Na era dos drones e carros não tripulados, Trump sonha em introduzir nos EUA um desfile militar à altura do que o impressionou em Paris
A terra arde na Grécia, o ar queima no verão europeu, ações do Facebook torram na Bolsa, o binômio democracia/eleições derrete geral. Para qualquer lado que se olhe, o mundo parece estar em combustão. Apenas no planeta Trump a vida segue o seu curso habitual, que é caótico.
Tempos atrás, Jim VandeHei, do site de notícias Axios, avaliou a retórica, a visão política e o comportamento do ocupante da Casa Branca, e concluiu que Donald Trump é um homem dos anos 1950. Fundamentou o diagnóstico desse ser analógico com exemplos que vão de teimosias juvenis a atos de consequência global. Alguns, como entupir-se de cheeseburgers regados a Coca-Cola em tempos probióticos, causam apenas espanto. Suas repetidas referências à mítica Route 66, que levava o viajante de Chicago a Santa Monica rasgando o majestoso Oeste americano, tampouco causam danos. Apenas não conseguirão volver a indústria automobilística à sua idade de ouro. Aliás, algum assessor do presidente deveria informar o chefe que a tão celebrada estrada original (hoje “Interestadual 44”) foi atropelada. A novidade de 2018 se chama United States Bicycle Route 66, e atende bípedes cada vez mais satisfeitos em só duas rodas. Dois trechos dessa cicloestrada de 4.200 quilômetros foram inaugurados no mês passado e seguem o mesmo traçado da antiga “mãe de todas as highways” .
Rombudo, cheio de certezas que variam e abrindo espaço a empurrões para ficar sempre na primeira fila, Trump ressuscita a mineração do carvão enquanto a China mira em inteligência artificial; investe em guerras comerciais com aliados, mas não foca nos ataques cibernéticos de adversários. Na era dos drones e carros não tripulados, sonha em introduzir no país um desfile militar à altura do que o impressionou no 14 Juillet dos Champs-Élysées — “Quero ver muitos aviões sobrevoando a Pennsylvania Avenue”, já avisou.
Pouco a pouco, o mundo vai aprendendo a lidar com o planeta que gira em torno de seu dono. Três dias atrás, o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi recebido por Trump na Casa Branca para uma rodada de pacificação na guerra comercial. O visitante parece ter encontrado a fórmula.
Oriundo do Grão-Ducado de Luxemburgo, nação europeia menor do que o município baiano de Brejolândia, Juncker acertou no tom e na forma. Segundo o “Wall Street Journal”, ele introduziu a necessidade de um recuo das duas partes em língua franca: “Se você quer ser estúpido, eu também vou ser estúpido”. Em seguida, apresentou os complexos impasses em torno de tarifas, subsídios, aço, produtos agrícolas através de coloridas cartelas que resumiram o essencial sem entediar o anfitrião. Aos respectivos assessores ficou a tarefa de colocar as coisas por escrito. Entenderam-se, e a trégua provisória pôde ser comunicada.
O desnorteante para analistas e assessores da Casa Branca são as intempestivas recaídas do presidente ao modo “macho dos anos 50”. Menos de três semanas atrás, no momento do embarque com a esposa para a reunião da Otan em Bruxelas, ele teria tido um destempero ao constatar que o sistema de televisão do Air Force One estava sintonizado na CNN. Pela métrica trumpiana, a rede noticiosa está no topo do ranking de inimigos, e ele evita até mesmo pronunciar-lhe o nome. Prefere referir-se a ela pelo epíteto multiuso e genérico de fake news.
Desde a sua posse, em 2017, vigorava a norma de sintonia automática na amigável Fox News a bordo do Air Force One. Só que naquele dia de junho passado, quem dera a ordem de mudança de canal tinha sido a primeira-dama Melania Trump.
Ordem dada, ordem revertida pelo comandante em chefe do país, que reassumiu com autoridade o comando do controle remoto. Segundo Maggie Haberman, do “New York Times”, o episódio chegou a gerar uma troca de e-mails entre o Departamento Militar da Casa Branca e a Direção de Comunicações da Presidência. Ficou decidido que o Air Force One manteria a Fox como default no avião, mas que Melania disporia de um sistema independente em seus aposentos aéreos. “A primeira-dama assiste ao canal que desejar”, atestou com bravura um comunicado oficial. Independência máxima para o casal anos 50.
Enquanto isso, no Irã, na Coreia do Norte, nos abrigos para crianças de pais deportados… Nem mesmo o estupendo desempenho da economia (4,1% no segundo trimestre) é garantia de tranquilidade.