Alto índice de repúdio aos presidenciáveis deixa pouco espaço para atrair novos eleitores. Para analista, horário eleitoral gratuito deve ser palco para desconstrução de adversários
Por Rodolfo Borges, do El País
Apenas 2,2% dos brasileiros confiam no Governo Federal. Quando se trata do Congresso Nacional e dos partidos políticos, o percentual é ainda menor: 0,6% e 0,2%, respectivamente, segundo a última pesquisa CNT/MDA, divulgada em maio. Essa desconfiança com o mundo político se manifesta também nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República, que alcança índices recordes nos levantamentos de todos os institutos. Segundo o Datafolha, por exemplo, os votos brancos e nulos lideram a corrida presidencial e 33% do eleitorado não tem candidato nos cenários sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o pré-candidato com mais intenções de voto (30%) — e também a maior rejeição (46%) —, mas cuja candidatura mal pode ser vista no horizonte, por conta de sua condenação à prisão em segunda instância. Nesse contexto, em que os principais candidatos partem de uma rejeição de pelo menos 40%, o espaço para ampliar o eleitorado se torna mais restrito. E fica mais fácil machucar as candidaturas dos adversários.
Para o diretor do Datafolha, Mauro Paulino, a impressão é de que os eleitores mais convictos são aqueles que não querem votar em ninguém. A esta altura, a persistência de um terço do eleitorado sem candidato nas pesquisas estimuladas é inédita, o que pode ser explicado em parte pela ausência de uma candidatura governista forte. “Quem não tem candidato está buscando algo que passe pela conciliação, pela clareza na definição e na exposição das propostas, e está cansado dos embates mais virulentos e que não levam à solução dos problemas urgentes”, opina o pesquisador. Segundo os levantamentos do DataPoder360, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que lidera as pesquisas presidenciais nos cenários sem Lula, também se destaca entre os concorrentes pela convicção de seu eleitorado: 77% de seus eleitores dizem que não trocam mais de candidato.
Assim como o ex-presidente petista, contudo, Bolsonaro também se destaca nos números de rejeição (19% no Datafolha). Enquanto favorito no primeiro turno, o capitão da reserva deve virar alvo de concorrentes diretos, como o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e o ex-ministro Henrique Meirelles (MDB), caso este último de fato siga na campanha. “Campanha de TV serve para três coisas: preservar a própria imagem, mudar essa imagem ou derrubar um adversário”, resume Marcello Faulhaber, estrategista da vitoriosa campanha de Marcelo Crivella à prefeitura do Rio de Janeiro em 2016. Ele lembra que, em 2002, o marqueteiro de José Serra, Nizan Guanaes, conseguiu tirar o ex-governador Ciro Gomes (PDT) do segundo turno com uma campanha negativa. Em 2014, foi a vez de João Santana, marqueteiro de Dilma Rousseff, tirar a ex-ministra Marina Silva (Rede) do páreo.
“Acho que Alckmin e Meirelles — se permanecer candidato — vão bater muito em Bolsonaro, achando que, ao bater, vão ficar com os votos que ele perder”, diz o estrategista. Faulhaber imagina que os atuais 19% de intenção de voto de Bolsonaro possam cair para 12% ou 13% por conta dos ataques adversários, mas isso não quer dizer que seriam Alckmin ou Meirelles a colher os votos. Marina Silva, um candidato indicado pelo PT para representar Lula, Ciro Gomes ou o senador Alvaro Dias (Podemos-PR) poderiam acabar beneficiados. No caso específico do PT, a ausência de Lula claramente prejudicaria o partido no primeiro turno, por conta de sua alta intenção de votos, mas poderia ajudar o partido em um segundo turno, já que o ex-presidente tem a maior rejeição (46% além dos 28% que hoje não votariam em ninguém, segundo o Datafolha) e precisaria de mais da metade dos votos para vencer.
Os partidários de Lula podem buscar esperança em outra pesquisa, do instituto Ipsos. O levantamento não afere exatamente intenção de votos, mas a avaliação da conduta dos presidenciáveis. Na última pesquisa, Lula era desaprovado por 54% dos brasileiros. É muito, mas é menos do que os 70% que desaprovavam Alckmin ou os que não aprovavam as condutas de Ciro Gomes (65%), Bolsonaro (64%), Marina Silva (63%) e Henrique Meirelles (59%). Nessa aferição, é difícil encontrar um nome que vá bem. O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa é desaprovado por 47%, e o juiz Sérgio Moro, que decide sobre a Lava Jato na primeira instância em Curitiba, por 55%.
Antipolítica
O cientista político Antônio Lavareda destaca que o repúdio à política não é um fenômeno brasileiro — na última eleição norte-americana, tanto Hillary Clinton quanto Donald Trump tinham rejeições superiores a 50%. “Cresceu o escrutínio, o exame e a análise dos candidatos pelo eleitorado”, avalia. Mas, segundo Lavareda, à medida que a campanha ocorrer no Brasil, a rejeição deve ceder. “Quando a campanha começa, a vida pregressa dos candidatos, suas realizações, o que fizeram de bom ou de mau, tudo passa a ser indicador de caráter dos candidatos mais importantes, mais que do que sua própria retórica”.
O discurso do outsider, de alguém que não participa do jogo político, parece desfrutar de uma adesão maior na sociedade, diz Lavareda, que ressalva: isso não foi o bastante para sustentar na corrida presidencial nomes como o apresentador Luciano Huck e Joaquim Barbosa. Bolsonaro se vale do discurso, mas tem décadas de Congresso Nacional. “Em uma eleição geral como a brasileira, com 20.000 candidatos, fica difícil a emergência de nomes realmente novos”, diz o cientista político, para quem as análises anteriores à campanha oficial têm sido bem mais dinâmicas do que as variações dos cenários eleitorais. “Essa articulação política não tem repercussão propriamente eleitoral. É a propaganda que sistematiza os programas dos candidatos. É a propaganda que atinge o eleitor”.