A entrevista do general Braga Netto é coisa de ditadura. Pedir pergunta antecipada e por escrito, limitá-las, não é a forma de comunicação democrática. Desse jeito não funciona, general. A intervenção federal é uma possibilidade de encontrar uma saída, mas os primeiros sinais são preocupantes. Não enfrentar a crise de segurança do Rio seria um erro porque a pressão da ditadura do tráfico piorou.
Tudo é mais complicado do que parece no Rio e no quadro da segurança do Brasil. Os protestos contra a intervenção têm razão em grande parte, principalmente porque alertam para a necessidade de precaução contra excessos. Há riscos e precedentes, mas as críticas pecam quando ignoram a atual realidade de quem vive encurralado entre o medo da tirania dos traficantes e o risco diário de violência na circulação pelo Rio de Janeiro. O general Braga Netto diz que é exagero da mídia, mas, num sinal de que não está à vontade no papel que exerce, se cerca dos seus colegas de farda, se fecha no mundo que entende e ao qual pertence. A cena dos três militares dando entrevista fardados parecia familiar aos mais velhos, como eu, mas podia ser apenas impressão. Afinal, as Forças Armadas têm um papel a exercer no Estado de Direito. A forma autoritária da entrevista, contudo, lembrava demais os velhos tempos.
O biombo de todos os presidentes anteriores na questão da Segurança Pública tem sido a Constituição. Ela entrega essa obrigação aos estados, exime os prefeitos, e os presidentes sempre atuaram nas crises se dizendo auxiliares dos governadores. Nada mais absurdo, principalmente agora que os principais crimes que se combate são federais. O presidente Michel Temer quer mostrar que mudou essa atitude, mas seu Plano Nacional de Segurança não saiu do papel, por que com o Ministério da Segurança seria diferente? Afinal, o nome completo do Ministério da Justiça incorporava esse assunto e tinha na sua alçada todos os órgãos que agora trocaram de ministro e de lugar na Esplanada. A torcida é para que o ministro Raul Jungmann encontre uma forma de coordenação com os estados e não use a “bomba atômica”.
A frase do presidente Temer definindo como “jogada de mestre” o que ele fez neste momento infeliz da história do Rio é desrespeitosa. Por outro lado, as manifestações prévias sobre os riscos de que a intervenção signifique opressão da população das favelas do Rio ignoram que ela já vive sob opressão de autoridades não constituídas pelo Estado brasileiro.
“Ninguém pode desrespeitar a lei do morro”. Assim uma moradora da Rocinha, com quem conversei esta semana, se referiu às várias regras de comportamento, de horário de circulação, de proibição de qualquer relacionamento com policial e outras ordens que emanam das autoridades do tráfico. Ela está deixando a Rocinha e vai para outro morro onde acha que estará mais segura e onde investiu todas as suas economias e as do marido. Lá na nova residência terá que obedecer à lei da milícia.
O general Braga Netto pode ser um bom gestor. Precisará de mais do que isso para vencer todos os enormes desafios que vão da falta de estrutura para a polícia à corrupção policial. Se ficar fechado em copas com as tropas não sairá do lugar. Precisará de investimento em inteligência, em integração, em troca de informação, em planejamento, em estudo das experiências que deram certo na urgente e difícil tarefa que lhe foi delegada. Precisará sobretudo de tempo e de recursos. Não pode se deixar usar numa “jogada de mestre” de um presidente que pode estar pensando em eleição.
O sucesso do general e de suas tropas depende do bom relacionamento com a comunidade do Rio e com a comunidade das favelas. Nesse ponto, a comunicação é essencial. Não há de ser com perguntas por escrito e normas autoritárias de entrevistas que ele vai inaugurar essa interação. Comunicação não tem uma via só. Isso funciona em regimes autoritários e não em sociedades democráticas. A entrevista poderia ser considerada apenas uma prova de maus modos dos entrevistados, mas foi mais um sinal de que talvez não se consiga avançar nesse esforço de normalização da vida no Rio de Janeiro. Sem comunicação não funciona, general.