As duas casas tomaram decisões polêmicas em momento festivo no país. Segunda Turma da Corte liberta ao menos três condenados pela Lava Jato e isola Fachin
Por Afosno Benites, do El País
Enquanto boa parte da população está de olho na Copa do Mundo, o Supremo Tribunal Federal e a Câmara dos Deputados tomaram decisões importantes. O Judiciário atuou como o carcereiro que abre a porta da prisão para diversos condenados – até o ex-deputado Eduardo Cunha recebeu habeas corpus, ainda que não tenha ficado em liberdade -, num movimento que enfraqueceu a Operação Lava Jato e expôs mais ainda a guerra aberta no Supremo. Já o Legislativo trabalhou sob o forte lobby da bancada ruralista. Listamos algumas dessas decisões importantes que podem ter passado despercebidas.
Na terça-feira, a segunda turma do STF decidiu, por 3 votos a 1, soltar o ex-ministro José Dirceu, um dos caciques do Partido dos Trabalhadores. Mesmo condenado em segunda instância a 30 anos e nove meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, a trinca formada por Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski entendeu que ele não precisava começar o cumprimento de sua pena. Os três contrariaram a decisão do próprio Supremo que disse que um condenado por um colegiado pode iniciar o cumprimento da pena.
O caso de Dirceu provocou análises de correlação com o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está preso em Curitiba há 81 dias. Assim como Dirceu, Lula foi condenado em segunda instância. Sua pena é de 12 anos e 1 mês pelos delitos de corrupção e lavagem de dinheiro. Seus advogados agora tentarão replicar o entendimento para ele. A diferença entre os dois casos é que o relator do caso do ex-ministro é Dias Toffoli, um ex-petista que já foi subordinado ao próprio Dirceu. No caso de Lula, o relator é Edson Fachin, responsável pela Lava Jato no STF e que tem sido duro em suas decisões, em divergência com a trinca “garantista” da segunda turma. O mais importante, contudo, é o foro onde os julgamentos dos dois petista ocorrem. No caso do ex-ministro, foi na segunda turma, uma subdivisão onde a postura de liberar os condenados tem sido comum e há apenas cinco ministros. No do ex-presidente, o colegiado é o plenário, composto por 11 ministros em que a maioria tem se mostrado favorável à prisão após segunda instância. Ainda não há data para o plenário analisar o caso de Lula. Mas em julho, ou seja, na próxima semana, o tribunal entra em recesso. Dessa maneira, apenas em agosto haveria um dia disponível para o julgamento
Ainda na seara contra a Lava Jato, os mesmos magistrados do Supremo tomaram três decisões contrárias aos seus colegas de primeira ou segunda instâncias. Pelo mesmo placar (3 a 1) os ministros da segunda turma tiraram da prisão o ex-tesoureiro do Partido Progressista João Cláudio Genu e confirmaram uma liminar concedida por Gilmar Mendes ao operador dos senadores do MDB nos esquemas ilícitos, Milton Lyra.
A tríade Gilmar/Toffoli/Lewandovski também invalidou as provas que foram obtidas no apartamento da senadora Gleisi Hoffmann – na semana passada já a haviam inocentado em um processo de corrupção e lavagem de dinheiro. Agora, eles entenderam que um juiz de primeiro grau não poderia emitir tal mandado de busca e apreensão na residência de uma parlamentar federal, que possui prerrogativa de foro. Neste caso, o alvo da busca e apreensão era o marido de Hoffmann, o ex-ministro Paulo Bernardo, que não tem foro privilegiado. Ainda assim, as provas não foram reconhecidas. A guerra de poder e de nervos dentro do Supremo entra em pausa por causa do recesso, mas volta com tudo em agosto. Devem ser semanas movimentadas até que a configuração da corte mude, com saída de Cármen Lúcia da presidência e a modificação da composição das turmas.
‘Habeas corpus’ para Cunha, que, porém, permanece preso
O ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) obteve uma pequena vitória no Supremo Tribunal Federal. Alvo de quatro decretos de prisão, ele conseguiu anular um deles, em um processo que responde na Justiça Federal do Rio Grande do Norte. Nesta quinta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello emitiu alvará de soltura em um processo que Cunha responde em Natal (RN). Porém, há outros três mandados de prisão contra ele. Seno que dois deles se referem a condenações na Justiça Federal do Paraná e do Distrito Federal. Ao todo, o ex-deputado que impulsionou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT) já foi condenado a 39 anos de prisão por crimes como lavagem de dinheiro, corrupção, evasão de divisas e violação de sigilo funcional.
Máfia da merenda e voos fantasmas
A Segunda Turma ainda suspendeu uma ação judicial contra o deputado estadual Fernando Capez (PSDB-SP), no qual era suspeito de participar do desvio de recursos destinados à compra de merendas para escolas públicas. A denúncia contra Capez ocorreu pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. O caso ficou conhecido como Máfia da Merenda. O deputado é suspeito de receber propina de uma cooperativa de suco de laranjas para interferir a favor dela junto ao governo estadual. Em troca, teria recebido recursos para bancar sua campanha eleitoral.
Os ministros também rejeitaram uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o deputado federal Thiago Peixoto (PSD-GO). A acusação era de que ele tinha fraudado sua declaração de campanha eleitoral. Ele apresentou uma doação de 30.000 reais em voos que teriam sido doados por uma pessoa que já havia vendido a aeronave no período em que Peixoto alegava ter voado. Os ministros entenderam que não houve crime, apenas uma falha na declaração que não era passível de punição.
Pacote de venenos
Na Câmara dos Deputados, os parlamentares aprovaram em uma comissão especial mudanças na lei dos agrotóxicos. O projeto, batizado por ONGs ambientalistas de “pacote de veneno”, foi aprovado na segunda-feira em meio ao forte lobby da bancada ruralista e da indústria química. Prevê, principalmente, a facilitação na liberação de agrotóxicos e enfraquece os mecanismos de controle e vigilância adotados pelos ministérios da Saúde e do Meio Ambiente.
A aprovação na comissão foi por 18 votos a favor e 9 contrários. O projeto ainda será levado ao plenário da Câmara. Não há data para essas votações. Caso se torne lei, enfrentará também a oposição do Ministério Público Federal, que, em uma nota técnica, apontou que a proposta é inconstitucional em pelo menos seis de seus artigos.
Pacote de bondades em SP
Na cidade de São Paulo, os vereadores aproveitaram os holofotes focados em outros assuntos para aprovarem uma série de benefícios aos servidores do Tribunal de Contas do Município que totalizam um custo de 16 milhões de reais anuais aos cofres públicos. Entre os benefícios, há o pagamento de auxílio-saúde (de até 1.079 reais por mês) e de auxílio-alimentação (de até 573 reais mensais). Os benefícios vão na contramão de um movimento que defende a redução dos gastos com funcionalismo público pelo país.