FAP Entrevista: Maria Amélia Enríquez

Economista destaca os avanços ocorridos no Brasil em relação aos direitos das mulheres, mas ressalta que ainda estamos distantes do padrão dos países escandinavos.
Foto: Carlos Sodré/Agência Pará/01.10.14
Foto: Carlos Sodré/Agência Pará/01.10.14

Economista destaca os avanços ocorridos no Brasil em relação aos direitos das mulheres, mas ressalta que ainda estamos distantes do padrão dos países escandinavos

Por Germano Martiniano

A entrevistada desta semana da série FAP Entrevista é a economista Maria Amélia Rodrigues da Silva Enriquez. PhD em desenvolvimento sustentável pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), professora e pesquisadora da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará e ex-presidente e atual Conselheira Fiscal da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO), Maria Amélia já publicou cerca de 70 artigos em periódicos, capítulos de livro e jornais nacionais e internacionais. É autora do livro “Mineração: maldição ou dádiva? O dilema do desenvolvimento das regiões de base mineral (2007)”, que tem servido com referência para o debate sobre a temática da mineração e desenvolvimento local, em todo o Brasil. A entrevista faz parte de uma série que a FAP está publicando, aos domingos, com intelectuais e personalidades políticas de todo o Brasil, com o objetivo de ampliar o debate em torno do principal tema deste ano: as eleições.

Neste Dia das Mães, a economista respondeu para a FAP importantes questões sobre o papel da mulher na sociedade brasileira. “O Brasil evoluiu bastante em termos de direito das mulheres, principalmente quando comparamos com o cenário internacional, no caso, com os países asiáticos, africanos e o oriente médio. Porém, estamos longe do padrão dos países escandinavos”, analisa Maria Amélia Enríquez.

Maria Amélia Enríquez também conversou com a FAP sobre o tema da sustentabilidade, no qual é especialista. Na entrevista, a economista ressalta o fato dessa questão ser colocada à margem das principais questões da atualidade brasileira. “Existe uma visão de curto prazo que predomina em nossa política, tanto na pública quanto na privada, pois, de fato, todos ganham quando os princípios da sustentabilidade são respeitados”, avalia.  A economista acredita que as mudanças só devem ocorrer com mais investimentos em educação. “Isto apenas será possível se o tema educação virar uma prioridade nacional”, acredita. “A curto prazo, deve-se promover campanhas para erradicação do analfabetismo, pois ainda temos milhões de brasileiros iletrados, e também para o aumento da escolaridade de jovens”, avalia.

Confira a seguir, os principais trechos da entrevista de Maria Amélia Enríquez à FAP:

FAP – Hoje, Dia das Mães, como foi possível conciliar todas suas tarefas profissionais, domésticas e ainda ser mãe?
Maria Amélia Enríquez  – Desafiador, mas eu seria incompleta se tivesse sido diferente e só tem sido possível por causa do grande apoio que tenho recebido. Primeiramente do meu marido, que sempre me incentivou a seguir na profissão. Logicamente que isto significa compartilhar comigo as responsabilidades com as crianças, mas como ele também é um profissional, a ajuda da avó (minha mãe, a quem sou infinitamente grata), principalmente nas minhas ausências, me deu uma tranquilidade enorme para poder trabalhar em paz. Mas os filhos necessitam da presença da mãe, e daí temos que aprender a ‘tocar, simultaneamente, vários instrumentos’. Lembro-me de minha filha mais nova, quando me via ficar por horas trabalhando na tese, sentava na minha perna e dizia “mãe, troca o computador por um colinho”… aí não dá pra resistir. É muito importante ter um tempo de qualidade com os filhos, principalmente, quando são crianças, pois é na convivência que compartilhamos visão de mundo e de valores. Mas quando crescem, a presença atenta não deve ser menor. Daí sempre estarmos envolvidas em um grande dilema: de dar maior atenção aos filhos e ao lar e de focar no trabalho que nos exige tanto, mas que também nos realiza e dá grande prazer. Há que buscar equilibrar e distribuir a energia adequadamente, conforme o momento requeira.

A sociedade brasileira sempre carregou as marcas do paternalismo. Como a senhora avalia este quadro atualmente?
A sociedade brasileira evoluiu bastante em termos de direito das mulheres, principalmente, quando comparamos com o cenário internacional, no caso dos países asiáticos, africanos e o oriente médio, porém estamos longe do padrão dos países escandinavos, por exemplo. Nós, mulheres, somos a maioria da população brasileira (51,6%), estamos elevando significativamente nosso nível de escolaridade (há mais mulheres que homens com ensino superior completo ), mas ganhamos menos (em média, 75% do que os homens ganham); temos pouca expressão política (na Câmara, a representação feminina é de apenas 45 deputadas contra 468 homens e, no Senado, de apenas 11 de um total de 81 senadores, muito aquém da cota mínima estabelecida por lei de 30%). Muito embora esteja comprovado que as mulheres são grandes gestoras, os cargos de alto escalão, públicos ou privados, são predominantemente masculinos. Já assisti (envergonhada) eventos políticos em que a mesa de abertura era composta exclusivamente por mais de vinte homens, quando havia a opção de compartilhar com mulheres igualmente gabaritadas. Sem contar que a mulher ainda é vítima de feminicídio e de violências de toda ordem. Além dessa flagrante desigualdade de gênero, no Brasil, ela é muito mais grave quando esta se alia à diferença racial. A situação das mulheres negras é bem pior do que a das mulheres brancas. Sem dúvidas esse quadro é fruto de nossa herança patriarcal e escravocrata que ainda precisamos superar. É preciso ampliar nossa consciência coletiva sobre esta questão, a fim de que nós mulheres possamos ter mais protagonismo e, por conseguinte, colocar nossa prática em prol da edificação de país mais justo, seguro, bonito e feliz.

