Luiz Carlos Azedo: Pintados para a guerra

A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado.
Foto: Lula Marques/AGPT
Foto: Lula Marques/AGPT

A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado

O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Lava-Jato, determinou a investigação dos repasses milionários de recursos da J&F para políticos do MDB, principalmente do Norte e Nordeste, na eleição de 2014, ou seja, na reeleição da presidente Dilma Rousseff, irrigando com recursos financeiros seus palanques regionais. São os mesmos políticos “golpistas” que depois apoiaram o impeachment da petista, mas já se reaproximaram do PT nas coligações regionais dos seus respectivos estados. Os repasses somam mais de R$ 40 milhões.

Segundo a procuradora-geral, Raquel Dodge, as investigações serão feitas com base nas delações premiadas do ex-senador Sérgio Machado, que presidiu a Transpetro, e de Ricardo Saud, ex-executivo da J&F, e miram os senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE), Vital do Rêgo (PB), hoje ministro do Tribunal de Contas da União, Eduardo Braga (AM), Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO), Dario Bergher (SC) e Roberto Requião (PR). Também serão investigados o ex-ministro da Integração Helder Barbalho (PA), o ex-ministro do Turismo Henrique Alves (RN) e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que teria determinado os repasses da J&F, a pedido do PT.

A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado, hoje presidido pelo senador Eunício Oliveira. A Casa é um bunker para a legenda, cujo poder no Norte e Nordeste do país deriva muito dessa posição de força em relação ao Executivo, qualquer que seja o presidente da República. Nem mesmo o presidente Michel Temer tem ascendência sobre esse grupo de senadores, que é muito unido. A abertura do inquérito, às vésperas de uma eleição em que os envolvidos disputam a recondução ao Senado ou pretendem concorrer aos governos locais, fragiliza-os eleitoralmente e deve provocar alguma reação política contra o ministério Público Federal (MPF), em linha com a Câmara.

A mais provável retaliação será a tentativa de acabar com o foro privilegiado para juízes e procuradores, restringindo-o aos presidentes dos três poderes da República. Já existe uma articulação para isso na Câmara, que deve ganhar força com o engajamento dos senadores do MDB. Eles influenciam outras bancadas e, também, os deputados federais a eles ligados. A legenda funciona como uma federação de caciques regionais, que operam com maestria a política nos estados. A Lava-Jato é outro alvo desses senadores, que já tentaram inclusive retirar as garantias constitucionais que protegem os juízes em relação às suas sentenças. São todos políticos muito experientes, com grande capacidade de articulação e sobreviventes de várias crises políticas nacionais. Destacam-se, nesse aspecto, Renan Calheiros e Jader Barbalho, que já presidiram o Senado, e Romero Jucá, atual presidente da legenda, que foi líder dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Hoje, é o líder do governo Temer.

Lava-Jato

Há duas polêmicas envolvidas neste caso. A primeira é sobre o foro adequado, já que, no último dia 3, o Supremo decidiu que deputados federais e senadores só terão direito ao foro privilegiado em casos de crimes cometidos durante o mandato e em função da atividade parlamentar. Nesse caso, o Ministério Público argumenta que “há razão suficiente para, neste momento, reconhecer que os fatos ocorridos denotam especial interligação nas condutas atribuídas a parlamentares federais e aos demais envolvidos”. A segunda tem a ver com o fato de que as doações da J&F nas eleições de 2014 precisam ser caracterizadas, pelas investigações, como “solicitações de vantagens indevidas pelos agentes políticos, antes de serem definitivamente entregues, dependiam de prévios interlóquios entre o ex-executivo Joesley Batista e Guido Mantega, ministro da Fazenda à época dos fatos”.

Esses temas vão gerar grandes polêmicas no Supremo Tribunal Federal. De certa forma, o fim das doações privadas de pessoas jurídicas, determinada pela Corte, passou uma régua nesse assunto, mas o passado não pode ser revogado e a linha divisória entre doações legais e lavagem de dinheiro de propina pelos partidos ainda não foi traçada. Há depoimentos de testemunhas, delações premiadas e o fluxo financeiro das transações investigadas, mas a interpretação do Ministério Público Federal precisa ser aceita pelo Supremo, a quem caberá separar o joio do trigo. Ou seja, haverá uma longa batalha jurídica. No plano eleitoral, porém, o desastre é imediato, pois a Polícia Federal terá 60 dias para concluir as investigações e isso significa uma agenda muito negativa às vésperas das eleições.

Não é à toa que os caciques do MDB estão pintados para a guerra. As declarações dos principais investigados dão bem o tom da reação, na qual todos têm uma tribuna livre no Senado para se defender, a começar pelo presidente da Casa: “A narrativa dos delatores é falsa e caluniosa”, disse Eunício Oliveira, que negou ter recebido doações eleitorais de Sérgio Machado, “seu adversário político histórico”, ou do Partido dos Trabalhadores. Jader Barbalho chutou o balde: “Desafio esse marginal internacional, dono da JBS, a provar, de qualquer forma, que eu recebi algum dinheiro dele, por doação oficial ou não”. Todos argumentam que receberam doações legais, devidamente declaradas à Justiça Eleitoral.

Nas entrelinhas: Pintados para a guerra

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