A economia de mercado, argumenta Llosa, traz desenvolvimento material e progresso
Ivan Martínez-Vargas, da Folha de S. Paulo
Único ainda vivo entre os escritores de língua espanhola a vencer o Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa dedica seu livro mais recente a fazer uma ode ao liberalismo clássico.
“La llamada de la Tribu”, ainda sem tradução, é um manual no qual o peruano esmiúça os pensamentos de sete grandes liberais: Adam Smith, Fredrich von Hayek, Ortega y Gasset, Karl Popper, Raymond Aron, Isaiah Berlin e Jean-François Revel.
O ideário desses intelectuais é defendido como a receita contra o que Vargas Llosa nomeia “chamado da tribo” —o impulso humano de voltar à sociedade primitiva, em que o coletivo se sobrepunha ao individual e as decisões eram tomadas pelo líder tribal.
Entre os maiores riscos, está a tentação dos discursos de caudilhos carismáticos, quase sempre nacionalistas, que prometem às massas um paraíso terreno inviável e, na prática, eliminam a individualidade e a democracia.
Os pressupostos liberais, no argumento do autor, são o antídoto contra isso.
Estão presentes no ensaio ideias como a de que a diversidade de talentos na sociedade gera uma desigualdade econômica não necessariamente problemática, desde que haja um nível mínimo de oportunidades a todos.
Aparece também a defesa de que o livre mercado, associado ao Estado de Direito, garante o desenvolvimento e combate a miséria.
Os pensadores que protagonizam o livro são os que determinaram a conversão do escritor, ao longo dos anos 1970, de simpático ao socialismo e entusiasta da Revolução Cubana a liberal militante.
O peruano conta que começou a admirar a literatura liberal por meio dos discursos da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que citavam nomes como Hayek (1899-1992), economista expoente do liberalismo.
Ao longo de 256 páginas, “La Llamada de la Tribu” reitera críticas agudas à esquerda marxista, que identifica com o recorte às liberdades individuais, a intolerância à divergência e o autoritarismo.
Ao mesmo tempo, busca distanciar o “verdadeiro liberalismo” do conservadorismo.
Defende que aquele não deve ser considerado “como mais uma ideologia, com esses atos de fé laicos tão propensos à irracionalidade, às verdades dogmáticas”.
Estaria mais para “uma doutrina que não tem respostas para tudo, como pretende o marxismo, e admite em seu seio a divergência e a crítica”.
O liberalismo exclusivamente econômico é incompleto e nem sequer deve ser considerado liberal de fato, afirma.
A economia de mercado, argumenta, traz desenvolvimento material e progresso, mas a liberdade precisa ser “o valor supremo” também da política, da cultura e da vida social.
O respeito aos direitos humanos, o racionalismo, o pluralismo e a democracia, portanto, são itens cruciais dessa filosofia, segundo Vargas Llosa.
O princípio da igualdade de oportunidades, diz, também é profundamente liberal, “ainda que isso seja negado por pequenas gangues de economistas dogmáticos intolerantes e frequentemente racistas”.
O livro tem o grande mérito de se debruçar sobre intelectuais que, embora relevantes, estão quase sempre ausentes de discussões na esfera pública atual. Como destaca o peruano, eles não recebem a mesma atenção que figuras como Sartre, Foucault, Simone de Beauvoir e Marx, seus antípodas ideológicos.
Apesar dos elogios a cada um dos intelectuais sobre os quais se debruça, Vargas Llosa critica de maneira pontual, mas incisiva, o que considera falhas de suas referências.
Entre os “erros garrafais” de Hayek, destaca seu alinhamento com o regime ditatorial de Pinochet, no Chile.
Ainda critica Aron por ter se dedicado a analisar somente a Europa e os EUA e, consequentemente, ter deixado dois terços do mundo de lado.
Ao contrário do filósofo político leto-britânico Isaiah Berlin (1909-1997), porém, que deixava aberta a possibilidade de que os marxistas estivessem corretos, Vargas Llosa vê as ideologias de esquerda sempre como autoritárias.
Assim, tanto quanto o polo ideológico que critica, o escritor parece crer que suas ideias detêm o monopólio da virtude.
Por que, afinal, a defesa de Pinochet por Hayek não diminui a relevância da obra do austríaco, mas a do regime soviético por Sartre, sim? É uma pergunta que o autor não responde.