Economia brasileira: Notas breves sobre as décadas de 1960 a 2020

Este texto reúne notas breves sobre as sucessivas décadas da economia brasileira, de 1960 a 2020, escritas para livro comemorativo dos 60 Anos da Itaú Asset Management.
Foto: Reprodução/Google
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Este texto reúne notas breves sobre as sucessivas décadas da economia brasileira, de 1960 a 2020, escritas para livro comemorativo dos 60 Anos da Itaú Asset Management

 

Fotomontagem (Arquivo Grupo BBM e JCom/D.A. Press)

DÉCADA DE 1960
Por André Lara Resende

 

No início dos anos 1960, as tensões entre o esforço desenvolvimentista e a falta de mecanismos institucionais para criação de poupança atingiram o ponto de ebulição. Desde a metade dos anos 1940, a partir da controvérsia entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen, duas visões alternativas de como proceder para recuperar o atraso da economia tinham se consolidado. O liberalismo tecnocrático acreditava que a estabilidade monetária e os mecanismos institucionais indutores da formação e da canalização da poupança para o financiamento do investimento eram pré-condição para o desenvolvimento sustentado. O nacional-desenvolvimentismo defendia a ação empresarial do Estado e considerava a inflação, não necessariamente como um fator inibidor do crescimento, mas como uma forma de viabilizar o investimento estatal.

Embora a vitória intelectual na chamada Controvérsia do Planejamento, entre Gudin e Simonsen, tenha sido inegavelmente do liberalismo de Gudin, a vitória política foi do nacional-desenvolvimentismo de Simonsen. Desde a primeira tentativa de estabilização monetária, ainda no governo Café Filho em 1954, sob a liderança do próprio Eugênio Gudin na Fazenda, até o último esforço de estabilização monetária antes do regime militar, o Plano Trienal sob a coordenação de Celso Furtado, todas as tentativas de controlar a inflação enfrentaram insuperáveis resistências políticas e sociais. Todas as tentativas de implementar um programa de estabilização da inflação e das contas públicas foram abandonadas antes de atingir seus objetivos.

O sucesso do nacional-desenvolvimentismo, na segunda metade da década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitschek, reforçou a percepção de que o desenvolvimento requeriria uma economia fechada à competição externa e que o processo de industrialização acelerada, baseado na substituição das importações e nos investimentos estatais, dispensaria um arcabouço institucional que induzisse à formação de poupança. A economia efetivamente cresceu e o país se industrializou, mas sem as bases institucionais para o financiamento do investimento, esteve sempre ameaçado pelo desequilíbrio externo e pela pressão inflacionária. Nos primeiros anos da década de 1960, a crescente instabilidade política e a aceleração da inflação intensificaram as tensões.

Ao tomar posse em janeiro de 1961, Jânio Quadros defrontou-se com a herança macroeconômica do período Kubitschek. Sem mecanismos institucionais para a criação de poupança, o esforço de industrialização acelerada provocara profundos desequilíbrios internos e externos. O tímido esforço de enfrentar o desequilíbrio externo, sem um programa de estabilização coerente, associado a uma base de sustentação política frágil, levou à renúncia de Quadros e ao colapso de seu governo em agosto de 1961. Seguiu-se um período de intensa turbulência política e instabilidade econômica, com a instauração do parlamentarismo, a volta do presidencialismo, até a instauração do regime militar em março de 1964. Entre janeiro de 1961 e março de 1964, o país teve três presidentes e seis ministros da fazenda, a economia se estagnou e chegou à beira da hiperinflação. A incapacidade de levar a cabo um programa de estabilização bem-sucedido explica-se, tanto pela turbulência política, quanto pela falta de consenso dos formuladores de políticas públicas em relação à estabilidade monetária como condição para o crescimento sustentado. Em março de 1964, o regime militar destituiu o governo de João Goulart. Alguns meses depois, sob a coordenação de dois expoentes do liberalismo tecnocrático, Roberto Campos e Otávio Gouvea de Bulhões, respectivamente nos ministérios do Planejamento e da Fazenda, foi anunciado um ambicioso plano de estabilização. O Programa de Ação Econômica do Governo, (PAEG), listava entre seus objetivos conter o processo inflacionário, reequilibrar as contas externas e retomar o crescimento da renda e do emprego.

