Monica de Bolle: Reformas truncadas

Tivessem Brasil e Argentina escapado de reformas truncadas, as perspectivas poderiam ser melhores.
Foto:  Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Tivessem Brasil e Argentina escapado de reformas truncadas, as perspectivas poderiam ser melhores

A história de reformas econômicas na América Latina não é auspiciosa. Invariavelmente, desde os anos 90 – para que não tenhamos de voltar muito ao passado – os países da região engataram reformas e as viram engasgar pouco tempo depois. Para tomar apenas os exemplos do Brasil e da Argentina, o vaivém das reformas é o grande fio em comum que os une. Os desafios nem sempre foram exatamente os mesmos desde a redemocratização dos dois países, mas arranque e engasgo jamais estiveram ausentes.

Talvez por isso tenhamos visto recentemente reações tão fortes dos mercados nos dois países apesar da sensação de que as duas economias estejam menos frágeis do que estavam há um par de anos. Diante da turbulência que acertou em cheio os países emergentes, com desvalorizações expressivas e quedas nas bolsas, o Banco Central da Argentina se viu na desagradável posição de ter de elevar os juros de 33,25% para 40% na semana passada. A ação veio após duas expressivas elevações anteriores – no fim de abril, a taxa de juros estava em 27,25%. Além da súbita contração monetária, o governo argentino também anunciou alteração na meta para o déficit fiscal, uma redução de 3,2% para 2,7% em 2018. Embora nada de tão dramático tenha ocorrido no Brasil, o País não escapou das fortes oscilações que andaram espantando investidores. Apesar das diferenças que caracterizam os dois países, a desconfiança exacerbada que os afetou recentemente tem relação inequívoca com o histórico de reformas truncadas.

O gradualismo do governo Macri e o imenso desafio de consertar os estragos do Kirchnerismo andavam surpreendentemente bem até o início de maio. A inflação permanece elevada, assim como o déficit externo, mas alguma consolidação fiscal havia sido alcançada e as projeções de crescimento mostravam otimismo com a retomada argentina.

De forma semelhante, até meados de abril, os mercados brasileiros mostravam-se razoavelmente satisfeitos com a recuperação econômica, além de esperançosos em relação à possibilidade de avançar em algumas áreas onde o Congresso, hoje em recesso branco, não fosse necessário. É verdade que o otimismo que predominara no fim de 2017 e no início de 2018, com vários renomados economistas acreditando que a economia andava de vento em popa, começara a se dissipar.

Contudo, nessas duas semanas de maio, a impressão que dá é que atravessamos o Rubicão. Na Argentina, há renovado temor de que Macri não seja capaz de levar a cabo as reformas de que o país tanto necessita, ainda que tenha tempo para fazê-lo até as eleições do ano que vem, e mesmo reconhecendo que, ao menos hoje, não há oposição para atrapalhar seus planos. No Brasil, surgiu o espectro que inevitavelmente apareceria em algum momento: o medo de que as reformas truncadas de Temer para consertar as contas públicas venham a complicar muito o quadro econômico do País, sobretudo com as crescentes incertezas políticas e a certeza de que caberá ao próximo governo tomar medidas duras para evitar uma nova crise. A ameaça das reformas truncadas está em ampla evidência nos países vizinhos.

Diversos fatores são responsáveis pelo ressurgimento da ameaça, mas o timing sugere que dentre todos os estopins, Trump tenha sido elemento fundamental. Afinal, foi em maio que os mercados começaram a se dar conta das possíveis repercussões globais do “Trumpismo” comercial. O imbróglio das sobretaxas de aço e alumínio já afetaram o Brasil e a Argentina, cujo preço para evitar as salgadas tarifas foi expor-se às cotas indigestas demandadas pelo governo americano.

Para além disso, as tensões entre EUA e China escalaram ante a constatação de que o governo chinês não tem a menor intenção de se curvar às vontades inaceitáveis de Trump – de que abandone seu plano de desenvolvimento industrial conhecido como Made in China 2025, de que reduza o superávit bilateral com os EUA no montante de US$ 200 bilhões, cifra que aumenta a cada instante. O embate entre as duas maiores economias do planeta e os dois maiores parceiros comerciais do Brasil e da Argentina nada trarão de positivo para esses países, apesar da possibilidade de alguns ganhos pontuais em setores específicos.

Tivessem Brasil e Argentina escapado do eterno ciclo de reformas truncadas que os caracteriza desde quase sempre, talvez as perspectivas fossem um pouco melhores. Mas a Argentina acaba de pedir socorro ao FMI…

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

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