Paulo Siqueira: Um partido para chamar de meu

O 19º congresso do Partido Popular Socialista (PPS) ganha grande importância ao abrir dentro do partido a discussão de mais uma grande transformação. A proposta foi apresentada pelos movimentos políticos que aderem ao partido, mas a discussão já se dava no Partido, primeiramente como a necessidade de alterar seu nome, o qual foi fruto de um consenso possível no X congresso quando a mudança era não somente de nome, enterrávamos o símbolo e a utopia que foram a razão de viver de seus militantes e dirigentes por 70 anos. Foi aquela uma mudança radical e dolorida, lembremos o que muitos sacrificaram por uma promessa de futuro que desabou junto aos tijolos e à poeira de Berlim. Mas também pela mudança necessária da forma partido, de busca do Brasil e do mundo que queremos e de nosso papel no cenário político que está em profunda transformação.
Foto: Karina Sérgio Gomes
Foto: Karina Sérgio Gomes

O 19º congresso do Partido Popular Socialista (PPS) ganha grande importância ao abrir dentro do partido a discussão de mais uma grande transformação. A proposta foi apresentada pelos movimentos políticos que aderem ao partido, mas a discussão já se dava no Partido, primeiramente como a necessidade de alterar seu nome, o qual foi fruto de um consenso possível no X congresso quando a mudança era não somente de nome, enterrávamos o símbolo e a utopia que foram a razão de viver de seus militantes e dirigentes por 70 anos. Foi aquela uma mudança radical e dolorida, lembremos o que muitos sacrificaram por uma promessa de futuro que desabou junto aos tijolos e à poeira de Berlim. Mas também pela mudança necessária da forma partido, de busca do Brasil e do mundo que queremos e de nosso papel no cenário político que está em profunda transformação.

O nome Partido Popular Socialista foi como o projeto de um garanhão árabe, mas para atender a todos, acabou se tornando um camelo. Lembro bem de que ninguém gostava muito, mas passados 26 anos há logicamente um apego emocional, como o personagem Ben Quick (Paul Newman) no filme O Mercador de Almas (The Long, Hot Summer, Orson Welles, 1958), cujo o nome era conhecido como um incendiário e acabava expulso cidade a cidade, mas se recusava a mudar o Quick, pois seu pai dizia: “um homem deve manter seu nome”.

Os termos popular e socialista, se pensarmos bem, nos joga num campo o qual não coadunamos, e remete ao chavismo, ao bolivarianismo, precisamos avançar para esclarecer o que somos e o que propomos sem precisar desperdiçar energia e tempo explicando um nome, o qual deve ser autoexplicativo.

Aqui vem a questão, o que somos então, se já não somos o velho PCB, nem o atravessado PPS? A proposta para a mudança veio apresentada pelos movimentos, num movimento de fora pra dentro, o que é válido, pois fugimos da dialética do “nós com nós mesmos”. Os movimentos que se apresentam para participar de nossa formação têm matizes variados, entre social-democratas e liberais. A social-democracia vive a crise do não trabalho formal, das trocas da não mercadoria, das migrações que colocam em cheque a cidadania. O liberalismo por outro lado nos traz vários ganhos como o respeito aos direitos individuais, ao estado democrático de direito, à percepção do desequilíbrio na relação estado indivíduo, à necessidade da liberdade na economia e da livre iniciativa, porém, o liberalismo não atende completamente nossa concepção de mundo e sociedade, pois se temos hoje em dia uma visão de economia de mercado livre, refletimos sobre os limites dessa liberdade, afinal como disse Kant: A Liberdade só Existe com Lei e Poder. Nenhum direito é absoluto, nem tão-pouco o da liberdade do mercado. 

Comte Bittencourt trouxe essa reflexão ao congresso ao debater sobre o liberalismo. Entendemos e coadunados a desconfiança quanto ao papel do estado, pois sabemos bem de sua tendência ao excesso de poder, à corrupção de si e dos elementos da sociedade na cooptação contínua, e ao auto crescimento como uma hidra de nove cabeças, quando corta uma, surgem outras,  sua fome não tem fim e para saciá-la, o estado cria mecanismos que o aumentam, esfomiando-se cada vez mais. Portanto devemos sempre limitá-lo, controlá-lo, enxugá-lo. Por outro lado, o estado tem seu papel que não pode ser esquecido, falar em estado mínimo é tão complexo quanto definir o que é esse mínimo. Como se coloca a complexa questão do ideal de liberdade, igualdade e fraternidade na administração pública? 