Para isso pretendia reduzir o déficit do governo e fortalecer a capacidade de poupança, através de uma política tributária que levasse ao aumento da arrecadação e de uma política monetária que a fortalecesse o sistema creditício. Estava claro que os formuladores do PAEG subscreviam o diagnóstico liberal ilustrado, segundo a formulação original de Gudin, mas não se pautavam integralmente pelos cânones da ortodoxia monetária da época. Estavam convictos de que não poderia haver crescimento sustentado sem mecanismos institucionais de formação e canalização da poupança, mas suas intenções demonstravam excessiva preocupação com a rápida recuperação do crescimento.

Tinham consciência de que o combate à inflação deveria ser gradualista e que a estabilidade do sistema financeiro deveria ser preservada. Seu diagnóstico apontava para a incompatibilidade entre as parcelas reinvindicadas pelo Estado, pelas empresas para investimento e pela sociedade para consumo, como causa do quadro de desequilíbrio inflacionário. A inflação era entendida como resultado da “inconsistência da política distributiva”. A despesa pública era superior ao arrecadado através do sistema tributário e a política salarial era incompatível com a propensão a investir. A expansão monetária era entendida como apenas sancionadora dos desequilíbrios decorrentes da “inconsistência da política distributiva”. A adoção de uma fórmula de reajustes salariais que restabelecia, não o pico, mas o salário real médio dos últimos 24 meses anteriores ao mês do reajuste, foi peça fundamental para que a escalada inflacionária fosse interrompida sem aumento significativo do desemprego. A compreensão de que, mesmo com reajustes periódicos baseados na inflação passada, o salário real médio é função decrescente da taxa de inflação, e não pode ser corrigido pelo pico sem perpetuar a espiral inflacionária, foi contribuição intelectual do jovem Mário Henrique Simonsen, para o PAEG.

A política econômica do primeiro governo militar foi muito além do receituário ortodoxo simplista. Do diagnóstico à implementação, os formuladores do PAEG deixaram claro ter convicção da importância de reformas institucionais, sem as quais não haveria estabilização monetária nem crescimento sustentável. Três áreas foram destacadas como os principais pontos de estrangulamentos institucionais: primeiro, a precária estrutura tributária; segundo, a inexistência de um mercado de capitais e o mercado de crédito subdesenvolvido; e, por último, as ineficiências provocadas pela economia fechada e as restrições ao comércio internacional. As bem estruturadas e modernizantes reformas institucionais implementadas pelo PAEG serviram de base para o período de rápido crescimento observado já a partir de 1968.

Infelizmente, concluída a estabilização, os governos militares retomaram a cartilha nacionaldesenvolvimentista, baseada na economia fechada e nas empresas estatais. Quando, na segunda metade da década de 1970, os desequilíbrios das contas externas e as pressões inflacionárias reapareceram, agora combinados com a correção monetária, instituída para tentar viabilizar o mercado de capitais com o resíduo inflacionário, estava montado o quadro para quase duas décadas de estagnação e de aceleração inflacionária.


DÉCADA DE 1970
Por Pedro S. Malan

 

O Brasil ingressou na década dos 70 em invejável situação macroeconômica. Ao encerrá-la, encontrava-se  em  situação  insustentável,  cuja  superação  demandaria  pelo  menos  outra década. Este artigo discute os marcos essenciais desse impressionante movimento pendular.

O ano de 1970 encontrou o Brasil já no terceiro ano do que viria a ser o mais forte ciclo de expansão de sua economia no século XX. Em seis anos (1968-1973) o país cresceu a uma taxa média anual de mais de 10% em termos reais. O crescimento da indústria superou 13% ao ano e alcançou 15% (1968 e 1973). A inflação declinou de cerca de 25% para cerca de 15% ao final do período. O balanço de pagamentos foi superavitário em cada um desses seis anos e levou à simultânea acumulação de reservas internacionais (de U$200 milhões ao final de 1967 para U$6,4 bilhões em 1973) e de dívida externa (de U$5,3 para 12,6 bilhões). As importações de bens de capital e de insumos intermediários foram sempre superiores a 75% da pauta total, sem prejuízo à indústria instalada: a produção doméstica de bens de capital cresceu a uma média de cerca de 20% ao ano em termos reais no período.

Esse desempenho espantoso foi possível devido a conjunção inédita de fatores domésticos e internacionais. A expansão do volume de comércio global foi mais que o dobro da taxa de crescimento entre 1968 e 1973. As exportações globais em dólares cresceram a 18% ao ano; as brasileiras, 25%. (Vinham de base muito baixa: os U$1,7 bilhões de 1951, devidos à alta dos  preços  do  café  do  início  dos  anos  50,  somente  foram  superados  em  1968).  As importações cresceram 27% no período.

