El País: Dois em cada três jovens da América Latina não admitem que “não é não”

Mais de 80% dos menores de 25 anos acham que os homens podem ter relações sexuais com quem quiserem, mas não as mulheres, segundo uma pesquisa em oito países.
Foto: El País
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Mais de 80% dos menores de 25 anos acham que os homens podem ter relações sexuais com quem quiserem, mas não as mulheres, segundo uma pesquisa em oito países

Por Pillar Alvarez, do El País

Está nas letras do cantor colombiano Maluma e nas conversas das turmas. “Estou apaixonado por quatro babys/ Sempre me dão o que eu quero/ Transam quando eu mando / Nenhuma me diz que não”, canta o estribilho da sua Quatro Babys. É o imaginário que coisifica as mulheres, as julga pela forma como se vestem ou pelo que bebem e que normaliza a violência contra elas. Ideias que são transmitidas pela música, pelas redes sociais e pelas amizades, estabelecendo-se com força entre os jovens da América Latina. Dois em cada três deles não sabem com clareza que “não é não”: as mulheres se fazem de difíceis, dizem nãoquando querem dizer sim. A grande maioria (86%) não interviria se um amigo batesse na sua namorada, segundo uma macropesquisa apresentada no dia 25 de julho.

“É algo que têm em sua cabeça e reproduzem em seus comportamentos”, diz Belén Sobrino, responsável pelo relatório Rompendo Moldes: Transformar Imaginários e Normas Sociais para Eliminar a Violência Contra as Mulheres, da ONG Oxfam Intermon, que analisa jovens de 15 a 25 anos com mais de 4.000 questionários com pessoas de áreas urbanas e com ensino médio e universitário de oito países da América Latina: Bolívia, Colômbia, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e República Dominicana. Mais de 80% concordam os homens podem ter relações sexuais com quem quiserem, mas que as mulheres não podem. E três em cada quatro consideram incorreto que uma mulher aborte em caso de gravidez indesejada.

Não incluído neste levantamento, o Brasil também tem dados alarmantes sobre a percepção de igualdade de gênero. Pesquisa Datafolha realizada em 2016 mostrou que uma de cada três pessoas acredita que, nos casos de estupro, a culpa é da mulher. Entre os homens, o pensamento ainda é mais comum: 42% deles dizem que mulheres que se dão ao respeito não são estupradas. Outros dados foram apontados em 2017 por uma pesquisa da Global Advisor. Os entrevistadores perguntaram a brasileiros se as mulheres são inferiores aos homens. 16% responderam que sim.

O trabalho da Oxfam Intermon, apresentado em Bogotá na semana passada, numa série de conferências sobre como relatar as violências machistas, às quais o EL PAÍS foi convidado, analisa o comportamento e o pensamento dos jovens numa região com a mais elevada taxa de taxas de gravidez entre adolescentes (73,2 por mil) e onde em 2016 foram assassinadas 1.831 mulheres pelo mero fato de sê-lo. E põe o foco na prevenção “que começa com a rejeição e a mudança de olhar de certo imaginário e certas normas sociais nocivas que se reproduzem e alimentam uma violência totalmente instalada” entre a juventude, explica Sobrino. Aqui alguns conceitos desse imaginário:

Ele vigia o meu celular porque me ama

Dois em cada três jovens da América Latina não admitem que “não é não”

A grande maioria das garotas pesquisadas não considera violência que as pessoas com quem se relacionam vigiem seus celulares e redes sociais, ou controlem a forma como se vestem. Seis em cada 10 menores de 20 anos e 4 de cada 10 garotas justificam que os ciúmes são parte do amor. O relatório não alude à Espanha, mas trabalhos prévios mostram que as percepções não são tão diferentes. O barômetro de novembro de 2017 da Fundação de Ajuda contra a Dependência de Drogas (FAD) refletia que os jovens espanhóis tampouco consideram violência de gênero coisas como vigiar o celular ou os ciúmes. Um de cada quatro via, além disso, a violência como uma conduta “normal” dentro do casal.

Se beber, a culpa é dela

Dois de cada três jovens de 15 a 19 anos justificam a violência sexual pelo consumo de álcool dos homens, 72% culpam as mulheres pela roupa que usam. Metade dos espanhóis também considera que o álcool é o causador dos estupros, segundo um estudo sobre a percepção de violência sexual lançada pelo Governo em junho, que não aludia a faixas etárias.

O Estado que resolva

A grande maioria acredita que a violência contra as mulheres é produto das desigualdades e aponta isso como um problema grave. A responsável pelo relatório destaca este fato como um dado positivo: “Demonstra que existiu um trabalho de conscientização, embora muitos entendam que não é problema seu”, destaca Sobrino. Na verdade, dois de cada três acreditam que cabe exclusivamente ao Estado reduzir essa violência.

O relatório considera que há diversos lugares a partir dos quais é possível combater essas mensagens, das famílias às igrejas. Observa também a responsabilidade dos meios de comunicação e dos centros educacionais, embora nos países analisados ocorra como na Espanha: as matérias e disciplinas escolares relativas à igualdade e educação sexual brilham por sua ausência.

Há leis, mas faltam recursos e falham os sistemas de informação, com um precário registro de dados dos casos de violência contra a mulher em todos os países da América Latina e Caribe. As autoras do trabalho salientam a falta de vontade política e uma repetição de padrões culturais que minimizam a violência. Por exemplo, os tribunais não impõem medias de proteção porque “consideram que as surras ou qualquer fato de violência deve ser resolvido dentro do lar”.

Dois em cada três jovens da América Latina não admitem que “não é não”

A mensagem das redes

As jovens e as redes também podem ser parte da solução. Mulheres como as que na Espanha saíram em massa para reivindicar a importância do consentimento, as que faziam coro dizendo que “só sim é sim” nas manifestações e que acompanharam durante todo o processo judicial a jovem abusada por cinco homens de um grupo chamado La Manada nas festas de San Fermín de 2016.

As redes sociais são o espaço onde os jovens mais se encontram e se informam, e onde se geraram campanhas globais contra o assédio, como o #Metoo norte-americano, e contra os feminicídios, como o #NiunaMenos da Argentina. Redes onde se propagam também vozes de outros artistas e cantores nos antípodas das letras de Maluma. Vale o exemplo da rapper mexicana Mare Advertencia Lirikade: “Para de engolir o lixo sexista!/ Para de pensar que é melhor quem melhor se veste!/ Para com essas revistas! O que controla a sua vida / porque você nasceu livre e virou escrava da moda”.

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