É preciso que haja uma total revolução no nosso sistema educacional para que o país possa se adaptar às novas realidades do mercado de trabalho, acredita André Gomyde
Por Germano Martiniano
O constante avanço tecnológico e a consequente robotização do mercado de trabalho têm colocado em risco a existência de diversas profissões tradicionalmente conhecidas. Segundo a PricewaterhouseCoopers (PWc), uma das maiores consultorias do mundo, o percentual de vagas vulneráveis até 2030 é de 21% no Japão, 30% no Reino Unido, 35% na Alemanha e 38% nos Estados Unidos. Não foi feita estimativa para o Brasil, no entanto, os brasileiros também serão afetados, uma vez que, profissões como de pilotos de aviões, analistas de investimento, contadores, analistas financeiros, jornalistas e outras, poderão ser feitas por robôs.
Essa nova realidade, ainda que exija um forte investimento do governo brasileiro em infraestrutura tecnológica, não é algo tão assustador quanto parece, acredita André Gomyde, presidente da Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas. Gomyde é o entrevistado desta semana na série FAP Entrevista. Mestre em Administração de Empresas pela Florida Christian University, em Orlando (EUA), e doutorando pela mesma instituição, ele também conversou com a Fundação Astrojildo Pereira sobre o conceito de cidades inteligentes, que são aquelas que estão aderindo às evoluções tecnológicas e melhorando a vida de seus cidadãos.
A entrevista integra uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
FAP Entrevista – Em debates, o senhor sempre discorre sobre as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho, que várias profissões atuais deixarão de existir. O sistema educacional brasileiro está preparado para essas mudanças?
Adré Gomyde – É um sistema obsoleto. Em todos os rankings internacionais, o Brasil está sempre entre os últimos colocados. Uma variação aqui, outra ali, mas nada consistente. É preciso que haja uma total revolução no nosso sistema educacional, olhando-se para uma realidade que já está na nossa porta: muito em breve serão poucos postos de trabalho, e os que existirem serão de profissões que ainda não conhecemos. Como preparar nossas crianças para isso? Acredito que seja necessário trabalhar competências diferentes das que trabalhamos hoje. Não sou da área de educação e não vou ousar dar algum palpite, mas posso dizer que com essa política educacional que temos não iremos muito longe. Já tentamos fazer esse diálogo no governo, mas as mentes que hoje ali estão não tem muita vontade de ousar novos caminhos. Torcemos para que essa realidade mude.
Como o Brasil deve se preparar para este novo mundo em que a tecnologia impera?
O Brasil precisa investir em infraestrutura tecnológica para começar a caminhar e para não ficar refém das grandes empresas transnacionais. Cuidar dos nossos dados e informações é essencial. Vide o que está ocorrendo com o dono do Facebook lá nos EUA. Eles se apropriam dos dados e informações, que são o ouro do século XXI, e agora respondem a processo. O que estamos fazendo no Brasil para nos blindar disso? Muito pouco. Infelizmente, o “lobby” dessas grandes empresas é forte e pesado. Não pode dar coisa boa. Há mais de quatro anos que se discute sobre isso, são reuniões e mais reuniões, eventos e mais eventos, projetos e mais projetos, muita informação colhida e debatida e até agora não temos um programa nacional adequado para que o País consiga avançar rumo ao século XXI. É a velha política, com a velha agenda, quem ainda ditam os (des)caminhos do Brasil.
Certamente essas mudanças no mercado de trabalho afetarão as relações sociais. Como o senhor imagina as relações sociais no futuro?
Faço parte de alguns grupos de pesquisadores que pensam o futuro, os chamados futuristas. Vejo que há um lado que é mais pessimista e que acha que entraremos em um colapso social, com guerras civis para todos os lados, as pessoas lutando pela sobrevivência, enfim, o verdadeiro caos. Outro lado, mais otimista, acredita que as pessoas não trabalharão e serão simplesmente felizes, vivendo do que a natureza lhes oferece e compartilhando criações, fazendo atividades lúdicas em rede, enquanto as máquinas trabalham. Seria um mundo muito mais bacana e justo. Eu fico com a segunda turma, dos otimistas. Que as máquinas trabalhem, para a gente ser feliz! Mas entendo que o mundo assim somente acontecerá daqui a uns cinquenta anos ou mais.
