O que se viu na sabatina dos candidatos presidenciais, realizada pela CNI, foi um festival de impropriedades
Não se pode exigir que os discursos econômicos de candidatos sejam fiéis à boa teoria econômica. Afinal, após as sugestões dos assessores econômicos, as propostas passam pelo crivo dos marqueteiros e se mesclam com as crenças e estilo próprios do postulante ao cargo eletivo, não necessariamente um expert em assuntos econômicos. O que se viu na sabatina dos candidatos presidenciais, realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), no dia 4 deste mês, foi um festival de impropriedades, não muito diferente do ocorrido em outras campanhas eleitorais.
Dado o espaço da coluna, limito a análise a apenas um ponto, agora defendido por Ciro Gomes, mas que também estava presente no discurso de Geraldo Alckmin, nas eleições de 2006. Refiro-me ao diagnóstico de que o baixo crescimento brasileiro decorre do desalinhamento de dois preços fundamentais da economia, a saber, juro e câmbio. As elevadas taxas de juros e o real apreciado teriam inviabilizado as exportações, provocado déficits em conta corrente e promovido a desindustrialização.
Está embutida nesse diagnóstico a crença de que o ideal para o Brasil é o chamado modelo de crescimento induzido pelas exportações (export led growth, no jargão em inglês). Tal modelo deriva naturalmente para propostas de ativismo governamental, principalmente subsídios a indústrias com potencial exportador e ações para manter a moeda doméstica depreciada, resultando na geração de expressivos saldos positivos em conta corrente.
Ciro Gomes, na sabatina da CNI, vai ao extremo, ao afirmar que em seu governo a taxa de câmbio será mantida sempre em nível que estimulará as exportações, enquanto os juros, especialmente os de curto prazo, serão fixados em patamar baixo. Em seu entender, a taxa Selic é estabelecida em nível elevado “apenas para atender aos interesses dos rentistas”.
Há vários problemas com propostas dessa natureza. De início, administrar juros para baixo e câmbio para cima enterra a ideia de metas de inflação e de livre flutuação cambial, duas pernas fundamentais do tripé que garantiu o controle da inflação e o fim das crises cambiais. Níveis de juros e câmbio não podem ser escolhas arbitrárias do governo. Eles dependem de fatores externos e internos, como taxa internacional de juros, cotação do dólar americano em relação a uma cesta relevante de moedas, relação de trocas, maior ou menor aversão internacional ao risco, o próprio nível do risco soberano, evolução da dívida pública e expectativas de inflação, para citar os principais. Desrespeitar a consistência macroeconômica dessas variáveis geralmente resulta em aceleração inflacionária e retração do crescimento econômico.
Mas há outro problema sério com a adoção desse modelo exportador para o Brasil. Superávit em conta corrente equivale à exportação de poupança doméstica (possível quando o País poupa mais do que investe), enquanto déficit é o mesmo que importação de poupança externa (nesse caso, o investimento é maior que a poupança doméstica).
O problema é que nossa taxa de poupança bruta é muito baixa (14,8% do PIB, em 2017) e isso se deve a razões estruturais, tais como, poupança pública negativa, nível baixo e concentrado da renda, atuais sistemas de Previdência social e de proteção ao desempregado, fatores culturais, instabilidade macroeconômica, entre outras. Assim, o aumento da taxa de investimento em relação ao PIB, fundamental para o crescimento sustentado, exige ou a rápida elevação da taxa doméstica de poupança, o que não é factível, ou a importação de poupança externa, na forma de déficit em conta corrente.
Se a economia estiver em pleno-emprego, tentar aumentar o crescimento com estímulos à exportação, sem elevação da poupança doméstica, será inútil. O que vai se colher é mais inflação e menos crescimento.
* Claudio Adilson Gonçalez é economista e diretor-presidente da MCM Concultores. Foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda.