Não é ruim um símbolo popular cair por corrupção, mas rigor precisa chegar aos demais
O ex-presidente Lula saiu de cena em sua despedida histórica em São Bernardo acompanhado de pessoas de um país ultrapassado pelos fatos. Havia um clima de nostalgia e bolor naquela cena.
Lula vendeu como o novo dois presidenciáveis de perfil socialista (Guilherme Boulos, do Psol; e Manuela D’Ávila, do PCdoB) e foi escoltado por uma senadora que defende a ditadura na Venezuela (Gleisi Hoffmann), a presidente que afundou o Brasil com intervenções e opacidade no trato do dinheiro público (Dilma Rousseff) e o líder de um movimento que vandaliza imóvel de juiz do STF (João Pedro Stedile, do MST).
No palco, Lula talvez ainda fosse o mais moderno e pragmático. No livro-entrevista “A Verdade Vencerá”, recém-lançado, diz: “O problema do sistema capitalista é que, se você não ganhar dinheiro, você não sobrevive… Às vezes, as pessoas de esquerda têm um comportamento ideológico, e esse comportamento ideológico não se coaduna com a realidade.”
O pragmatismo de Lula o levou a terminar seu mandato em 2010 como o mais popular do Brasil e com a economia crescendo 7,5%. Acima de tudo, as contas públicas ainda estavam relativamente em ordem.
Foi isso o que permitiu a confiança de empresários a investir e gerar empregos, fazendo com que o trabalho e o aumento da renda transformassem o Brasil e incluíssem os muitos pobres no mercado consumidor.
Foi um círculo virtuoso, que levou ao aumento da arrecadação e à proliferação de programas sociais: 13 milhões de beneficiários no Bolsa Família, 3,5 milhões de moradias no Minha Casa, Minha Vida, 2,5 milhões de bolsas no ProUni e 15,5 milhões de novas eletrificações no Luz para Todos, entre outros.
Seu grande quinhão no atraso foi se imiscuir com o comportamento corrupto de partidos conservadores que dominam o presidencialismo de coalizão, como o MDB e o DEM (ex-PFL).
Com mais crescimento e demanda por infraestrutura, o pré-sal da Petrobras e as obras faraônicas de Copa e Olimpíadas, a escala da corrupção se tornou gigantesca, sugando o ex-presidente cada vez mais para dentro do esquema. Que ele manteve, já fora do governo, como embaixador de empreiteiras operando com financiamentos obscuros do BNDES.
O aflitivo é que, na campanha eleitoral que se aproxima, a esquerda que se diz sensibilizada com o social ainda não entendeu que programas como os de Lula custam dinheiro, e que esse dinheiro vem de impostos de empresas que precisam de estabilidade para crescer.
Quem conhece as favelas e a pobreza brasileiras sabe do potencial que existe ali, de geladeiras e fogões para serem vendidos a pessoas que dariam tudo para ter mais oportunidades de subir na vida pelo próprio esforço, via trabalho.
Lula entendeu isso, mas fracassou patrocinando os velhos esquemas, algo difícil de mudar. Os casos de corrupção estão ai: no MDB de Temer, no PSDB de São Paulo e Minas e na miríade de prefeituras do país.
Pode-se dizer que Lula colheu o que plantou em um país onde as pessoas agora conhecem pelo nome juízes do STF e parecem cansadas de viver em um atoleiro atrasado de altos e baixos.
Não é ruim que um símbolo da política popular tenha caído em desgraça por conta disso. Mas será extremamente perverso se o mesmo rigor, daqui para frente, não for estendido aos demais.