William Waack: Suprema perplexidade

Torna-se claro também que a desmoralização das instituições chegou ao STF.
Foto: Felipe Sampaio /STF
Foto: Felipe Sampaio /STF

Torna-se claro também que a desmoralização das instituições chegou ao STF

Vamos em primeiro lugar ao que não resta dúvidas. Qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal sobre prisões após 2.ª instância causaria imenso descontentamento. A causa é simples: o STF deixou há tempos de ser um colegiado e se transformou num aglomerado de 11 ministros que já nem se dão ao trabalho de disfarçar que algumas de suas principais decisões obedecem a critérios políticos. Inclusive de última hora, subordinados ao “clamor popular” ou “sentimento da sociedade”.

Tornou-se claro também que a desmoralização de instituições políticas chegou ao Supremo – hoje percebido como causa de notável insegurança jurídica. A politização da Justiça e o ativismo (ou o “neopunitivismo”, como preferem alguns) de integrantes de algumas instâncias judiciais, além do Ministério Público, já são até conceitos acadêmicos examinados em eventos e seminários.

Vamos então ao que se tornou a grande dúvida. Se a política tomou conta do STF, cujas decisões impactam violentamente a política, como entender a formação de maiorias entre os 11 ministros? Apenas para comparação, não é difícil antecipar como votarão integrantes da mais alta corte americana, por exemplo, em função de biografia política e obra acadêmica de cada um deles. No Supremo brasileiro já não mais existem essas “certezas”.

Precisamos entender como os ministros captam, percebem, interpretam o que um deles chamou de “sentimento da sociedade”. E aí a confusão é tão grande e a desorientação tão completa como as que se registram no debate político brasileiro. Na hipótese mais benigna, eles entendem a política brasileira hoje como um choque de forças alinhadas a princípios como a estrita separação dos poderes (e respeito total à letra da Constituição) em oposição a doutrinas como a evolução do direito em função de demandas sociais (portanto políticas) e à necessidade de “flexibilizar” garantias, ou de reinterpretá-las, para favorecer a regeneração da política (via combate à corrupção).

Na hipótese mais realista, o choque de princípios foi ofuscado há muito por rivalidades e antipatias pessoais, lealdades políticas, prestação de favores e aquilo que alguns especialistas apontam como pura e simples incapacidade técnica de alguns integrantes da mais alta Corte. Usando linguagem dos economistas, as artimanhas para pautar ou não pautar votações ignoram a lei das consequências não intencionais (obtém-se até o contrário do que se pretende). E pioram uma atmosfera ainda mais exacerbada, à qual os ministros julgam que tem de responder sem parecer que estão respondendo.

O resultado, quando se observa as voláteis maiorias no STF, é a sensação de orfandade provocada pela falta de lideranças articuladas e que comandem respeito – o mesmo preocupante fenômeno que se registra “lá fora”. A bagunça política atual, com autoritários dizendo que imporão liberalismo a pontapés, e não autoritários dispostos a aceitar o arbítrio e o desrespeito a princípios consagrados contanto que alguém vá para a cadeia, tornou o STF um curioso espelho do que vai se espalhando depressa como atitudes frente às decisões políticas e eleitorais diante de todos nós.

Atitudes, em outras palavras, relativas a um “sentimento”. Que, no momento, se manifesta nas pesquisas qualitativas atentamente estudadas por marqueteiros em insatisfação (sobretudo entre os jovens), impotência frente à situação, insegurança, descrédito nas principais instituições, baixa autoestima e ainda grande dificuldade em descrever o perfil ideal do próximo presidente, contanto que ele seja ficha limpa. Não serve de consolo nem para justificar qualquer decisão do Supremo, mas os ministros parecem tão perplexos como todos nós.

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