Um estado eficiente é aquele que cumpre seu papel com a menor alocação de recursos, no menor tempo, e já que tratamos de administração pública, com transparência e ampla participação da sociedade. O estado tem algumas tarefas a cumprir, como a segurança jurídica, mediação de conflitos, a segurança pública, prover saúde e educação. Mas o estado não é somente um prestador de serviços, ele tem funções importantes como a regulação de setores da economia, essa regulação deve sempre ser a menor possível e estar sobre constante vigilância, além de precisar ser reduzida sempre com o avançar da organização da sociedade, mas temas como monopólio e concorrência desleal precisam de regulação, da mesma forma quando há desequilíbrio nas relações sociais, como uma poderosa empresa extrativista frente a pequenas comunidades rurais. 

O estado precisa apoiar o esforço de desenvolvimento mais hegemônico entre as diversas regiões do país. Temos no Brasil regiões com muito atraso econômico, atraso na integração econômica com o restante do país e baixo desenvolvimento humano/social. Um exemplo com o qual podemos aprender é o das favelas que nos anos 70 foram deixadas à mercê para que desaparecerem, não desapareceram e desembocaram na maioria dos lugares em comunidades de baixo desenvolvimento social, com alta criminalidade e violência, baixa escolaridade, pouco saneamento, vulnerável a doenças, e etc, gerando altos custos sociais, econômicos e políticos.

Precisamos trabalhar por um estado com mais resiliência ou capacidade de se adaptar às necessidades da sociedade quando se apresentarem, como por exemplo no tocante à representatividade efetiva dos vários segmentos da sociedade no estado e às novas formas de participação. Precisamos aperfeiçoar os mecanismos de controle do estado e de sua limitação, como a maior descentralização do poder e sua limitação. 

O que devemos evitar e nossa longa história nos ensinou, é ficar presos ou pautar nossa caminhada em utopias, ideologias ou modelos. Devemos pautar nosso projeto de partido em princípios que nos norteiem, os quais destaco o humanismo. O ser humano deve ser nosso objetivo final e nunca nosso meio. O ser humano e suas individualidades, seus direitos fundamentais, pela sua liberdade, pelo seu direito à busca individual pela felicidade, à identidade, sua diversidade, seu pluralismo. O princípio da democracia e do estado democrático de direito, que foi muito caro ao partido consolidar e conseguir, e bem lembrado por Luciano Rezende do interesse público. O princípio da paz.

Estar presos a modelos nos dificulta o acerto de rumos e quanto antes pudermos perceber eventuais erros no nosso caminhar, mais cedo aprumaremos a rota e menos danos e prejuízos acumularemos. Coloquemos nossos pés no chão para a caminhada, e que o caminhar seja nosso caminho. Esse processo de transformação do partido não será simples pois esbarramos nas nossas estruturas internas de poder e na própria legislação partidária e eleitoral, além é claro, do próprio pragmatismo político ou eleitoral que rege o dia a dia e o apego emocional natural de todos nós.

Por último relembro dois momento importantes da discussão no congresso, quando Roberto Percinto lembrou a discussão da mudança PCB-PPS quando o debate se dava contra a opinião de pessoas memoráveis como Oscar Niemeyer e Horácio Macedo, reitor da UFRJ, que detinham argumentos de alto padrão, mas não compreenderam a nossa derrota no processo histórico. A outra intervenção que destaco, foi a de Roberto Freire que lembrou a todos, que nossa mudança pelo novo não significa abrir mão de nossa história, a qual nos orgulha e que nos qualifica a encarar mais essa mudança que não será a última. Tivemos erros, mas tivemos acertos como a oposição firme ao estado novo, a luta pelo engajamento do Brasil na segunda guerra mundial ao lado dos aliados, constituinte de 1946, a luta pelo petróleo é nosso, que se hoje em dia está superada, na época foi importante, a carta democrática de 1958, a resistência à tentativa de golpe em 1961, a oposição à ditadura militar, o trabalho pela construção da frente ampla democrática, a luta pela anistia, as Diretas Já, o impeachment de Collor e a sustentação ao governo Itamar, ao plano Real, o impeachment da Dilma, o apoio ao governo de transição. Vamos em frente sem esquecer por onde caminhamos e os companheiros que nos acompanharam nessa caminhada. Sem saudosismos, com orgulho e dispostos a mudar rumos.

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