A pouco mais de dois meses do primeiro turno, asiáticos são solenemente ignorados
No período 2015-2016, quando republicanos e democratas realizavam preparativos para definir quem seriam seus candidatos à Casa Branca, assisti nos EUA a alguns debates interessantes sobre política externa.
Assessores dos dois partidos eram as estrelas de discussões sobre qual seria a “China Policy” (política para a China), caso seu “candidato a candidato” fosse o escolhido à corrida presidencial.
Essa centralidade que a China ocupou na mais recente disputa presidencial americana está longe de ser um fenômeno observado apenas nos EUA. Claro que Washington tem importantes e multidimensionais interesses quando o assunto é Pequim, mas muitos outros países trataram a China como item primordial de atenção em eleições presidenciais.
Na caminhada que levou Mauricio Macri à Casa Rosada, a questão China foi item recorrente, sobretudo porque no final do governo Cristina Kirchner os argentinos assinaram um acordo que oferecia aos chineses prioridade no investimento em áreas estratégicas como petróleo e gás, logística e transportes.
Quando Emmanuel Macron, ainda candidato ao Eliseu, defendia a modernização das regras trabalhistas na França, o fazia como forma inescapável de combater a hipercompetitividade chinesa.
Nas recentes eleições mexicanas, o tema de um eventual desmantelamento do Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte) sempre foi acompanhado do fantasma da transferência de hubs industriais para a China, caso o México venha a perder seu diferencial de pertencer ao bloco juntamente com EUA e Canadá.
Foi nesse contexto que há alguns dias conversei com um grande grupo de pesquisadores chineses prestes a embarcar para o Brasil com o objetivo de estudar como seu país está sendo abordado no debate presidencial. Para a surpresa deles, a apenas pouco mais de dois meses da realização do primeiro turno, o assunto “China” é solenemente ignorado.
Num primeiro levantamento que realizaram, excetuando-se a referência ao apetite pela compra de nióbio ou ao interesse mais amplo pela aquisição de terras no Brasil, os pesquisadores chineses concluíram que nenhum dos principais candidatos ao Planalto até agora tem qualquer noção de como abordar a China.
Em uma frase: os presidenciáveis brasileiros não contam sequer com os rudimentos do que seria sua “China Policy”. Ora, por que o assunto China, ao contrário da experiência de pleitos recentes em outras democracias ocidentais, ainda é uma grande ausente nas eleições brasileiras?
Parte da explicação vem da própria configuração “ensimesmada”’ da economia brasileira. Como resultado do protecionismo comercial brasileiro e de seu tradicional foco de desenvolvimento no mercado interno, não ocorreu uma migração tão forte de empresas brasileiras para operar a partir do território chinês.
No caso de companhias americanas ou europeias, essa transferência de atividades manufatureiras para a China, deixando algumas cidades e regiões para rás na condição de “desertos industriais”, foi muito mais intensa. A desindustrialização —e seus impactos sociais— como efeito colateral da ascensão chinesa é tema obrigatório em qualquer eleição em países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, que congrega nações de elevada renda per capita).
Para o Brasil, tal isolamento não foi necessariamente bom. Desperdiçamos oportunidades de internacionalização empresarial, ganhos de eficiência e custo, plataformas de exportação para terceiros mercados a partir de uma base na China e, por conseguinte, continuamos ainda bastante afastados das grandes cadeias globais de valor.
A indiferença dos postulantes à Presidência no Brasil quanto ao tema China simplesmente não pode continuar. Embora, a bem da verdade, nenhum presidenciável até agora tenha dito quais são suas ideias para relações com EUA ou União Europeia.
Não se trata, portanto, de tão somente ignorar a China, mas perceber quão incipiente é o foco dado pela política brasileira aos grandes temas internacionais.
Elaborar um mínimo de estratégia para lidar com o gigante asiático é algo imprescindível. E as razões para tal atenção de forma estruturada são óbvias. A China é o principal destino de nossas exportações e, no conjunto, nosso principal parceiro comercial.
De janeiro a junho de 2018, as exportações brasileiras à China totalizaram quase US$ 30 bilhões, mais do que o dobro de nossas vendas para os EUA. Trata-se de uma remessa importante em termos de volume, mas baixa no que diz respeito à agregação de valor. Continuamos essencialmente a vender as commodities soja e minério de ferro.
De 2015 a 2017, bancos chineses de fomento (como o Banco de Desenvolvimento da China, o maior do mundo) realizaram US$ 42 bilhões em empréstimos para o Brasil —e a China move-se rapidamente para ocupar as primeiras posições como fonte de IEDs (investimentos estrangeiros diretos) ao Brasil.
E, claro, os chineses são a ponta compradora de vigorosos processos de fusões & aquisições —de que são exemplo as transações envolvendo entidades chinesas e conhecidos nomes financeiros no Brasil como a Guide Investimentos, Rio Bravo, Banco BBM, BicBanco etc.
Além disso, a grande extroversão chinesa como agente de investimentos em infraestrutura, sua liderança em constituir uma nova família de instituições financiadoras do desenvolvimento e os planos da China para a Quarta Revolução Industrial são todas de imensa relevância para o Brasil.
A presença da China como protagonista do mundo contemporâneo oferece ao Brasil um delicado balanço. Em especial porque os chineses, sempre meticulosos, sabem muito bem o que querem de nós.
Com os candidatos à Presidência da República desatentos e desprovidos de uma “China Policy”, fica mais difícil ao Brasil afastar-se dos riscos e abraçar as oportunidades.
*Marcos Troyjo é diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia