Míriam Leitão: As dúvidas da Justiça

O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
O ministro Gilmar Mendes disse que pedófilos e traficantes já poderiam ser presos mesmo antes da decisão, de 2016, de prisão após condenação em segunda instância, porque se admitia “a prisão provisória sempre que justificada”. Contesta o que disse o juiz Moro sobre o risco de possível mudança no STF. Sendo assim, se houver mudança no Supremo será benefício endereçado aos condenados por corrupção?
Essa é a dúvida que fica. Se os outros criminosos continuarão podendo ser presos, após a condenação em segunda instância, então por que esta discussão agora?
O ministro avisou que discorda do que o juiz Sérgio Moro disse ao Roda Viva e que reproduzi na coluna de ontem. Moro contou que em menos de dois anos a 13ª Vara Federal executou ordem de prisão de 114 condenados em segunda instância. Número bastante expressivo se for considerado que se refere apenas a uma única vara. São condenados pelos mais variados crimes: 12 são da Lava-Jato e de casos como tráfico de drogas, peculato e pedofilia. Gilmar argumenta que o entendimento do STF de 2009, que estabelecia o cumprimento da pena só após a última instância, já autorizava a prisão nesses casos.
— A propósito, pedófilos, traficantes e outros ficavam presos pela jurisprudência de 2009, pois ali se admitia a prisão provisória sempre que fosse justificada, sempre que presentes os pressupostos da prisão provisória — disse o ministro.
O ministro registrou dois casos em que houve isso. Um deles, um condenado a 44 anos por tráfico de drogas, pena que foi reduzida para 38 anos.
— A prisão está devidamente justificada pois o paciente é o responsável pelo transporte da droga e pela liderança de membros de organização criminosa — disse o ministro Gilmar.
O outro, também condenado por tráfico de drogas, apanhado com quase uma tonelada de maconha e cuja pena foi de 11 anos em regime inicial fechado. Gilmar disse que manteve a prisão porque havia risco de “reiteração delitiva”.
Esses casos mostram na verdade o acerto da decisão de prisão após a condenação em segunda instância, e não o contrário. Porque terão que ser analisados caso a caso os que poderão cumprir pena. E os políticos certamente terão a vantagem da tramitação prolongada dos processos.
Aliás, esta foi uma semana dos benefícios para alguns. Ganharam no STF os deputados Jorge Picciani, Paulo Maluf, o senador Romero Jucá e o ex-senador Doméstenes Torres. Cassado pelo plenário do Senado em 2012, e sem direitos políticos até 2027, Demóstenes recebeu do ministro Dias Toffoli uma liminar que permitirá que ele se candidate.
O ex-senador foi acusado de receber vantagens indevidas do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em 2016, a Segunda Turma do STF considerou ilegais as escutas da Polícia Federal durante a Operação Monte Carlo, porque elas não foram autorizadas previamente pela corte e teriam que ser porque Demóstenes tinha foro privilegiado. Como as provas foram anuladas, o ministro Toffoli devolveu a Demóstenes o direito de se candidatar já nas eleições deste ano. O advogado do ex-senador, Pedro Paulo Medeiros, explicou que, se as gravações foram consideradas ilegais, é como se elas nem tivessem existido.
Ontem, Toffoli também mandou para a prisão domiciliar o ex-deputado Paulo Maluf, que se queixou de dores nas costas na prisão. Maluf trocará o presídio da Papuda pela sua luxuosa residência nos Jardins, em São Paulo. Quem também ganhou prisão domiciliar foi o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, que também alegou motivos de saúde. Segundo a defesa, ele tem câncer de próstata e não recebe os cuidados devidos na prisão. Toffoli concordou e foi seguido por Ricardo Lewandowski. A divergência ficou com o ministro Edson Fachin, voto vencido.
Romero Jucá conseguiu escapar de uma das muitas denúncias que pesam contra ele. Por unanimidade, a Segunda Turma rejeitou a acusação de ter recebido propina do empresário Jorge Gerdau. Segundo a procuradoria, ele teria favorecido o grupo com alterações em MPs que tramitavam no Congresso.
Aumentam os temores de que esteja se formando uma verdadeira operação de desmonte de tudo o que o Brasil construiu nos últimos anos na luta contra o crime dos poderosos.

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