O campo eleitoral costuma ser movimentado por ondas. Que circulam de cima para baixo e de baixo para cima, absorvendo climas, circunstâncias, discursos e canalizando esse conjunto de inputs na direção de potenciais perfis, principalmente candidatos a pleitos presidenciais. Em face da competitividade alcançada pela eleição deste ano, a atenção maior se volta para aqueles que pleiteiam o assento no Palácio do Planalto, razão porque figurantes estaduais, a poucos meses antes do pleito, não ganham tanta projeção quanto os protagonistas presidenciais.
As ondas ganham o empuxo do momento, empurrando para cima perfis que parecem responder às demandas imediatas da sociedade. As demandas, por sua vez, reúnem anseios, expectativas, frustrações do povo para com governantes e suas políticas, e contextos que levam em conta heranças do passado e esperanças do eleitor em relação ao futuro.
No caso do Brasil, a leitura do momento exibe um país que afundou na maior recessão econômica da história; a ascensão de um novo governante sob a decisão congressual de afastar a presidente; reformas – teto de gastos, trabalho, educação, terceirização etc- não suficientemente explicadas e entendidas pela sociedade; o maior processo de investigação da corrupção em todos os tempos, com envolvimento de altos empresários, políticos e governantes; prisão do líder mais populista do país; tentativa de um partido de tornar vítima seu líder maior e, dessa forma, retornar ao centro do poder, depois de 13 anos de comando do país; indignação social contra a classe política; volta de uma polarização do discurso que tem como lema “nós e eles”; dispersão do campo político; situação falimentar de Estados e Municípios; extrema violência que assola os quatro cantos do país; e precarização dos serviços públicos.
Essa é a moldura que está por trás dos agentes que se apresentam como pré-candidatos em outubro próximo à Presidência da República. Sob a influência de alguns traços do cenário, o eleitor faz suas primeiras escolhas. De um lado, um partido organizado, com militância aguerrida, que proclama todo tempo ter sido responsável pelo “melhor governo que o Brasil já teve em todos os tempos”, sem abrir ouvidos ao maior rombo do Tesouro por eles provocado no governo da presidente impichada. O “Salvador da Pátria”, mesmo preso, continua sendo elevado aos píncaros da glória, graças ao carisma que ainda detém. O que explica a margem histórica de 30% que lhe dão pesquisas de intenção de voto. De outro lado, emerge a figura que faz o papel de contraponto, um perfil de extrema direita, ex-militar que sustenta o discurso da ordem contra a bagunça, sob os lemas de “bandido bom é bandido morto”, “soldado bom é aquele que mata”.
Jair Bolsonaro, pois, é empurrado para o alto pela temperatura ambiental, enquanto Luiz Inácio está, como esteve antes, sendo impulsionado pela onda petista, muito forte mesmo contra ventos que levam o petismo para a profundeza oceânica. Será que ambos sustentariam seus índices até outubro? Lula está praticamente fora do jogo, eis que, mesmo sendo solto, deverá entrar na lama do ficha-suja. Tudo indica que será impedido pelo TSE e seu substituto não levaria seus votos. Bolsonaro representa a sociedade indignada, mas não o voto mais consciente e racional das maiores parcelas das classes médias. Terá poucos segundos de TV para fazer sua campanha.
Estamos divisando outras ondas carregando Joaquim Barbosa, Marina Silva e Ciro Gomes. Ondas revoltas. Quando o mar estiver menos agitado, será razoável supor que outros perfis poderão ascender na escada eleitoral. A decisão do eleitor muda segundo as circunstâncias. Por enquanto, os ventos do outono puxam os perfis. Aguardemos a ventania do inverno e o sopro do verão.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação