Merval Pereira: Estancar a sangria

Houve quem, às vésperas da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de quinta-feira, sugerisse a ministros favoráveis à prisão após condenação em segunda instância que interrompessem o julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula com um pedido de vista.
Foto: Divulgação/STF
Foto: Divulgação/STF

Houve quem, às vésperas da sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) de quinta-feira, sugerisse a ministros favoráveis à prisão após condenação em segunda instância que interrompessem o julgamento do habeas corpus impetrado pela defesa de Lula com um pedido de vista.

Antevendo a provável vitória do ex-presidente, já que a ministra Rosa Weber demonstrava a tendência de manter sua posição original contrária à prisão antes do trânsito em julgado dos processos, o pedido de vista interromperia o julgamento do habeas corpus, permitindo assim que, após o término dos embargos de declaração pela 8ª Turma do TRF-4 de Porto Alegre, a prisão de Lula pudesse ser iniciada, respeitando a jurisprudência em vigor.

A ministra Rosa Weber, que alardeia aos quatro ventos sua posição altiva de respeitar o colegiado votando na Primeira Turma sempre com a jurisprudência em vigor, mesmo contra seu pensamento original, já dava sinais de que mudaria sua maneira de votar no plenário, aproveitando a tese, criada pelos que querem lhe dar tranquilidade para exercitar a incoerência, de que no plenário é possível mudar de posição pois é ali que o colegiado se define.

E, como disse o advogado de Lula, José Alfredo Batochio, todos sabem que a posição majoritária do plenário já não é favorável à prisão em segunda instância. Desde que o ministro Gilmar Mendes anunciou sua mudança de lado, fazendo com que a maioria apertada também mudasse em teoria a jurisprudência do STF.

Pedir vista seria uma maneira de impedir que o habeas corpus fosse votado contra a jurisprudência que está em vigor. A manobra jurídica não encontrou entre os defensores da atual legislação quem se dispusesse a congelar a votação de um habeas corpus, mesmo sabendo que do outro lado manobrava-se para burlar a jurisprudência atual no pressuposto de uma mudança que só existe no plano do pensamento, só se concretizará quando e se as ADCs (Ações Declaratórias de Constitucionalidade), que contestam a prisão em segunda instância, forem julgadas.

Pois o que parecia uma manobra indigna a uns, está no plano de outros ministros, com objetivo oposto. Agora que o ex-presidente Lula ganhou seu presente de Páscoa em forma de uma liminar provisória que impedirá que a lei que está em vigor seja cumprida até que o STF encontre espaço na agenda de seus ministros para terminar o julgamento do HC, já pensam seus aliados políticos que seria uma boa solução que algum ministro favorável à concessão do habeas corpus pedisse vista para congelar mais uma vez a decisão.

Com isso, Lula ficaria protegido por uma liminar provisória que não tem prazo para terminar, evitando qualquer surpresa que possa acontecer na votação marcada para o dia 4 de abril. Uma surpresa já surgiu, no dia mesmo do julgamento: descobriu-se que o ministro Gilmar Mendes tem compromissos em Lisboa nessa data, e cogita não estar presente à sessão.

Seu voto não fará falta a Lula, pois o empate previsível de 5 a 5 beneficia o réu em questões penais. Que outras surpresas nos reservam os ministros do STF? A pressão para votar as ADCs continuará, e pode servir de pretexto virtuoso para o pedido de vista. Uma demonstração de que é preciso votar primeiro as ADCs, para não criar uma situação esdrúxula de uma liminar da liminar ser eterna enquanto dure.

A verdade é que se lograrem alterar a jurisprudência, acabando com a possibilidade de prisão em segunda instância, e acabar o foro privilegiado como nós o conhecemos, não apenas Lula, mas todos os que foram presos com base na atual legislação, sem preferência de partidos ou empresas, serão soltos, e ninguém mais será preso, pois os recursos dos recursos voltarão a prevalecer no panorama jurídico brasileiro.

O fim do foro privilegiado, proposto para moralizar o instrumento de proteção do cargo e não dos seus ocupantes, paradoxalmente servirá para blindar os que não honram o cargo que ocupam. Os avanços que alcançamos no combate à corrupção serão anulados e prevalecerá a proposta feita lá atrás por Romero Jucá, líder do governo no Senado, revelada por um áudio famoso, de fazer um acordão “com o Supremo e tudo”, para estancar a sangria.

 

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