Míriam Leitão: O enigma JBS

A maior fonte de faturamento do grupo JBS vem das receitas em dólar e, neste momento, a alta do câmbio o favorece. A empresa só se internacionalizou com a ajuda dos recursos oferecidos pelo Estado. Sua delação mostrou que essa ajuda foi irrigada por dinheiro dado pelo grupo, a maioria de forma ilegal, para as campanhas políticas, principalmente do PT. A dúvida é: valeu a pena?
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

A maior fonte de faturamento do grupo JBS vem das receitas em dólar e, neste momento, a alta do câmbio o favorece. A empresa só se internacionalizou com a ajuda dos recursos oferecidos pelo Estado. Sua delação mostrou que essa ajuda foi irrigada por dinheiro dado pelo grupo, a maioria de forma ilegal, para as campanhas políticas, principalmente do PT. A dúvida é: valeu a pena?

Joesley Batista costumava dizer que sem ele e o irmão Wesley no comando as empresas da holding J&F entrariam em crise. Não foi o que aconteceu. O mercado viu com bons olhos o resultado trimestral. O grupo vendeu alguns ativos, como Alpargatas e Eldorado, para fazer caixa, e se focou no negócio principal, tentando superar a crise que a atingiu a partir do momento em que os irmãos Joesley e Wesley e outros executivos do grupo fizeram suas delações.

O economista Rafael Passos, da Guide Investimentos, confirma essa avaliação positiva do mercado sobre a empresa neste começo de ano, em grande parte porque o grupo tem se beneficiado das operações nos Estados Unidos, de onde vêm 80% da sua receita.

— A gestão do grupo foi na direção correta após a crise. Eles venderam ativos, concentraram no setor de carne, fizeram caixa e conseguiram manter aberta as portas dos bancos — diz, ressaltando que a alavancagem (dívida) caiu de 4,2 vezes o fluxo de caixa para 3,2, um valor aceitável pelo mercado financeiro.

A grande questão quando se analisam os dados do grupo JBS é a dúvida: qual foi o custo-benefício da corrupção? A série estatística da receita do grupo mostra um estonteante crescimento exatamente nos anos em que o Brasil foi governo pelo PT. Joesley passou a ter acesso direto aos governantes e aos recursos do BNDES. Em 2004, as receitas foram de R$ 3,5 bilhões, em 2016 haviam saltado para R$ 163 bilhões, multiplicando-se por 46. Já era um grupo grande e bem sucedido, mas virou um gigante mundial graças ao dinheiro público.

Esse salto foi conseguido com a compra de ativos no exterior e no Brasil. Pelos dados oficiais do BNDES, somente entre 2007 e 2011 foram R$ 8,1 bilhões investidos no grupo principalmente através de debêntures. Para se ter uma ideia de como funcionava: a compra da Pilgrim’s Pride, um dos maiores produtores de frango dos Estados Unidos, foi integralmente realizada com o dinheiro do banco. Do total do capital necessário, 99,9% foram fornecidos pelo banco na modalidade de debêntures conversíveis em ação. Houve outras operações para compra de outros ativos. O TCU e a Polícia Federal já mostraram irregularidades em algumas delas. Além disso, o banco favoreceu e financiou a concentração do setor dentro do Brasil, como no caso da compra da Bertin, onde o BNDES acabara de pôr R$ 2,5 bilhões em empréstimo.

A empresa cresceria de qualquer maneira, mas com o acesso aos fundos públicos foi muito mais rápido. A construção da empresa de celulose Eldorado recebeu também recursos do FI-FGTS, exatamente daquelas operações que estão sendo investigadas por terem sido facilitadas por Cleto Falcão e Lúcio Funaro.

Segundo levantamento feito para a coluna pela Economática, hoje o grupo tem R$ 8,8 bilhões a menos de valor de mercado. Era R$ 34,4 bilhões em 2015 e hoje é R$ 25,6 bilhões, mas, em compensação, reduziu o endividamento.

Nesta semana, Joesley virou réu numa das ações contra ele, o que derruba o que ele tentou, quando fez a delação, que era ficar inimputável. Se desse certo, o balanço do custo-benefício da corrupção seria totalmente favorável. Ele não teria custos e ficaria com o enorme benefício de ter se tornado um player global com faturamento em dólar. Antes de fazer a delação, o grupo tentou transferir a sede para a Irlanda. O BNDES, na gestão de Maria Silvia, impediu. Se ele tivesse conseguido seria o crime perfeito. Teria crescido com a ajuda do Estado, através da sociedade com o BNDES, depois transferiria seus negócios e sede fiscal para fora. Aí negociaria a delação pedindo para não ser responsabilizado criminalmente por nada.

A empresa é grande, fatura em dólar, tem conseguido superar a crise vendendo ativos, alguns financiados pelo Estado, mas seus donos já estiveram presos e enfrentam a Justiça. Ela teria crescido sem corrupção. A ganância foi maior do que o medo.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)

 

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