El País: “Comentaristas de matérias políticas no Facebook falam sozinhos”

Pesquisadora Fernanda Cavassana de Carvalho fala sobre análise de 600.000 comentários feitos em matérias referentes às eleições de 2014.
Foto: Reprodução/Google
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Pesquisadora Fernanda Cavassana de Carvalho fala sobre análise de 600.000 comentários feitos em matérias referentes às eleições de 2014

Por Talita Bendinelli, do El País

Se não quer se estressar, não leia os comentários do Facebook. A recomendação, que costuma ser feita pelos menos crédulos na capacidade de argumentação nas redes, não foi seguida, definitivamente, por uma equipe de pesquisadoras da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Isabele Batista Mitozo, Michele Goulart Massuchin e Fernanda Cavassana de Carvalho, do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública, analisaram 610.660 comentários feitos nas páginas dos três principais jornais de abrangência nacional durante a campanha eleitoral de 2014. Elas avaliaram o que diziam os internautas em 14.794 postagens feitas na rede pela Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo, que citavam os candidatos Dilma Rousseff, Aécio Neves e Marina Silva (ou o ex-titular da chapa, Eduardo Campos, morto durante a campanha).

A conclusão?
A maioria das pessoas fala mesmo sozinha e não tem qualquer interesse em debater, explica Fernanda, uma das autoras do artigo Debate político-eleitoral no Facebook:os comentários do público em posts jornalísticos na eleição presidencial de 2014. Doutoranda em Ciência Política pela UFPR, ela explica nesta entrevista como as premissas do bom debate estão ausentes nos comentários das matérias no Facebook e dá dicas para quem quer quer tornar a discussão nas redes mais qualificada às vésperas do início da próxima campanha.

Pergunta. Há um conselho que costuma ser comum: evite ler os comentários das matérias no Facebook. Por que vocês decidiram analisá-los?
Resposta. A gente tem visto que as pessoas interagem muito com temas políticos e, especialmente no período eleitoral, com temas de campanha. Acreditamos que havia a necessidade de uma pesquisa empírica que olhasse para essa discussão nas redes sociais também. As redes trazem uma possibilidade maior de interatividade entre as pessoas. E há uma promessa de que esses meios mais interativos e digitais possam promover ampliação do debate público. Então, resolvemos avaliar: será que a Internet está funcionando mesmo como uma ampliação dessa esfera pública, onde as pessoas teriam possibilidade de debater? Como será que se dá esse debate?

P. E há um debate qualificado ou as pessoas só buscam reforçar as suas opiniões?
R. Pelo nosso recorte, que foi a sessão de comentários de páginas jornalísticas no Facebook, a gente percebeu que aqueles ideais teóricos de um debate público, que seriam mais voltados para o diálogo, o respeito e a abertura de ouvir o outro não se dá. As pessoas acabam falando sozinhas. São pessoas que muitas vezes só estão ali para colocar sua opinião e não necessariamente se abrir para ouvir o outro. E quando há uma abertura ao outro, as pessoas tendem a tentar persuadir o interlocutor. Para isso, utilizam a própria posição como justificativa: “Eu sou Dilma porque eu sou Dilma. Eu sou Aécio porque eu sou Aécio”. E não necessariamente uma justificativa que explique seu posicionamento. Por outro lado, quando havia, a maioria das justificativas era interna também, referente a própria experiência pessoal. Um debate ideal seria aquele em que há reciprocidade, a pessoa está aberta ao outro, e que quando você tenta progredir, você traz informações: “Eu apoio esse candidato porque eu apoio a proposta de política pública dele porque há dados sobre isso”.

P. Comentar na internet, então, é perda de tempo?
R. Não necessariamente. O nosso trabalho tinha este recorte, de matérias sobre eleição no Facebook. Esse espaço não se mostrou construtivo, um espaço respeitoso em que há abertura para o diálogo. As pessoas apenas se manifestam ali, não necessariamente debatem. O Facebook tende mesmo a polarizar cada vez mais o debate e isso não é bom porque acaba criando alguns grupos que só falam entre eles e não estão abertos ao posicionamento contrário. Em alguns espaços da internet em que há regras de participação os debates tendem a ter maior qualidade, como portais específicos de consultas públicas, a página do Senado, por exemplo.