Alguns meses atrás, feministas francesas, lideradas pela atriz Catherine Deneuve, criticaram o movimento norte americano #MeToo, uma campanha contra o machismo e o assédio sexual, principalmente, em Hollywood. Segundo as francesas havia certo “puritanismo sexual” no movimento americano e que também colocava a mulher como um ser frágil, indefeso e sempre vítima da sociedade. Qual sua opinião?
O movimento #MeToo tem uma bandeira clara – o assedio sexual, que ficou muito em evidência após os escândalos de celebridades do mundo artístico e esportivo dos Estados Unidos. Não é preciso sofrer este tipo de violência para saber que ela marca para sempre a vida, gerando traumas profundos, o que impossibilita usufruir de uma vida plena. Portanto, não se pode menosprezar este tipo de dor. Creio que a atriz Catherine Deneuve não foi muito feliz em minimizar o problema. Uma coisa é um flerte insistente. Outra é uma pressão emocional e física. Há casos, inclusive, de suicídio, de jovens que não tem resiliência par suportar o assédio.

Quais são as mudanças que devem haver na sociedade brasileira para que as mulheres possam ter direitos realmente iguais? E como fazer para as mulheres ocuparem mais cargos políticos?
A principal mudança a ser feita é a cultural, principalmente, na mente de homens e também de mulheres, que tem perpetuado a cultura machista explícita ou implicitamente. Todavia, isso requer mudanças profundas que, necessariamente, só amadurecem no longo prazo, muito embora devam começar já. Mas, enquanto esta mudança não se materializa, é importante adotar mecanismos concretos que indiquem à sociedade qual o rumo deve tomar, por exemplo, a exigência do cumprimento e, inclusive, de expansão das cotas na política (chapa, cadeiras, fundo partidário, fundo eleitoral). É também importante conscientizar às empresas privadas sobre a importância de ampliarem a participação das mulheres em seus quadros também.

Elimar Nascimento, especialista em Desenvolvimento Sustentável, em entrevista à FAP disse que o tema da sustentabilidade ainda tem pouca força no debate político perto de temas como segurança, saúde, educação, emprego, por exemplo. Por que isso acontece, mesmo sabendo da importância da discussão?
Por causa da visão de curto prazo que predomina em nossa política, tanto a pública quanto a privada, pois, de fato, todos ganham quando os princípios da sustentabilidade são respeitados. Todavia, no curto prazo, mudar o atual modelo predatório implica em custo e requer a imposição de limites para não exaurir os recursos ecossistêmicos. Para criar e implantar tecnologias e sistemas de gestão adequados, que minimizem os impactos ambientais, tem de haver investimento, o que significa que o financiamento disto deve sair de algum ganho pretérito, que, por seu turno, vai conflitar com algum interesse. Originalmente considerado como “bens livres”, os recurso naturais tem sido, por séculos, a base do modelo de crescimento brasileiro, o que tem gerado um histórico de degradação ambiental. Para alterar essa lógica é necessário impor algum tipo de limite, como, por exemplo, restringir a expansão de áreas de pastagem, proteger biomas, limitar a expansão do cultivo de grãos e, ainda, restringir a emissão de gases poluentes, etc. O que, da mesma forma, gera enormes conflitos de interesses. O desafio então é ampliar a consciência para a superação da visão de curto prazo, que apenas vê o ganho imediato e é míope em relação às perdas que a insustentabilidade gera. É preciso ressaltar os benefícios da sustentabilidade, pois não tem como haver crescimento e tampouco desenvolvimento econômico sem a preservação da base da vida.

A economia brasileira, historicamente, caracterizou-se pelo seu papel global de exportadora de commodities de baixo valor agregado, concentradora de rendas e que agride de modo intenso a natureza. Como mudar este quadro?
Como premissa é preciso que fique claro que depender exclusivamente da exportação de commodities não é uma estratégia inteligente de desenvolvimento, por vários motivos: 1) porque a dinâmica econômica está fora do controle da economia nacional – qualquer mudança tecnológica, dos mercados globais e da política internacional pode afetar preços e provocar profundas crises do dia para noite; 2) a única forma de inovar produzindo commodities é no processo e na redução de custo, o que não favorece a demanda interna por ciência e tecnologia e, por conseguinte, pela demanda de pessoal qualificado, de talentos, de mente inovadora; 3) há muitos custos sociais e ambientais que não estão embutidos no preço final da commodity, restando à economia nacional arcar com essas externalidade negativas (impactos sociais e ambientais) e, o pior, sem a contrapartida de receitas tributárias, já que o Brasil isenta de impostos a exportação de produtos básicos e semi-elaborados (as commodities). Fico impressionada de ver como há defensores fervorosos deste modelo, sob a argumentação de que o Brasil deve aproveitar suas vantagens comparativas, já que tem vocação para isto, e tais exportações são indispensáveis para as contas externas do país. Mais uma vez, essa é uma visão míope, de curto prazo, que está presa nas garras dos superávits comerciais, a qualquer custo.