Até que ponto o senhor enxerga como evolução o robô tomar o lugar do ser humano em muitas atividades?
É uma evolução. Ela é perigosa, por conta da inteligência artificial, mas é uma evolução. Acredito que estejamos vivendo uma acentuada elevação de consciência em todo o mundo e que cada vez mais as pessoas tomarão os cuidados necessários para que os robôs estejam a nosso serviço e não para que sejam nossos inimigos, como profetizou Stephen Hawking antes de morrer. Mas é preciso debater o tema cada vez mais, para não corrermos riscos.
Estamos em ano eleitoral. O que esperar do novo presidente sob o aspecto das cidades? Elas precisam de mais autonomia?
O novo governo precisará compreender que não podemos mais esperar resolver a agenda do século XX, para somente depois entrarmos na agenda do século XXI. Teremos que dar um salto. É preciso entender, também, que a solução está nas cidades e nas pessoas. O Governo Federal precisará acelerar programas que facilitem o financiamento de infraestrutura tecnológica para as cidades e que permitam às cidades trabalhar suas vocações locais, sem as atuais amarras que existem na legislação, permitindo que se conectem com mercados do mundo todo.
O que é a Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas? Qual o objetivo?
A Rede Brasileira de Cidades Inteligentes e Humanas é um grande movimento nacional que reúne secretários municipais de ciência, tecnologia e inovação; pesquisadores das principais universidades brasileiras; e lideranças dos setores produtivos. O objetivo é trabalhar o conceito de Cidades Inteligentes e Humanas dentro das idiossincrasias brasileiras, ajudando os administradores das cidades nessa tarefa de colocar nosso país no século XXI, em termos de desenvolvimento econômico e de ampliação de mercado.
Trata-se de um projeto apenas nacional, ou é alicerçado junto a outros projetos internacionais?
O movimento das cidades inteligentes e humanas é um movimento internacional que teve início quase simultâneo nos EUA e na Europa. Chegou no Brasil em 2013, quando começamos a entendê-lo para, a partir daí, aprofundar nossas pesquisas para que pudéssemos “tropicalizar” conceitos. Hoje temos parcerias e alianças com diversas instituições internacionais que tratam do tema.
A cidade inteligente seria aquela que coloca o cidadão em primeiro lugar? Como funciona isso?
Não adianta termos cidades inteligentes se seus benefícios não servirem para seus cidadãos. Temos uma grande parte de nossa sociedade ainda excluída tecnologicamente e com muita dificuldade de compreender essa nova era que se apresenta no século XXI. É fundamental que os dirigentes brasileiros implementem ações de divulgação, de treinamento e de preparação da sociedade para a nova realidade. Há um movimento muito forte de empresas estrangeiras querendo tomar conta desse mercado, apenas implantando suas tecnologias. Temos que entrar firmes nisso, alertando as instituições para que tenham como foco principal as pessoas e não somente os interesses dessas empresas. Por isso o nome de Cidades Inteligentes e Humanas.
Como o senhor avalia que em algumas cidades brasileiras se pode discutir projetos futurísticos, porém em outras nem o saneamento básico chegou? Como tratar essa discrepância?
O Brasil perdeu o trem da história no século XX e agora tenta encaixar essa agenda do século passado no novo século XXI, pretendendo primeiro resolver os problemas antigos para depois buscar avançar como muitos países já estão fazendo. Não será possível fazer isso. Precisamos entrar na agenda deste século imediatamente, ainda que paralelamente a gente tenha que resolver nossas deficiências. Portanto, entendo que podemos ver nossos problemas de uma nova forma: já que temos que fazer saneamento básico, por que não fazer isso utilizando a tecnologia existente, para termos um saneamento básico inteligente e do século XXI?
Como o senhor imagina as cidades no futuro?
O futuro já chegou e são as cidades inteligentes, humanas, criativas e sustentáveis. Minha esperança é de que as cidades, especialmente no Brasil, possam ser protagonistas das ações que elas precisam fazer, baseadas nas suas vocações, sem ter que ficar nessa dependência dos Estados e da União. Sou um municipalista convicto e espero que nossas cidades sejam inteligentes e livres para acessar um mercado mundial de mais US$ 1,3 trilhão, da forma como bem entenderem e que ajude no empreendedorismo local.