O Congresso não vota medidas de ajuste de despesas e ainda aumenta os gastos. A Câmara aprovou um pacote de bondades para o transporte de carga com oito diferentes tipos de renúncia fiscal. O Senado aprovou o regime de urgência para o projeto que mantém benefícios para o setor de bebidas. As duas Casas decidiram que o Tesouro terá que financiar o pagamento de precatórios de estados e municípios.
Basta acompanhar a marcha da insensatez. Diariamente o Congresso faz uma despesa nova e manda para o Executivo, como se os cofres públicos não tivessem limites. O Judiciário também faz das suas, quando dá sentenças que oneram estatais ou governo. Ontem, aqui neste jornal, o jornalista Ascânio Seleme contou a decisão do TST que manda o Serpro pagar R$ 20 milhões a 10 funcionários. A Petrobras também sofreu uma derrota histórica na maior ação trabalhista já vista no país. Terá que pagar aos seus funcionários R$ 17 bilhões por um acordo feito na época do governo Lula.
É exatamente desta forma que se destrói a estabilidade e se contrata uma nova onda de inflação e crise. A inflação descontrolada parece improvável diante de taxas tão baixas. A divulgada ontem, do IPCA-15, é um ponto fora da curva. Ela voltará a cair. O problema, como sabem os economistas, é que um rombo fiscal deste tamanho, uma dívida com esta trajetória, e decisões amalucadas podem desembocar numa crise de insolvência ou inflação, ou ambas.
O governo errou quando concedeu subsídio ao diesel. Amedrontado com a greve, cedeu. Para não desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal, cortou alguns benefícios, como forma de compensar. O Congresso quer restabelecer os benefícios retirados e aumentar as vantagens concedidas ao setor transportador. Na quarta-feira, o Senado aprovou o regime de urgência para o projeto que desfaz o corte do governo nos incentivos fiscais concedidos à indústria de bebidas de Manaus. Só dois senadores votaram contra essa urgência, Ana Amélia Lemos e Lasier Martins, do Rio Grande do Sul. E por que tanta pressa? Difícil entender os lobbies porque 80% da renúncia fiscal serão para a Coca-Cola e Ambev. Faz sentido subsidiar essas duas empresas?
No mesmo dia, enquanto no Senado se preparava essa bebida difícil de engolir, a Câmara pavimentava as estradas das transportadoras. As empresas poderão dizer que valeu mesmo a pena fazer a greve. Os empresários não foram punidos pelo locaute e serão agora recompensados. O projeto estabelece inúmeras vantagens como a isenção total de IPI, Pis/Cofins para toda a compra de caminhões e equipamentos novos pelo setor. Além disso, poderão abater no Imposto de Renda os gastos com pedágio, o que significa que a sociedade pagará o pedágio, na prática. As multas por evasão de fiscalização rodoviária serão transformadas em advertência. Eles querem também anistia para as multas concedidas durante a greve. O relator desse caminhão da alegria foi — vejam vocês — um dono de transportadora com 120 caminhões: o deputado Nelson Marquezelli. O mesmo que durante a paralisação gravou um vídeo chamando os caminhoneiros de heróis e prometendo que em 15 dias aprovaria benefícios para o setor. Foi em 20 dias. O governo nem pode dizer que é vítima porque mandou sua base votar a favor, com medo de nova greve dos “caminhoneiros”.
Na terça-feira, o jornal “Valor” trouxe reportagem dos jornalistas Ribamar Oliveira e Cristiano Romero informando que, ao aprovar a Emenda 99, o Congresso embutiu um dispositivo que determina que o Tesouro financie com juros baixos os estados e municípios no pagamento de precatórios. As dívidas não pagas por estados e municípios estavam em 2012 em R$ 94 bilhões. A emenda tratava do aumento do uso dos depósitos judiciais para pagar os precatórios, mas o Congresso usa qualquer projeto para colocar os seus jabutis.
A ideia de que a União é uma terra de ninguém que tem um cofre inesgotável resiste contra todas as provas em contrário. As mais estranhas alianças se formam no Congresso quando é para tirar dinheiro do Estado. Se o projeto é aprofundar a crise fiscal, os parlamentares estão indo bem. É exatamente assim, criando despesas, distribuindo benefícios fiscais, rejeitando ajustes, que se destrói uma economia.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)