Duas surpresas: Samuel Pessôa

O consumo das famílias cresceu menos do que se esperava, e o investimento superou as previsões.
Foto: Marcos Santos/Agência USP
Foto: Marcos Santos/Agência USP

O consumo das famílias cresceu menos do que se esperava, e o investimento superou as previsões

Na quinta (1º) o IBGE divulgou o crescimento da economia no quarto trimestre de 2017 ante o terceiro trimestre. O resultado frustrou um pouco as expectativas. O mercado esperava crescimento de 0,3%, nós no Ibre, de 0,2%, e o indicador foi 0,1%.

A frustração derivou de um crescimento do consumo das famílias menor do que se esperava, de 0,1%, em vez de 0,4%. Esse fato mais do que compensou a surpresa positiva do crescimento do investimento um pouco maior do que o projetado.

Os setores com desempenho abaixo do esperado foram o varejo e “outros serviços”, que são essencialmente serviços prestados diretamente às famílias.

A confiança do empresário tem voltado mais forte, compatível com a melhora do investimento. A confiança do consumidor, contudo, principalmente aquela que aparece no “indicador da situação atual”, ainda opera em níveis baixos.

A recuperação da economia é sólida, mas é lenta. É possível que o esgotamento do impulso fiscal advindo da liberação do FGTS explique a surpresa negativa no consumo.

Outra surpresa neste primeiro bimestre, agora positiva, foi a inflação bem mais baixa do que se esperava. O IPCA de janeiro foi de 0,29%, a prévia da inflação de fevereiro foi de 0,35%, sinalizando fechamento do índice em 0,30%. E é possível que em março a inflação seja de 0,20%. Ou seja, com as informações disponíveis até hoje, a inflação no primeiro trimestre será ao redor de 0,8%.

No relatório de inflação de dezembro, o Banco Central esperava inflação de 1,4% para o primeiro trimestre. É possível, portanto, que o ano se inicie com surpresa desinflacionária de 0,6 ponto percentual.

A maior parcela dessa surpresa desinflacionária tem ocorrido em serviços, item mais sensível à política monetária. Adicionalmente, pelo segundo ano consecutivo os modelos econométricos têm tido dificuldade de acompanhar a queda da inflação.

Há possibilidade real, apesar de não ser o cenário básico, de fechar o ano com inflação abaixo do piso de 3% estabelecido pelo regime de metas.

Aparentemente, a dinâmica da inflação brasileira mudou. É possível que a ociosidade da economia seja maior do que se imagina, provocando, portanto, maior força desinflacionária.

Adicionalmente, ocorreu uma alteração do regime de política econômica desde 2015, com o ajuste do ministro Joaquim Levy. Em um primeiro momento, em razão do ajuste do câmbio —necessário, pois o déficit externo em 2014 foi de 4,5% do PIB— e do descongelamento do preço da gasolina e de outras tarifas públicas, a inflação aumentou.

Demorou para cair em razão da elevada inércia e da baixa credibilidade do Banco Central à época. Passados esses fatores, estamos diante de um novo regime de política econômica.

Política fiscal e, principalmente, parafiscal (crédito dos bancos públicos), contracionista e maior credibilidade do Banco Central. É possível que, no novo regime de política econômica, o juro neutro seja substancialmente menor.

Juntando todos esses elementos, aparentemente mudou o processo de formação da inflação brasileira. Parece que navegamos mares desconhecidos. É, por um lado, uma boa notícia, pois ao longo da nossa história sofremos muito com inflações elevadas, e a novidade é que ela está surpreendentemente baixa. Por outro lado, esse novo regime demandará muito esforço de entendimento e abertura mental por parte da autoridade monetária.

Evidentemente, nada disso se manterá se não fizermos a reforma da Previdência.

* Samuel Pessôa é formado em física e doutor em economia. É pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV.

 

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