O clima no Supremo nestas horas antecedentes é de que será concedido o habeas corpus ao ex-presidente Lula e derrubada a execução da pena após condenação em segunda instância. Isso terá arrasadores reflexos na vida institucional do país. Mas Lula deve permanecer inelegível. A derrota da 2ª instância não significará um abalo apenas na Lava-Jato, mas na própria atuação do Ministério Público.
A Lei da Ficha Limpa estabelece que após a condenação confirmada por um órgão colegiado a pessoa perde as condições de se candidatar. A eventual mudança do entendimento sobre transitado em julgado não se aplicaria, segundo juristas de tendências diferentes, porque a regra da Lei da Ficha Limpa não é considerada uma pena do ponto de vista jurídico, mas sim o estabelecimento dos requisitos da elegibilidade. Então, Lula, mesmo que vença hoje, permanecerá inelegível porque já foi julgado pelo TRF-4.
Entre os ministros que defendem o cumprimento da pena após a condenação em 2ª instância há pessimismo. Foi o que ouvi nos últimos dois dias. Entre os ministros que querem alteração do entendimento há a ideia de que se estaria corrigindo um suposto erro do STF em 2016. Dos dois lados há a mesma interpretação: de que um habeas corpus a favor do Lula acabará sendo uma mudança de rumo, porque estaria implícita na decisão a repercussão geral, da mesma forma que em 2009 um habeas corpus passou a influenciar os julgamentos seguintes.
No PT há otimismo. Há quem considere que o placar pode ser até de sete votos a quatro se o ministro Alexandre Moraes também votar com a nova maioria. A ministra Rosa Weber deve retornar ao voto que defendeu em todas as vezes que esse assunto chegou ao plenário: ou seja, que só após a última instância é que se pode começar a cumprir a pena. O ministro Luiz Edson Fachin pode tentar separar o habeas corpus em si, do entendimento geral sobre a 2ª instância, mas foi ele mesmo que levou o assunto ao plenário, quando o normal seria deixar para ser discutido na turma. A competência para julgar o habeas corpus negado era da turma.
Nas palavras de um ministro do grupo, que talvez seja derrotado hoje, sem o cumprimento da pena após a 2ª instância o Ministério Público perderá muito de sua força construída em 30 anos.
— O que restará à Procuradoria Geral da República? Ficar fazendo pareceres quando os casos chegarem em Brasília? E o MP o que será, a não ser um departamento da PGR?
Não é o único temor que se tem neste momento. A decisão do ministro Dias Toffoli de dar ao senador cassado Demóstenes Torres o direito de se candidatar novamente foi definido por um dos seus colegas como “não apenas uma brecha, mas a abertura da comporta de uma hidrelétrica”. Na prática, significou que o ministro monocraticamente tornou sem efeito a decisão do Senado que o cassou por falta de decoro. E o Senado poderia recorrer, mas só recorre quem está insatisfeito e entre os políticos muitos torcem para que a impunidade prevaleça. A propósito, o ministro Toffoli é o mesmo que está segurando o fim do foro privilegiado sob o argumento de que o assunto está sendo analisado no Congresso. No caso da cassação de Demóstenes, ele não reconhece o poder do Senado que suspendeu até 2027 os direitos políticos do senador cassado.
A decisão de hoje, se for confirmada, como tudo leva a crer, não é de aplicação automática. Mas se for feita a interpretação de que “transitado em julgado” é só mesmo o fim de toda a enorme lista de recursos, o que pode vir a acontecer é o que houve no caso narrado ontem pela repórter Cleide Carvalho: em 1991 o fazendeiro Omar Coelho Vítor, no meio de uma exposição, sacou da pistola e deu cinco tiros em Dirceu Moreira Filho. Em 2009, o STF entendeu que a presunção de inocência só se esgotaria no último recurso. Ele jamais cumpriu pena e o crime prescreveu. A vítima permanece com uma das balas no corpo.
É evidente que “presunção de inocência” não é direito absoluto contra todas as evidências. É sabido que o mérito de qualquer ação é julgado na primeira e segunda instâncias e que depois disso não se discute mais a culpa, mas questões processuais. É óbvio que se cair o cumprimento da pena após 2ª instância será a confirmação de que o Brasil é o país da impunidade.