A indústria automobilística no Brasil recebeu R$ 28 bilhões em subsídios do governo federal de 2006 a 2018, segundo estudo do economista Gabriel de Barros, da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Além de um regime tributário específico, o Inovar-Auto, houve forte redução de IPI, para estimular vendas, e ajuda indireta à instalação de plantas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Mesmo depois de iniciada a crise de penúria dos cofres públicos, os gastos com o setor aumentaram. De 2013 a 2017, o Inovar-Auto representou um custo de R$ 5,2 bilhões para o contribuinte, segundo o IFI. O programa foi condenado pela Organização Mundial do Comércio e não pôde continuar. Neste momento o governo se prepara para renovar a mesma ideia, com outro nome. Será o Rota 2030. Ele permitirá que empresas descontem o custo dos investimentos em pesquisa e tecnologia nos mais diversos impostos. A briga no governo é saber que impostos poderão ser abatidos. A Fazenda quer que seja só no Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E o Ministério do Desenvolvimento quer que seja em todos os impostos federais para a alegria das montadoras. O custo pode ser de R$ 1,5 bi ao ano. E vai até 2030.
A grande pergunta é: esse dinheiro já concedido fomentou alguma tecnologia inovadora para a indústria brasileira? O que se percebe é o efeito colateral dos subsídios. A redução de IPI no primeiro governo Dilma teve impacto direto na arrecadação e contribuiu para levar o governo à crise fiscal.
As montadoras também foram contempladas pela redução dos juros para o setor, numa época de taxas altas para os outros segmentos. Elas foram reduzidas, os prazos se alongaram, e o resultado foi uma disparada da inadimplência na carteira de veículos. Ainda hoje o setor financeiro estuda os erros que cometeu, e isso atrapalha a queda do spread bancário e a recuperação da economia. Houve ainda programas especiais de financiamento via BNDES para a compra de caminhões com juros muito abaixo dos praticados pelo próprio banco.
Segundo o estudo do IFI, o volume total de renúncias fiscais para todos os setores saiu de R$ 77,7 bilhões, ou 3,2% do PIB, em 2006, para cerca de R$ 285 bi em 2017, ou 4,4% do PIB. O aumento aconteceu no governo que se definia como de esquerda e foi o que mais estimulou as transferências para o capital.
Mesmo com o ajuste fiscal, o governo ainda estima, para este ano, um gasto que ficará em 4,1% do PIB, como mostra o gráfico abaixo. Alguns programas são plurianuais. Outros o governo tenta reduzir e a base parlamentar rejeita. Gabriel de Barros não discute o mérito dos subsídios em seu estudo, mas aponta o seu peso dentro do Orçamento. O economista lembra que muitos projetos não têm data definida para acabar ou irão vigorar por décadas, como é o caso da Zona Franca de Manaus, que custa cerca de R$ 25 bilhões por ano e irá se estender até 2073, ou seja, por mais 56 anos.
O projeto de reoneração da Folha foi sendo aos poucos abandonado. Essa renúncia fiscal tinha até uma boa proposta inicial, que era reduzir o peso da contribuição previdenciária de empresas que empregam muita mão de obra. Mas o número de setores beneficiados cresceu e causou um rombo nas contas públicas.
Renúncias fiscais são políticas públicas e, por isso, são escolhas do que fazer com o dinheiro coletivo. Elas devem ter foco em redução das desigualdades e assimetrias da sociedade. A indústria automobilística, ainda baseada no motor a combustão, tem recebido benefícios fiscais desde que se instalou no Brasil há 70 anos. Sem que se saiba qual é o destino dessa rota.