Ascânio Seleme: Dos arcos da velha Lapa

O Festival Lula Livre foi uma típica mobilização de campanha dos anos 1980/90.
Foto: Agência PT
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O Festival Lula Livre foi uma típica mobilização de campanha dos anos 1980/90

Foi bonita a festa, pá. E foi eclética. Presentes estrelas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Beth Carvalho. Ou desconhecidos como Dorina, Imira Tayguara e Manno Góes. Teve Odair José, Sérgio Ricardo e Jards Macalé. Mas teve também Tizumba, Alba Mariah e Aíla. Cada um cantou duas ou três músicas. Muitos falaram. Todos pediram a libertação de Lula. Participaram também artistas como Fábio Assunção e Lucélia Santos. Ou como a pernambucana Pally Siqueira. Foram mais de sete horas de show.

O Festival Lula Livre, realizado na semana passada nos Arcos da Lapa, foi uma típica mobilização de campanha eleitoral dos anos 1980/90. A festa foi alegre, as pessoas estavam entusiasmadas, o espetáculo era de regozijo coletivo. Não dava para dizer que se tratava de um ato contra a prisão de Lula por corrupção. Parecia a celebração de uma vitória. Apenas os discursos mostravam a razão do encontro. Lembrando que “quando você reza por chuva, tem que saber lidar com a lama também” (*), vale a pena ler o que foi dito.

Ana Cañas. A cantora foi um dos primeiros artistas a se apresentar e deu logo o grito de guerra: “Lula livre, porra!”. Bons modos à parte, mais tarde ela foi corroborada pelo cubano Bruno Arias: “Lula libre, carajo!”

Taciana Barros. Alguns exageraram no contexto, como Taciana Barros, cantora da extinta banda Gang 90 que produziu uma frase que parecia piada, mas se pretendia séria: “Sou a comissária de bordo e venho anunciar que o golpe está caindo”.

Lucélia Santos leu a convocatória para o ato. Este é “um gesto de solidariedade, um gesto de exigência para que se respeite a Justiça”. Mas não era justamente para desrespeitar a Justiça que todos estavam ali reunidos? Ela seguiu afirmando que o julgamento de Lula “na primeira instância foi um erro judicial sem limites (…) o mesmo se deu na segunda instância com a complacência de todas as demais instâncias”. Mais tarde, Lucélia improvisou: “O Brasil corre o risco de uma fragilidade democrática muito grande”.

Antônio Pitanga. O ator garantiu que não é dessas pessoas “que dizem ser povo, mas que não são, que têm as mão sujas de sangue”. E atacou: “Vejam o preço da cenoura, do abacate, da laranja. O Brasil está de quatro para o FMI”. Pitanga só não falou de alhos e bugalhos.

Gabriel Moura. Segundo o cantor, a culpa da prisão de Lula é de um certo “Al Capone de Atibaia”. Poucos entenderam porque a referência a Atibaia, já que o que estava em questão era o tríplex, não o sítio, que ainda não resultou em sentença.

Fábio Assunção afirmou que o ato significava “essa resistência, essa marcação de território, de dizer que a gente está em movimento, em atividade”. O ator acrescentou que é importante para o artista se comunicar com o público, com as pessoas ali presentes. “É uma reunião de várias figuras que estão aqui, intelectuais, escritores, jornalistas, profissionais liberais, enfim, é uma grande reunião de muita gente”. Verdade, havia mais de 50 mil presentes.

Odair José. Vindo de um tempo remotíssimo, o cantor brega foi um dos mais claros. “A gente não pode permitir que o presente leve o futuro para o passado”.

Gilberto Gil. O grande artista falou ao final do show para o canal do PT no YouTube. “A vida democrática exige diálogo permanente, muitas vezes áspero entre os vários conjuntos de valores da vida democrática, outras ameno. Este é um momento que tem as duas coisas, a música, a solidariedade humana pelo lado do afeto a quem devemos muito e de quem gostamos. E também pela aspereza natural desse confronto entre as forças da progressão e as forças do atraso”.

Chico Buarque. Na mesma entrevista, a estrela mais aguardada da festa concluiu: “Faço minhas as palavras do Gil. Ele disse tudo o que penso”.

(*) Frase de Robert McCall, personagem de Denzel Washington em The Equalizer

Tudo que seu mestre mandar

O chefe da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público, o procurador Deltan Dallagnol, postou mensagem no seu Twitter afirmando que “voto branco e nulo não funcionam como protesto”. E fez um vídeo explicativo. Com todo respeito ao procurador e ao trabalho do MP no combate à corrupção, o post foi um evidente exagero. Daqui a pouco o mestre procurador vai querer ensinar o brasileiro a votar. Manda logo o número do candidato para a gente sufragar, Deltan.

Competência ou crise

O número de brasileiros aptos a votar no exterior cresceu 41,3% de 2014 para cá. Segundo o TSE, que divulgou o novo perfil do eleitorado brasileiro, isso é resultado do esforço da Justiça Eleitoral e do Itamaraty em cadastrar os eleitores. Pode ser. Pode ser também um sinal de como a crise afugenta brasileiros do Brasil.

Contendo o Ciro

Foi evidente o esforço do pré-candidato Ciro Gomes para não perder a linha durante a entrevista que deu para a GloboNews. Ele mesmo admitiu que se comprometeu com seus assessores a não perder a cabeça durante a conversa. Foi duro, mas ele conseguiu. Numa campanha eleitoral os candidatos escondem mesmo seus pontos fracos. Resta saber se ele fará esse esforço durante seu governo, no caso de ser eleito, claro.

Ódio à política

Chico Alencar, candidato ao Senado no Rio, escreve para dizer que o PSOL vai denunciar na campanha os esquemas da velha política, dos conchavos e das alianças que têm a marca do cinismo e da hipocrisia. Chico lembrou Cazuza: “Ideologia, eu quero uma pra viver”.

Frio na careca

O senador José Serra passou alguns dias em Buenos Aires para aproveitar o inverno portenho. De tênis e bem à vontade, ele se encontrou com o ministro Raul Jungmann na chancelaria brasileira. E foi logo reclamando que perdeu o seu gorro. “Velho e careca com esse frio não dá”, disse Serra a Jungmann, que saía para dar uma volta na Calle Florida. “Aproveita e compra um gorrinho pra mim”, pediu Serra. Não foi possível saber se o ministro atendeu o senador.

O aloprado da semana

Impossível outorgar a outro que não a Emir Sader. Irritado, como sempre, Sader brindou seus cem mil seguidores do Twitter com uma pérola do machismo contra a procurador-geral da República. “Dodge leva o Prêmio Magda do mês: Calada!”, escreveu o sociólogo. Quer dizer, se não fala a nossa língua é melhor ficar muda.

 

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