumas pesquisas mostram que o eleitor, por várias razões, votam na legenda ao escolher o deputado por causa de seu voto para presidente. Para o PT e PSDB isso significa mais de um milhão de votos. Isso é importante para o PT, que perdeu prefeitos nos últimos anos e que está sob esse estresse tremendo por causa dos escândalos de corrupção e da análise que se tem do Governo Dilma. Se abrisse mão de uma candidatura, provavelmente não se recuperaria.

P. Mas a operação para conseguir a neutralidade do PSB, retirando a candidatura de Marília Arraes ao governo de Pernambuco, deixa sequelas internas no PT? Ele sai fortalecido ou destruído internamente?
R. São poucos os partidos na América Latina – e talvez no mundo – que conseguiriam sobreviver ao que o PT sobreviveu. Talvez o peronismo na Argentina e o PRI no México, por causa de suas histórias e bases. O nível do escândalo de corrupção que envolveu o PT, a prisão de seu principal líder, o impeachment da presidente… É uma combinação de caos que o partido enfrentou e sobreviveu. Ele perdeu muito, apanhou muito, e está aí ainda. Não há um cenário de destruição, mas ele também não está forte. Não conseguiu prolongar seu domínio sobre setores do centro e da direita mais fisiológica e não foi capaz de ter a hegemonia sobre a esquerda. O máximo que conseguiu foi arrancar neutralidade, não uma aliança. Suspeito que o partido vai a partir de agora lamber as feridas e, depois das eleições, entender o que sobrou para começar a se reconstruir na medida em que a política se normalize. É o partido de esquerda mais bem organizado, com maior identificação e memória na população, então também é o mais bem posicionado para se recuperar.

P. Mas em curto prazo o que está em jogo para as principais candidaturas?
R. Para o PT, a pergunta é em que medida o eleitor vai identificar que, mesmo sem o Lula, essa é a candidatura é do Lula. Qual é a participação que o Lula pode ter na campanha, ele vai poder aparecer? Tudo isso vai ser fundamental pra entregar essa mensagem para o eleitor [e conseguir uma transferência de votos para Haddad]. O PT tem capacidade e os recursos para alcançar isso, é extremamente profissional. Ninguém nasce no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo e vira o maior partido de esquerda das democracias em desenvolvimento se não for extremamente profissional. Se fizer, vai desidratar Ciro (que já investiu demais em sua candidatura e não vai abandoná-la para apoiar o PT) e vai para o segundo turno com Alckmin ou Bolsonaro.

Para Alckmin, o desafio é garantir que os eleitores que historicamente votaram no PSDB e que agora são simpáticos a Bolsonaro percebam que sua candidatura não é viável e voltem para casa. O PSDB sempre foi capaz de fechar o mercado à sua direita. Este ano a coisa inédita é o Bolsonaro, porque ele está à direita do PSDB e conseguiu ser candidato. Nunca houve uma candidatura na direita forte desde 1994. Já a esquerda sempre teve uma segunda força próxima ao PT, como Ciro, Marina Silva [atual candidata pela REDE], Garotinho, Brizola, Cristovam Buarque… Mas isso nunca impediu que o PT ficasse na frente.

P. Isso se reflete na escolha da senadora Ana Amélia (PP) como vice em sua chapa?
R. Totalmente. A escolha tem uma série de elementos. Ela é do sul do país, onde o eleitorado é tipicamente conservador. Tem vinculação com o agronegócio, importante no sul e no centro-oeste. E é mulher. Ana Amélia é um jeito de tentar buscar esses eleitores de volta. Alckmin sabe que não pode tomar voto do PT ou da esquerda. Agora precisa tomar voto do Bolsonaro para, aí sim, cortejar os votos da Marina, do Ciro, do senador Álvaro Dias [Podemos] em um eventual segundo turno. O campo aberto de batalha está no Sudeste e principalmente Sul [onde Alckmin disputa a preferência não só com Bolsonaro como também com Álvaro Dias].

P. Por outro lado, Bolsonaro acabou escolhendo o general Antônio Hamilton Mourão como vice após três negativas. Essa escolha confirma seu isolamento político? Significa que sua candidatura apela para um setor específico?
R. Sim, parece que ficou claro durante o ultimo mês que as elites partidárias deliberadamente isolaram Bolsonaro. Houve um movimento coordenado para deixá-lo sozinho. A dificuldade de encontrar um vice é a comprovação cabal disso. A vice-presidência na chapa que atualmente lidera as pesquisas é um ativo que só ele tinha a oferecer, e o fato de que ninguém quis esse ativo mostra como o sistema político está tentando isolá-lo, além da perspectiva de futuro dessas eleições. Bolsonaro até tentou nomear um vice que lhe trouxesse votos que ele não tinha. Mas com Mourão, ele consegue outro representante do eleitor que ele já possui. O mesmo vale para Marina e Ciro, que não conseguiram agregar outros partidos e forças políticas. O sistema político, não só em suas regras mas também com seus arranjos, isolou as candidaturas alternativas e concentrou tudo nos partidos tradicionais.

P. Mas a influência de Bolsonaro nas redes sociais não pode compensar seus nove segundos na TV e falta de estrutura partidária?
R. Não acho que ele mantenha a mesma vitalidade. Mesmo nas redes sociais, os dados mais recentes indicam que ele tem perdido público nos últimos meses. Isso tem a ver com a fato de que, conforme as outras candidaturas vão se arrumando e as pessoas vão se interessando por outros candidatos, o apelo da candidatura Bolsonaro vai perdendo espaço. Mas, assumindo que ele se mantenha influente nas redes, acho que não é capaz de compensar sua enorme falta de recursos. Com a quantidade de tempo de TV e de dinheiro de Alckmin, Bolsonaro vai apanhar todo dia e toda hora na campanha. E não vai conseguir se defender do bombardeio de Alckmin nem com seus nove segundos na TV nem com as redes sociais. Acaba de sair uma pesquisa dizendo que a maior fonte de informações sobre política ainda é a mídia tradicional. Além disso, o PSDB saiu de 2016 como o principal ganhador das eleições municipais. Todos esses prefeitos, os tucanos e os do Centrão, são cabos eleitorais muito importantes em eleições para deputado e presidente, e vão fazer campanha para Alckmin. Tenho a impressão de que essa campanha pode ser parecida com a do João Doria para a prefeitura de São Paulo. As pessoas não o conheciam, mas ele tinha uma coligação tão grande, que fazia um bombardeio tão grande em cima do eleitor, que ele conseguiu vencer no primeiro turno. Não acho que é o caso do Alckmin, mas o bombardeio de informação vai acontecer de novo e Bolsonaro deve perder parte dos votos que tem.

P. Acredita então que Ciro, Bolsonaro e Marina são cartas fora do baralho? Ou ainda podem chegar ao segundo turno?
R. Chances todos têm. A despeito dessa diferença de recursos, uma parte do eleitorado ainda tem um sentimento de cansaço com relação às candidaturas tradicionais, algo que pode ser suficiente para levar um deles para o segundo turno. Principalmente Marina ou Bolsonaro. Mas se você tem um grupo inteiro que não quer nem votar no PT nem no PSDB, um deles estará mais à direita e outro mais à esquerda. Marina e Bolsonaro vão dividir esse grupo, então existe muita competição também por ser terceira força. O mais provável é que não cheguem ao segundo turno e que a campanha se pareça com a de 2014, em que Marina foi bem no começo, mas não conseguiu enfrentar os ataques contra ela. A partir do momento em que alguém se torne o primeiro ou o segundo colocado, como agora é Bolsonaro, as principais candidaturas vão virar os canhões contra ele.

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