Decisão da 2ª turma ignora engenharia financeira da corrupção. A ação penal que trata do Instituto Lula está na fase das alegações finais, a do sítio de Atibaia está começando a ouvir as testemunhas e agora, por decisão da 2ª turma do STF, os documentos das delações da Odebrecht sobre isso serão enviados para São Paulo. É só o transporte de provas, ou é o começo de algo muito maior que levaria os processos do ex-presidente Lula para longe de Curitiba?
Pode ser muito mais, pode ser apenas um detalhe confuso criado por ministros do Supremo no processo da Lava-Jato. Não será a primeira vez que isso ocorre. Procuradores da Força Tarefa anexaram, ontem, declaração nos processos em que afirmam que não houve discussão sobre a competência, como o próprio ministro Dias Toffoli disse. No voto, ele registrou que não firmaria “em definitivo a competência do juízo”. A porta está aberta. O único que se sabe é que isso não afeta, obviamente, o caso do triplex, que já está julgado. Mas dos outros não há certeza.
É curioso o argumento do voto do ministro Toffoli, acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovsky, de que não há ligação entre esses casos investigados nas duas ações penais e as propinas pagas nos negócios escusos com a Petrobras.
É preciso ter estado em Marte nos últimos anos para desconhecer que as empresas corruptas trabalhavam com uma espécie de “caixa geral da propina”. Alguns delatores chegaram a usar essa expressão em suas delações. A Odebrecht tinha um departamento secreto no qual estruturava o pagamento de suborno e a distribuição de vantagens. Não havia propinas em compartimentos estanques que, por algum tipo de compliance, não pudessem ser usadas em outra ponta do mesmo negócio de comprar benefícios no setor público. É preciso também ser estrangeiro aos fatos para desconhecer que esses casos começaram a ser investigados em Curitiba e, portanto, pegar alguns papeis e enviá-los para São Paulo, por qualquer minudência jurídica, é uma forma de confundir.
No voto, o ministo Dias Toffoli disse que o empresário Emílio Odebrecht falou em hidrelétricas do Rio Madeira como parte dos benefícios a Lula. Alexandrino Alencar falou em gastos no sítio de Atibaia feitos “como contrapartida pela influência política exercida pelo ex-presidente”, e Marcelo Odebrecht disse que os valores para a compra do Instituto Lula sairiam da conta “amigo”, onde foram provisionados R$ 35 milhões, em 2010, “para suportar gastos e despesas do então presidente Lula”.
Diante disso, o ministro concluiu: “não diviso, ao menos por ora, nenhuma imbricação específica dos fatos descritos nos termos de colaboração com desvios de valores operados no âmbito da Petrobras”. Como não se pode acusar o ministro, e os que o acompanharam, de ingenuidade, a conclusão é de que eles se esqueceram da forma imbricada como a engenharia financeira da corrupção sempre funcionou. Tirou-se dinheiro de vários negócios com o governo, mas a Petrobras sempre foi ordenhada para financiar o esquema.
Várias investigações de corrupção no passado foram sepultadas por detalhes levantados pelos advogados para se requerer a nulidade das provas. Inúmeras manobras deram certo. O Brasil poderia estar bem mais adiantado na luta contra a corrupção, se os tribunais superiores não tivessem derrubado os processos por questiúnculas.
O ex-senador Demóstenes está livre para se candidatar por uma dessas. O ministro Dias Toffoli suspendeu a inelegibilidade porque houve a nulidade da prova do processo contra ele. A prova foi considerada nula porque um juiz de primeira instância não poderia determinar uma escuta telefônica envolvendo um senador da República, já que ele tem foro privilegiado. Com esse argumento foram invalidadas as interceptações telefônicas das operações Vegas e Monte Carlo. O problema é que ninguém na primeira instância havia autorizado ouvir o senador. Os telefones que estavam sendo gravados eram os de Carlinhos Cachoeira e outros integrantes da quadrilha. O então senador é que tinha relação com eles e só por isso foi ouvido. Mas por este detalhe, as provas obtidas com o esforço de sempre dos investigadores foram anuladas, e o ex-senador poderá limpar sua ficha e se candidatar.
O risco nessa decisão da 2ª turma não é esse transporte de provas, é o que pode vir em consequência disso.