Míriam Leitão: Indústria deve se recuperar em junho, mas a confiança foi abalada pela greve

O tombo da produção industrial já era esperado, por causa da greve do setor de transporte de carga. Mas há, nos últimos indicadores, sinais de uma economia em transição. Estava se recuperando e volta a perder vigor. Mais do que o efeito localizado, a greve foi o ponto que levou o país para outro ritmo. Não apenas pelo movimento, mas pela soma de vários problemas em que se destaca a incerteza política.
FOTO: THIAGO GOMES / AG. PARÁ
FOTO: THIAGO GOMES / AG. PARÁ

O tombo da produção industrial já era esperado, por causa da greve do setor de transporte de carga. Mas há, nos últimos indicadores, sinais de uma economia em transição. Estava se recuperando e volta a perder vigor. Mais do que o efeito localizado, a greve foi o ponto que levou o país para outro ritmo. Não apenas pelo movimento, mas pela soma de vários problemas em que se destaca a incerteza política.

A produção industrial caiu 10,9% em maio. Uma queda que fez o país recuar anos. Mas, ao mesmo tempo, no acumulado de janeiro a maio, o setor de bens de capital teve alta de 9,5%, o que é sempre indicação de investimento. Os dados da balança comercial de junho mostram uma retração de 7,7% na importação de combustíveis e lubrificantes, em decorrência da dúvida sobre os preços do diesel. Mas as importações gerais cresceram 17%, e as de bens de capital subiram 33,8%.

Há retrato e filme. O retrato é de um país que em maio despencou o nível de atividade e teve um salto nos preços por causa do violento impacto da greve que uniu caminhoneiros e empresários do setor. A inflação de junho deve ficar em 1,1%, dado que será divulgado na sexta-feira. Nos preços, o efeito pode ser mais temporário, mas no nível de atividade, não.

O Itaú Unibanco estima que a indústria voltará a crescer 10,9% em junho, recuperando a perda de maio. Mas não há consenso no mercado. O UBS, por exemplo, estima crescimento de 7%. O banco ressalta que só houve três momentos piores do que a queda de maio: no plano Collor, em 1990, na greve dos petroleiros, em 1995, e na crise financeira de 2008.

São muitos os choques neste ano sobre uma economia já fraca. A volatilidade cambial, o temor de uma guerra comercial entre as grandes economias do mundo e o cenário opaco sobre a economia e a política brasileira. Toda eleição é incerta porque só as urnas dirão quem é o vencedor. Isso é natural.

Mas a nossa eleição é muito mais incerta que todas as outras. O candidato que encabeça as pesquisas está preso e deve ser declarado inelegível. Os outros candidatos, como raras exceções, ainda não deixaram claro suas opções econômicas e políticas. Muitos falam apenas por frases de efeito ou com demonstrações de voluntarismo e tudo isso turva o horizonte.

A economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, conta que dois grandes projetos de investimentos que seriam conduzidos pela gestora de recursos foram adiados por clientes após a greve. O mais grave, explica ela, foi a mensagem de insegurança institucional que o país transmitiu aos investidores pelos efeitos da paralisação.

— Temos clientes que investem em grandes projetos, como construção de shoppings, arenas, ativos ligados a construção. Eles são mais conservadores e preocupados com o longo prazo. Depois da greve, dois clientes grandes adiaram investimentos porque a paralisação expôs a fragilidade institucional do país. Agora, só no ano que vem, dependendo de quem ganhar as eleições — disse.

Pasianotto explica que esse perfil de cliente, ligado a obras e à economia real, exige que a Reag seja mais cautelosa em suas projeções. Por isso, a estimativa de 1,7% para o PIB deste ano já está em viés de baixa. Mas a grande preocupação é se o próximo presidente terá força e vontade para conduzir o ajuste fiscal.

— O desafio é muito grande, e ainda não vemos os candidatos demonstrarem esse nível de urgência com a questão fiscal. O Congresso também parece estar desconectado da gravidade da situação — afirmou.

A greve teve o efeito de ser o catalisador do pessimismo que já vinha reduzindo indicadores desde o começo do ano. Os dados do PIB do primeiro trimestre já vieram abaixo das projeções. E continuou pairando o temor de novo movimento. O governo acabou se comprometendo com novos gastos para interromper a greve e fez promessas que dificilmente conseguirá cumprir, como a tabela do frete. O governo se enfraqueceu ainda mais no Congresso.

Os indicadores mostram esse filme: o país teve uma enorme recessão, saiu dela de forma hesitante, vinha melhorando e agora voltou para um patamar mais fraco. Portanto, essa queda da produção industrial é apenas um evento, mas ajudou a enfraquecer a economia como um todo.

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