O que precisa ser feito, então? Que estratégia deve ser priorizada?
Assim, primeiramente, é preciso ter vontade politica para induzir a diversificação para uma economia que, além de commodities, vise a produção de bens e serviços de maior valor agregado, já que, em todo o mundo, é isto que constitui a chave para um autêntico desenvolvimento econômico. É preciso deixar claro que o modelo de commodities somente é hegemônico porque é altamente subvencionado. Se igual tratamento tributário fosse concedido à produção de bens de valor agregado, certamente o quadro seria distinto. Desta forma, é necessário fortalecer uma nova economia sustentável e baseada em conhecimento, com maior valor agregado, inclusão social e renda. É preciso transitar a uma estratégia que perceba o potencial de desenvolvimento endógeno para ampliação das oportunidades por meio do incentivo ao potencial de crescimento local. É preciso reduzir os custos e a burocracia para quem produz, gera empregos e recolhe impostos no país e investir maciçamente em capital humano e no fomento ao empreendedorismo inovador.

Em relatório do seminário “Desenvolvimento Sustentável e Inclusão Social”, realizado pela FAP em Brasília, foi destacado o papel da educação como meio e fim para uma sociedade mais sustentável. No entanto, mudanças estruturais na educação brasileira levam tempo. Existem mudanças que podem ser feitas a curto prazo, que possam criar mais sustentabilidade e inclusão social?
Há exemplos louváveis de mudanças nas formas de gestão e nos métodos de ensino, em todos os níveis e escalas da educação. Há que se apoiar e evidenciar esses exemplos para que possam adquirir escala. Vários Estados criaram seus planos, uns avançaram mais e outros menos. Porém estamos muito longe de ter uma educação de qualidade, e também em quantidade, que o país tanto necessita. Isto apenas será possível se o tema Educação virar uma prioridade nacional. No curto prazo, deve-se promover campanhas para erradicação do analfabetismo, pois ainda temos milhões de brasileiros iletrados, e para o aumento da escolaridade de jovens. É inaceitável que dois terços dos brasileiros na faixa etária de 15 e 29 anos não estudam; 1,5 milhão são jovens de 15 a 17 anos que deveriam estar cursando o Ensino Médio, mas estão fora da escola. O que podemos esperar de nossa juventude, quando permitimos que mais de 10 milhões de jovens entre 14 a 29 anos fiquem numa situação de “nem-nem”, nem estudam, nem trabalham? Pare estes jovens é preciso programas específicos de formação, mas que também os qualifiquem rapidamente tanto para inserção no mercado de trabalho como para o empreendedorismo inovador.

Qual dos candidatos a presidente até agora apresenta, em sua plataforma política, propostas consistentes para a questão da sustentabilidade?
Há uma profusão de candidatos, tanto figuras já conhecidas da política, quanto pouco conhecidos. Creio que apenas no debate poderemos avaliar melhor. Lamento que meu candidato, o Senador Cristóvam Buarque (PPS-DF), não vá concorrer às eleições para presidência da República, pois considero que suas propostas são as mais coerentes e necessárias, principalmente, neste momento atual que o país atravessa. Todavia, além do compromisso com os valores democráticos, com a justiça social e com a luta incessante contra a corrupção, é importante que o futuro presidente tenha claro uma agenda mínima que o país requer: 1) seriedade no trato com as finanças públicas, a crise econômica recente foi uma demonstração cabal de que não se pode baixar a guarda nesta área. O desequilíbrio fiscal gera inflação, consome o poder de compra, inibe investimentos, resulta em aumento do desemprego e da desigualdade, pois contas desequilibradas geram insegurança sobre a capacidade de financiamento das políticas sociais; 2) prioridade com a educação de qualidade, em todos os níveis, de Norte a Sul, com monitoramento permanente, sistema de avaliações, premiações e punições para os casos de não cumprimento das metas; 3) compromisso com a sustentabilidade e com o avanço de uma economia assentada no conhecimento, que é a real fonte de riqueza de qualquer sociedade. Para isso tem de aumentar os recursos para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação, assim como promover maior aproximação da ciência com a produção e a gestão, além de 4) um sistema integrado de segurança pública que tenha o poder de minimizar a escalada da violência pela qual passa o país. É inconcebível que, entre 2005 a 2015, a vida de 318 mil jovens brasileiros tenha sido ceifada por assassinatos. Enfim, é preciso uma atitude ousada, mas franca e responsável, que possa mobilizar corações e mentes na edificação dos novos rumos que o pais deve seguir.

 

Privacy Preference Center