A esperteza, quando é muita, cresce e come o dono. Essa pode ser a definição do que aconteceu ontem em São Bernardo do Campo. O ex-presidente Lula quebrou todos os acordos feitos com a Polícia Federal desde as 17 horas de sexta-feira para se entregar, e montou uma encenação que só piorou sua situação, política e jurídica.
Os militantes do PT que impediram o expresidente Lula de sair do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em combinação com os líderes petistas — o mais provável — ou não, estavam agindo de acordo com a orientação do ex-presidente que, horas antes, incentivara os integrantes do MST a fazerem invasões; os membros do MTST de Boulos que continuassem a invadir imóveis e terrenos; e os militantes que continuassem a queimar pneus para interromper as estradas como demonstração de protesto contra sua prisão.
Ele exortou seus seguidores contra a Justiça, os promotores e a imprensa, chancelando uma posição radicalizada de atuação política que só poderia resultar nos tumultos acontecidos ontem; no vandalismo que atingiu o edifício, em Belo Horizonte, da presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia; e em agressões a jornalistas.
Como se reage a uma confrontação dessas sem perder a credibilidade, e ao mesmo tempo, sem criar um ambiente de confrontação entre militantes e polícia? Esse foi o grande impasse que dominou a Polícia Federal e o próprio juiz Sergio Moro, durante toda a parte da manhã.
O acordo era que ele se entregasse ao longo do dia, e muita gente considerou ingênua a decisão de Moro de dar a Lula a oportunidade de se entregar, em vez de dar a ordem de prisão sem anúncio prévio. O que levou a essa decisão foi a lembrança de quando se fez a condução coercitiva de Lula para depor, quando a crítica foi pesada, mas as autoridades sentiram que o espaço concedido ao petista, em respeito ao cargo de presidente da República que ocupou duas vezes, e também para evitar confusão, provocou críticas da mesma maneira — e também o risco de uma desmoralização da Justiça.
O risco de haver um conflito que provocasse mortos e feridos foi o que mais pesou na decisão de ser condescendente com o ex-presidente. Por volta das 12 horas, quando Lula anunciou aos militantes de cima do carro de som que se entregaria à Polícia Federal, houve um alívio entre as autoridades que negociavam com os advogados do ex-presidente.
Esse alívio passou a angústia quando ficou desenhado que as manobras dos assessores do ex-presidente Lula protelavam sua saída do Sindicato dos Metalúrgicos. Tudo foi feito atrasado, a partir do ato ecumênico em homenagem ao aniversário de dona Marisa, até a decisão de Lula de almoçar e depois descansar no sindicato, para depois se apresentar.
O certo é que sua situação jurídica se complicou muito, e se não for punido agora mesmo, é quase certo que nas próximas condenações, se acontecerem, sua prisão preventiva pode ser decretada devido à resistência que ele já demonstrou ser capaz de mobilizar.
Isso na hipótese de que esteja solto, por obra de um novo habeas corpus, ou em prisão domiciliar, ou em consequência de eventual mudança da jurisprudência sobre a prisão em segunda instância. Mas vai ser proibido de fazer campanha. Depois de preso, acabou, define uma autoridade envolvida na operação de prisão do ex-presidente.
O ex-presidente Lula teve um final de atuação política patético, retornando a uma militância radical que fez com que perdesse diversas eleições presidenciais, até que ampliasse seu eleitorado com a inclusão da classe média. Da maneira como se comportou nesse episódio, transformou-se em um líder de um partido radical como alguns outros que existem por aí, sem maior expressão. Esse é o risco que o PT corre nas eleições de 2018.