P. Por que no Facebook é diferente?
R. O Facebook é uma plataforma para interação. Deixa disponível botões para que a gente comente, interaja e compartilhe e isso vai alimentando esses comportamentos naquele ambiente. Tem a coisa do algoritmo, que se você interage com um material, com um tema, com uma pessoa que acaba tendo a mesma visão de mundo, a mesma opinião sua, a rede vai buscar mais material, mais informação, mais post em relação a isso, o que acaba ajudando a polarizar a rede.

P. Nas campanhas eleitorais, qual a importância do Facebook como uma ferramenta político-partidária?
R. Pelo fato de ter essa característica de interatividade, de ser uma plataforma de relacionamento, os eleitores se sentem mais próximos dos candidatos na página deles nas redes sociais. O candidato que tem aquela página na rede social está trazendo conteúdo diretamente para a pessoa, no feed dela, é a mesma coisa que um amigo, um parente, trazendo aquilo. É uma proximidade maior do eleitor com seus candidatos.

Mas é importante saber usar esse tipo de ferramenta e incentivar esse tipo de interação. Porque, por mais que muitos candidatos façam posts patrocinados [pagos para atingir diretamente um público alvo específico], as publicações no Facebook também têm a visibilidade orgânica que vem desse conteúdo interativo. O candidato que tem mais visibilidade agora já vai sair na frente porque ele vai ter mais contatos. E a rede social na internet tem um aspecto de viralidade. Quanto mais as pessoas [que curtem a página] interagem, mais vão expandindo aquela postagem para os seus contatos.

P. Vocês conseguiram perceber a presença de robôs nos comentários das notícias?
R. Há algumas limitações técnicas em relação a como a gente conseguiu esses comentários. Isso foi feito por um aplicativo que puxa dados que o Facebook disponibiliza. A gente só analisou os conteúdos, não tinha o perfil de quem publicou, então não poderia mensurar se havia um perfil específico que publicava mais. Mas a gente tinha informações como horário do comentário e o próprio conteúdo. Então, a gente percebia, sim, a presença de robôs, porque muitos textos eram repetidos em várias publicações jornalísticas. E tinha algumas horas com pico de comentários, o que a gente acredita que era efeito de robôs, com comentários programados.

P. Se os comentários geralmente não trazem argumentos e dificilmente as pessoas mudam de ideia, qual o efeito que um robô pode ter comentando para um determinado candidato?
R. Depende do conteúdo disseminado por esse robô. Eles funcionam mais na questão de difusão, de querer circular determinado conteúdo. Têm mais efeitos ao seguirem mais os candidatos, darem mais likes, compartilharem mais conteúdos, o que faz com que ele viralize. Já na sessão de comentários, não seria pelo volume, mas pelo tipo de conteúdo que aquele comentário tem. Um robô pode trazer uma mentira, um boato sobre o outro candidato, o que a gente via muito ao fazer a análise: aqueles comentários enormes com histórias para difamar um candidato.

P. Que dica você daria para quem quer ser bem sucedido ao debater na internet?
R. Tem que ter conteúdo para justificar o que se está falando. Nossa pesquisa mostrou que o debate progride quando tem mais justificativa. Por mais que sejam justificativas internas, de experiências pessoais, se puder embasar isso em argumentos, tem mais chances de convencer o interlocutor. Tem que saber que você pode ser ouvido ou não. E que se uma pessoa tem mais predisposição para ouvir outras pessoas, elas têm mais chances de serem ouvidas também. E não adianta fazer textão, porque as pessoas não têm tempo e a informação principal tem que ser do jornal, de quem a está passando. Mas, já que você está comentando ali, tente contribuir com o tema e trazer mais informações.

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