Merval Pereira: Causa e efeito

A recente pesquisa do Datafolha que registrou um aparente desencontro entre expectativas e desejos da população em relação à greve dos caminhoneiros confirma uma velha tese do economista Luiz Guilherme Schymura, do Ibre da Fundação Getulio Vargas no Rio. Enquanto 87% dos pesquisados apoiaram a greve, outros 81% mostraram-se contrários a pagar os custos das reivindicações através de mais impostos.
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A recente pesquisa do Datafolha que registrou um aparente desencontro entre expectativas e desejos da população em relação à greve dos caminhoneiros confirma uma velha tese do economista Luiz Guilherme Schymura, do Ibre da Fundação Getulio Vargas no Rio. Enquanto 87% dos pesquisados apoiaram a greve, outros 81% mostraram-se contrários a pagar os custos das reivindicações através de mais impostos.

Para Schymura, é a sociedade brasileira, através de seus representantes no Congresso, que escolheu esse modelo, que produz o aumento anual da dívida bruta do setor público e cria benesses e benefícios para grupos e segmentos sociais. A dívida do setor público consolidado, que inclui a União, os estados e os municípios, pode terminar este ano de 2018 em 79,8% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo estimativa do Banco Central.

A noção de causa e efeito parece estar ausente das manifestações da sociedade, que, neste caso dos caminhoneiros, mesmo sendo prejudicada pelo desabastecimento e a falta de combustíveis nos postos, apoiou o movimento em grande escala, como mostrou pesquisa do Datafolha, ou dividiu-se, como mostra outra pesquisa do Instituto Ideia Big Data, no que parece ser reflexo de um sentimento difuso de insatisfação da população com o governo Temer.

Segundo Luiz Guilherme Schymura, a partir de 2014 a trajetória da dívida cresceu de 53% para 73% do PIB em 2017, e os gastos da União crescem nos últimos 20 anos a uma média de 6% ao ano. Mesmo com o teto de gastos aprovado pelo governo, se não forem feitas as reformas estruturais necessárias, como a da Previdência, o gasto subirá 3,4% ao ano.

O economista da FGV-Rio considera que atribuir à Constituição cidadã de 1988 toda a culpa por essa situação é exagerado, embora ela tenha criado benesses e novos direitos, sem definir de onde eles sairiam. Ele cita algumas das decisões governamentais que foram além do que a Constituição mandava, como a valorização do salário mínimo acima da inflação, que gerou um crescimento de 2,4 pontos percentuais do PIB nos gastos do governo entre 1988 e 2016.

Pressões políticas levaram também a reajustes dos benefícios previdenciários superiores ao salário mínimo. Outras medidas adotadas depois da Constituição de 1988 elevaram os gastos públicos, entre tantas: Lei Kandir, Bolsa Escola/Bolsa Família, Fundeb, Minha Casa Minha Vida, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Fundo de Financiamento Estudantil (Fies).

Schymura cita uma pesquisa exaustiva feita com parlamentares que mostrou claramente que o aumento de gastos é a solução preferida pelos políticos para resolver os problemas, não havendo por parte deles, nem da sociedade como um todo, a ideia de abrir mão de direitos ou expectativas de direito para melhorar as contas públicas.

Lição da greve
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Brito é um otimista, mesmo nas situações mais delicadas. Ele acredita piamente que todas as soluções dos problemas brasileiros podem ser encontradas na Constituição em vigor.

Refletindo sobre as consequências da greve dos caminhoneiros e os arroubos totalitários da minoria que pediu intervenção militar, Ayres Brito definiu assim a situação: “A lição que fica de todo esse imbróglio: a democracia é tão boa que não tem como bater em retirada por conta própria. Ela se proíbe qualquer alternativa de substituição. Sua autodoutrinação é a do ‘pegar ou pegar’, porque o contrário dela é a barbárie.

Logo, não tem como dispor sobre o seu próprio funeral. Não se permite jamais fazer testamento ou disposições de última vontade. Seus neurônios são absolutamente inaptos para a ideia, embrionária que seja, de cavar a própria sepultura. Façamo-nos dignos dela”.

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