Há um apelo para que elites se juntem em torno de um projeto. Mas, que elites?
Sempre um hábil piadista, consta que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso encontrou-se recentemente com um arcebispo brasileiro em jantar. “Seu nome eu conheço bem”, teria dito o sociólogo ao prelado. “Mas não é curioso que a gente não se lembre do nome praticamente de mais nenhum bispo ou cardeal?” E acrescentou, enquanto a ironia ocupava o recinto: “Mas tem sido assim também com os generais, com os empresários – a gente não lembra de muitos deles”.
Fernando Henrique tem sido lembrado nos últimos dias como o autor do mais recente apelo para que grupos de liderança, especialmente políticos, se unam em torno de uma plataforma democrática e reformista – interpretada precipitadamente por alguns como “união do centro” quando, me parece, é muito mais abrangente. No fundo, é um apelo para que elites se juntem em torno de um projeto. Mas, que elites?
Na insuperável descrição de “elites brasileiras”, publicada aqui no Estado no último sábado por Bolívar Lamounier, o que temos não é nada remotamente parecido com o que os livros de sociologia designam como elites. “Temos, isso sim, corporações, grupos de interesse, setores aguerridamente engalfinhados, cada um querendo sua parte no erário”, escreveu Bolívar. Quando, em recentes tempos, houve algo parecido a uma união em torno de um projeto, boa parte dessas elites comprou o projeto do… PT.
Não estou falando das empreiteiras envolvidas na Lava Jato, nem dos tais “campeões nacionais” igualmente enrolados em propinodutos em troca de acesso a crédito barato e proteção de mercados. Refiro-me a vários exemplos de empresários que achavam que instalar um escritório de assessoramento de gestão no 3.º andar do Planalto ajudaria a dar um “choque administrativo” na coisa pública – sem perceber, ou fazendo de conta que não percebiam, que a máquina de aparelhamento montada pelo PT e seus associados (como o MDB) era, sobretudo, um formidável instrumento de assalto ao cofre público.
Para mencionar um item no centro do noticiário dos últimos dias, com a Venezuela não foi diferente: a entrada do embuste chavista no Mercosul por uma molecagem diplomática da qual o Brasil participou foi acolhida como positiva para os negócios. Talvez alguns que celebraram as “oportunidades” que Chávez sugeria em 2012 se lembrem desse entusiasmo agora que são vítimas de calotes. Por outro lado, entende-se que qualquer um que enfrente o cipoal tributário, regulatório, trabalhista e jurídico brasileiro acabe pensando se não é melhor empenhar-se em ser amigo do rei.
“Projeto nacional” é uma expressão associada ao último regime militar, que o entendia sobretudo como ocupação do espaço físico, crescimento econômico e projeção regional de poder. Se “leio” corretamente o que me parece que desponta em alguns grupos de liderança setoriais, sobretudo os mais jovens, “projeto nacional” hoje começa a ter uma acepção mais “cultural” e de grande amplitude, no sentido de se desenrolar uma narrativa política que se oponha ao exclusivismo (e vitimismo) de grupos apegados a políticas identitárias cegas a qualquer outro tema de maior abrangência.
No fundo, considerando o tamanho do desastre no qual nos enfiamos como consequência sobretudo da adesão a ideias profundamente equivocadas, compartilhadas também por “elites”, não posso excluir (é a minha esperança, na verdade) que da presente crise surja um “projeto” diferente e antagônico ao “modelo” do período do lulopetismo, mas não só dele. Para continuar na linha da piada do Fernando Henrique, seria um projeto em busca de elites.