Míriam Leitão: O certo do jeito errado

A autonomia do Banco Central é uma boa ideia que nunca prosperou no Brasil. Agora, o esforço que se faz é para estragar a boa ideia defendendo-a da forma errada. A proposta do senador Romero Jucá tem a oposição de quem sempre a defendeu, a começar do próprio Banco Central. Além de garantir a estabilidade, o órgão também teria que perseguir meta de desemprego baixo.
Foto: Banco Central
Foto: Banco Central

A autonomia do Banco Central é uma boa ideia que nunca prosperou no Brasil. Agora, o esforço que se faz é para estragar a boa ideia defendendo-a da forma errada. A proposta do senador Romero Jucá tem a oposição de quem sempre a defendeu, a começar do próprio Banco Central. Além de garantir a estabilidade, o órgão também teria que perseguir meta de desemprego baixo.

O Brasil acaba de viver duas experiências didáticas. O BC não teve autonomia no governo Dilma e uma das demandas da presidente era juros bem baixos. Resultado: a inflação ficou sempre alta, com brevíssimas exceções, acabou estourando o teto e chegando aos dois dígitos. Os juros, que haviam sido reduzidos, tiveram que ser elevados para evitar o descontrole. Desde a posse de Ilan Goldfajn o BC teve autonomia e conseguiu fazer seu trabalho de trazer a inflação para níveis baixos e pôde conduzir o mais longo ciclo de redução das taxas de juros. A autonomia entregou o que se pede ao Banco Central, que é a estabilidade de preços. Se ela for consagrada em lei, será mais fácil resistir às investidas de governantes intervencionistas.

E o desemprego? Ele começou a subir quando a política monetária aceitava uma inflação mais alta, no governo Dilma, e permaneceu alto no governo Temer, com uma tendência, em parte sazonal, de queda no final do ano passado. Deve continuar caindo durante este ano. O Banco Central que persegue com autonomia a estabilidade de preços faz mais pelo emprego do que o que aceita taxas mais elevadas.

A proposta apareceu no meio do pacote das quinze medidas que foi fechado às pressas no Planalto para dar a impressão de que o governo sabia o que fazer no momento seguinte em que enterrou a reforma da Previdência. Naquele conjunto de medidas sem um propósito definido foi incluído, no último momento, a ideia de Banco Central autônomo com duplo mandato, que seria apresentada pelo senador Romero Jucá, juntando todos os projetos sobre isso que já tramitam no Congresso, inclusive um do deputado Rodrigo Maia. Nenhum economista defensor da ideia gostou da proposta que também foi criticada pelo Ministério da Fazenda e Banco Central. Maia também não gostou.

A autonomia do Banco Central já enfrentou os abusos de uma campanha eleitoral. Defendida em 2014 pela candidata do PSB-Rede, Marina Silva, foi tema de uma agressiva campanha de ataque comandada pelo notório João Santana. Pratos sumiam das mesas dos pobres, cadernos eram tirados das mãos de estudantes e uma voz cavernosa culpava por toda essa maldade o Banco Central autônomo. E essa manipulação dos fatos, característica do estilo Santana, ainda era financiada com dinheiro sujo.

Agora Jucá disse que está pensando em incluir também uma meta de desemprego porque isso tornaria a ideia mais palatável para os políticos. Formatar esse projeto com o objetivo de agradar políticos é a receita certa do fracasso.

O mercado de trabalho neste momento tem desafios específicos de um tempo de mudanças radicais na forma de produzir. A transição para a nova economia com nova tecnologia de produção e o mundo digital têm reduzido o emprego. É um tempo desafiador. Como o Banco Central poderia diferenciar o desemprego causado pelas transformações tecnológicas, do supostamente causado pela política monetária apertada?

O Fed, com seu século de vida, história e serviços prestados à economia americana, tem duplo mandato. É isso que tem sido defendido agora. Como a jornalista Cláudia Safatle lembrou no artigo de ontem do “Valor”, quando precisou escolher o que combater, na gestão Paul Volcker, no começo dos anos 1980, elevou os juros para 21%. Mesmo lá, combater a inflação é o primeiro dos objetivos.

Inflação baixa não é um fim em si mesmo, é um meio que permite outros fins. O Banco Central quando consegue levá-la a um nível baixo está tornando possível a política de estímulo ao crescimento que poderá aumentar a oferta de emprego. Defender a moeda é o papel clássico do Banco Central e é isso que a nossa história prova. Há muitos exemplos de uso do BC para crescimento e baixo emprego que provocaram o efeito oposto. Por isso, se não for por um projeto consistente, a ideia deve ser abandonada.

 

Privacy Preference Center