Cristovam Buarque: Minha Brasília

Não escolhi sair de Recife, em 1970. As circunstâncias me obrigaram a ficar nove anos fora do Brasil. Em 1979, escolhi Brasília. Ela tinha 18 anos quando aqui cheguei. Já estava inaugurada, mas a Asa Norte, em cuja ponta fui morar, era bem vazia. Quase 40 anos depois, olho ao redor do mesmo apartamento em que moro até hoje e vejo uma cidade senhora, aos 58 anos, ainda incompleta.
Foto: Victoria Câmara (Wikimedia)
Foto: Victoria Câmara (Wikimedia)

Não escolhi sair de Recife, em 1970. As circunstâncias me obrigaram a ficar nove anos fora do Brasil. Em 1979, escolhi Brasília. Ela tinha 18 anos quando aqui cheguei. Já estava inaugurada, mas a Asa Norte, em cuja ponta fui morar, era bem vazia. Quase 40 anos depois, olho ao redor do mesmo apartamento em que moro até hoje e vejo uma cidade senhora, aos 58 anos, ainda incompleta.

Cheguei com a disposição de dedicar minha vida à atividade acadêmica, entre aulas, pesquisas, escritas. Quando escolhi vir morar em Brasília, ela era uma cidade sem direitos políticos. Não elegia deputado distrital ou federal, senador ou governador. Brasília não tinha políticos próprios, apenas hospedava os que viessem de outras partes do país. Ao escolher Brasília, ao voltar dos Estados Unidos para o Brasil, entre outras opções que me foram oferecidas, a última coisa que eu imaginava era disputar eleição, qualquer que ela fosse.

Participei de lutas pela autonomia política do Distrito Federal, pela anistia, pelas eleições diretas para presidente, pela constituinte, mas o destino me surpreendeu quando, menos de dez anos depois de chegar, fui eleito reitor da Universidade de Brasília. Mesmo assim, era um cargo acadêmico. Não esperava que, 10 anos depois, disputaria uma eleição política e, ainda mais surpreendente, que seria eleito governador do DF.

O governo me vinculou de maneira íntima com a cidade que antes eu escolhera apenas para viver: as árvores que antes eu via crescer passaram a ser árvores que eu ajudei a plantar; as escolas que eu via ao passar viraram escolas que eu ajudei a construir; as notícias sobre ideias nascidas em Brasília, como Bolsa Escola, Poupança Escola, Saúde em Casa e muitas outras, tinham algo de mim; as paisagens e os costumes ao redor , como o respeito à faixa de pedestre, surgiram de projetos que eu ajudei a implantar.

O Senado me fez carregar a honra de representar o Distrito Federal no Brasil. Uma tarefa que tento exercer com muita responsabilidade, em cada gesto, em cada dia cuidando de honrar Brasília como seu representante no cenário nacional. Uma tarefa difícil, mas o povo daqui tem me ajudado, e com esforço tenho conseguido atrair respeito para nossa cidade com as 19 leis que levam meu nome, uma delas que cria o piso salarial dos professores do Brasil. Também consegui aprovar leis e recursos que beneficiam diretamente o Distrito Federal. Só nos últimos quatro anos, destinei mais de R$ 16 milhões do Orçamento Geral da União para serem aplicados em educação no DF.

A Brasília que eu aprendi a admirar e gostar passou a ser parte de mim como eu passei a ser parte dela também. Às vezes me pergunto se dei um passo certo quando passei a dividir meu tempo de professor com a agenda de governador e a desenador da República. Mas não tenho dúvida que esta opção me aproximou ainda mais da cidade, como se um namoro apaixonado se transformasse em casamento sólido. Os cargos que ocupei me vincularam de maneira muito mais intensa do que se essa responsabilidade não tivesse ocorrido. As três eleições em que o povo do DF me escolheu aumentaram a minha responsabilidade e o meu amor por Brasília. Como também o cargo de reitor amarrou ainda mais fortemente minha relação com a UnB.

É nesta perspectiva de ex-governador e um dos seus três representantes no Senado, ao lado do Hélio Jose e do José Antônio Reguffe, que foi meu aluno na UnB, que assisto ao 58º aniversário de nossa Brasília: a capital de todos os brasileiros e a cidade onde vivemos, onde nossos filhos e netos nasceram e, desejamos, continuarão vivendo. Nessa perspectiva, com esse olhar, vislumbro os próximos cinco, 10, 50 anos adiante e me preocupo e me entusiasmo. Preocupo-me com as dificuldades que atravessamos, na saúde, na educação, na segurança, na mobilidade, nas finanças, nas relações políticas dominadas por egoísmos, politicagens, corporativismos. E entusiasmo-me pela possibilidade de retomar sonhos, voltarmos a ser exemplo para o país e até para o mundo, corrigirmos erros, construirmos a cidade maior do que apenas a capital de todos os brasileiros, onde viveremos com conforto, segurança, esperança, orgulhosos de como somos.

Cheguei para ser professor, optei por ficar, o destino me faz participar com toda energia que ainda tiver, para ajudar a construir Brasília e representá-la no cenário nacional. No sábado passado, todos disseram parabéns, Brasília. Eu tenho de dizer também obrigado Brasília, pelo passado, e às ordens, Brasília, para o futuro, com ou sem mandato. (Correio Braziliense – 24/04/2018)

 

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