Advogados aproveitam brecha para pedir que Moro envie todo o processo envolvendo o petista para a Justiça de São Paulo
A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que retirou das mãos do juiz Sérgio Moro trechos de um processo envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lança incertezas na relação da Corte com a Operação Lava Jato e é mais um exemplo da inquietante volatilidade das posições do tribunal, pois contraria determinação tomada seis meses atrás. Três analistas ouvidos pelo EL PAÍS acreditam que a decisão abre um precedente para outros casos similares – ou seja, mais ações em curso podem sair da alçada de Moro. Ponderam, porém, que não é razoável dizer que, se processos forem julgados por outros juízes, a operação será estancada ou que todos os políticos, doleiros, marqueteiros e empresários implicados acabarão inocentados.
“Criou-se uma ideia de que o Moro é o juiz universal do Brasil. Que vai salvar todo o mundo e acabar com a corrupção. O que não é verdade”, afirmou o professor de direito processual penal Afrânio Silva Jardim, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e crítico da Lava Jato. Na visão deste jurista, que é livre docente, outros juízes que trabalham nos desdobramentos da Lava Jato acabaram sendo mais rigorosos que o próprio Sérgio Moro. “No Rio, o Marcelo Bretas é muito mais severo que o Moro. Aliás, o Moro é severo com alguns. Os diretores e gerentes da Petrobras, que admitiram desvios e devolveram 60% do que pegaram, estão em prisão domiciliar. E o Lula está preso”.
A dúvida que pairava nos casos envolvendo Lula, e outros investigados pela Lava Jato, é a seguinte: em qual comarca o processo deve tramitar, na em que os crimes teriam ocorrido ou na que se descobriu os delitos? O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, diz que é “absolutamente normal” a discussão sobre a competência dos processos envolvendo qualquer investigado. Afirma que, se atuasse no caso Lula, ele próprio poderia defender tanto os que querem que o caso tramite em Curitiba como os que querem que siga para São Paulo. Mas disse estranhar e ver com preocupação a mudança de posicionamento da segunda turma do STF. “O que causou estranheza foi o giro de 180 graus, em embargos de declaração sobre uma causa decidida em unanimidade”.
Em outubro, os cinco ministros da turma negaram um pedido da defesa e decidiram que os trechos nos quais os delatores relatam o suposto repasse de verbas indevidas para Lula, incluindo a reforma de um sítio de Atibaia (SP), não estavam relacionados diretamente com a Petrobras, que é a investigação original da Lava Jato, portanto, não deveriam ficar com o magistrado em Curitiba. Essa decisão foi revista ontem. Mantiveram o posicionamento de outubro os ministros Edson Fachin e Celso de Mello. Aderiram ao novo entendimento os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski. “Neste momento há insegurança jurídica. E isso é o oposto do que deveria fazer o Supremo. Sem julgar o mérito. Dar guinadas em qualquer matéria só porque algum ministro mudou de opinião não é positivo para o sistema jurídico brasileiro”, avaliou o procurador Robalinho.
Dizendo-se perplexo com a decisão, o promotor de Justiça em São Paulo e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, afirma que espalhar por diversas seções judiciais processos que aparentemente têm relação entre si é negativo para a eficiência processual. “Agora, você tem a óbvia possibilidade de se ter decisões conflitantes.” A opinião é compartilhada pelo procurador Robalinho. “O juiz Moro e os colegas da força-tarefa em Curitiba fazem um trabalho excepcional. Retirar de um juiz que já está em conhecimento profundo do processo, em fase final de instrução, nunca é positivo seria uma atitude temerária da Justiça”, afirmou.
Já o professor Silva Jardim diz que o Supremo pode estar tentando arrumar erros cometidos no passado, quando alguns dos réus já haviam solicitado essa transferência de comarca, mas não haviam conseguido. “A euforia com a Lava Jato está acabando. O endeusamento dos procuradores e do juiz, as premiações, as entrevistas midiáticas, tudo tem diminuído”.
Embates judiciais
Neste ambiente de incertezas, iniciou-se um embate entre os procuradores da Força-Tarefa da Lava Jato e os advogados de Lula. Embasados na decisão da 2ª Turma do STF, os procuradores enviaram um documento ao juiz Moro no qual defendem a permanência dos processos de Lula na vara de Curitiba. Dizem ainda que há um “lamentável tumulto processual”.
Já os defensores do petista entraram com um pedido na mesma vara judicial para que o magistrado Moro encaminhe para livre distribuição da Justiça de São Paulo as ações penais a que o petista responde sobre o sítio de Atibaia (onde Lula é suspeito de tê-lo recebido em um ato de corrupção) e sobre a compra de um terreno para seu instituto.
O ex-presidente é réu em sete processos e está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba por ter sido condenado em um deles, o que tratava do triplex do Guarujá. Lula cumpre pena de 12 anos de prisão.