O cenário externo mudou desde a última reunião do Copom, por isso fez sentido a decisão de antecipar o fim do ciclo de relaxamento monetário. Mas o risco cambial é mais fraco do que em outros momentos em que houve incerteza internacional. Se forem retirados da conta da dívida externa os débitos do governo, os empréstimos entre companhias e o passivo dos bancos cobertos com hedge, a dívida total cai de US$ 548 bilhões para US$ 80 bi.
A situação brasileira neste momento de turbulência internacional foi atenuada com a derrubada da inflação e dos juros nos últimos dois anos. O ajuste monetário feito no atual governo permitiu ao país chegar neste momento preparado para enfrentar o aumento da pressão cambial e inflacionária, com o índice de preços abaixo do piso da meta e uma Selic 775 pontos mais baixa. Isso é um feito.
O dólar mais alto impactará os preços em geral, mas o país passará por este ponto da crise em situação muito mais confortável. Se não tivessse feito o esforço de política econômica e monetária dos últimos dois anos, a situação agora seria bem delicada. Por isso é que a Argentina subiu os juros para o nível mais alto do mundo e o Brasil apenas antecipou o fim da queda das taxas.
O risco cambial existe, mas sua dimensão precisa ser entendida. A conta feita pelos economistas do mercado é a seguinte. A dívida total em dólar, pública e privada, é de US$ 548 bilhões e parece enorme. Mas apenas uma pequena parte, de US$ 76 bilhões, é dívida do governo e ele tem US$ 380 bilhões de reservas, o que quer dizer que ele é credor líquido. A maior parte da conta em dólares no Brasil é dívida intracompanhias, os negócios entre filiais e matrizes, que chega a US$ 235 bilhões. Em outras crises, parte desse dinheiro foi convertido em capital. Outros US$ 127 bi são de bancos, e eles têm hedge. Sobram US$ 110 bilhões, mas os US$ 30 bi de swaps oferecidos pelo Banco Central ajudam a cobrir uma parte. O resto é de US$ 80 bilhões, que se não tiver nenhum seguro pode ter um impacto patrimonial de R$ 44 bilhões com a elevação do dólar de R$ 3,10 para R$ 3,66.
— Mesmo assim, isso não necessariamente impactará o fluxo porque depende do vencimento de cada dívida — explica o economista-chefe do Bradesco Fernando Honorato Barbosa.
O risco real que o país passa neste momento é dado pela extrema fragilidade da questão fiscal. O Brasil está no quinto ano de déficit primário e com dificuldade para fechar o orçamento do sexto ano. Será um novo déficit, mas há bombas novas, como a da dívida rural. Os ruralistas, que pertencem à base do governo Temer, aprovaram para si mesmos um perdão que tem custo fiscal de R$ 17 bilhões. O governo por estar fraco viu sua própria base derrubar os vetos presidenciais às modificações do Refis.
Dado que temos esse enorme calcanhar de Aquiles fiscal, a incerteza eleitoral aumenta a vulnerabilidade. Não se tem uma resposta para a dúvida sobre as propostas dos candidatos para enfrentar esse problema. Por isso a cada pesquisa pode haver esse temor, que apareceu nos últimos dias, de que o próximo governo não se prepare de forma adequada para superar o nó fiscal.
Outro ponto de fragilidade da conjuntura é o ritmo da atividade. Ontem o Banco Central divulgou mais um dado ruim. O IBC-Br de março registrou uma queda de 0,74%. O mercado esperava redução de 0,3%. Todos os números do primeiro trimestre foram piores do que os projetados, e por isso o PIB deve ficar em magros 0,3%, segundo cálculo dos economistas.
Em resumo: atividade fraca e déficit público deixam o Brasil debilitado para enfrentar a crise externa. Porém, a inflação e os juros baixos foram pontos que melhoraram nos últimos dois anos e fortalecem o país. Na área cambial o Brasil tomará os sustos de sempre ao longo do ano com a oscilação da moeda americana, mas não corre os riscos que correu no passado. Em 2002, o país não tinha reservas para enfrentar a crise de confiança; em 2008 o BNDES socorreu empresas como Sadia e Aracruz, que estavam com grande exposição cambial. Desta vez, o Banco Central interrompeu a queda dos juros e vai atuar no mercado para evitar excessos de volatilidade.
(COM MARCELO LOUREIRO)