Foi  igualmente  fundamental  a  retomada  gradual,  a  partir  dos  anos  60,  dos  fluxos internacionais  de  capitais  privados,  praticamente  inexistentes  desde  a  crise  de  1929.  O retorno à plena conversibilidade das principais moedas europeias (a partir de 1959) e do Yen (a partir de 1964) conferiu impulso aos fluxos de comércio como a seu financiamento; e também, em escala crescente, ao financiamento privado de déficits em conta corrente do balanço de pagamentos.

Ainda mais determinante foi o fato de esse contexto internacional favorável ter coincidido com importantes mudanças no “front” doméstico:

1.a) Avanços  institucionais  e  legais  introduzidos  nos  anos  60  nas  áreas  tributária, (instituição do imposto sobre valor agregado –  ICM), da dívida pública (títulos do Tesouro),  trabalhista  (introdução  do  FGTS)  e  na  legislação  habitacional;  e,  não menos importante, no sistema financeiro (criação, em 1965, do Banco Central).

1.b) A recuperação da economia baseada na utilização de capacidade instalada gerada no ciclo  de  investimentos  da  era  Kubitschek,  que  tivera  utilização  reduzida  no          conturbado período de 1962-1966.

1.c) A   política   econômica   pós-1967,  caracterizada   por   pragmatismo   e   aposta   na aceleração do crescimento da produção doméstica e das exportações, ajudada pelo  contexto interacional e por uma política de minidesvalorizações do câmbio (crawling peg )  a  partir  de  1968;  o  resultado  foi  uma  expansão  nominal  do  crédito  ao  setor  privado superior a 40% na média do período 1969-1973, para uma inflação inferior a 20%.

O ano de 1973 foi um divisor de águas. Marcou o fracasso do arranjo monetário internacional acordado em Bretton-Woods em 1944 – o dollar-gold exchange system , ou sistema de taxas fixas – mas – ajustáveis”, ancoradas em uma relação fixa entre o dólar e o preço do ouro. Desde o início de 1973 ficou claro que o mercado teria que mudar para um sistema de taxas flexíveis entre as moedas relevantes, e que o ouro havia se transformado na  relíquia bárbara a que se referiu Keynes. As consequências foram históricas, e o dólar se desvalorizou cerca de 30% em relação às principais moedas do mundo. Somou-se a esse quadro a quase quadruplicação dos preços internacionais do petróleo, decidida pela Organização dos Países Exportadores do Petróleo ao final do ano. Esses preços haviam permanecidos relativamente estáveis nos anos 50 e 60, subido ligeiramente com o “boom” da economia global no início dos anos 70; e encontravam-se em torno de U$3 no início de 1973. Como eram denominados em dólar, a  desvalorização  dessa  moeda  representava  perdas  para  os  exportadores  do  petróleo.  A guerra do Yom Kippur em fins de 1973 e a decisão de elevar os preços via controle da oferta levaram o barril do petróleo a U$12 ao final do ano. O Brasil importava mais de 80% do consumo doméstico de petróleo; de cerca de 10% da pauta total de importações, o produto passou a representar, abruptamente, mais de 25%.

Haveria  ainda  um  fato  novo  e  de  maior  importância  para  países  que,  como  o  Brasil, procuravam diferir no tempo os inevitáveis custos do ajuste derivados do choque dos termos de troca e da resultante perda de renda real. A “reciclagem” dos superávits comerciais dos países exportadores de petróleo através dos grandes bancos internacionais privados permitiu a esses países, Brasil incluído, passar de uma fase de “growth led debt” (1968-1973) para fase de “debt led growth” (1974-1980). Nossa dívida externa saltou de U$12,6 bilhões em fins de 1973 para U$ 50 bilhões em 1979, dos quais U$34 bilhões constituídos por empréstimos em moeda, concedidos a taxas de juros flutuantes.

Durante o Governo Geisel (1974-1978), o recurso ao endividamento externo e a adoção de medidas de estímulo às substituições de importações, incluindo notadamente o Pro-Álcool, permitiram que a taxa média de crescimento da economia continuasse expressiva até o final da década: 8,2% em 1974 aos 6,8% de 1979, incluindo surpreendentes 10,3% em 1976. Entre 1974 e 1978 os preços internacionais do petróleo permanecerem praticamente constantes e, portanto, declinantes em termos reais dada a inflação global acelerada pelo primeiro choque. Alguns analistas consideraram satisfatório o ajustamento dos balanços de pagamentos.

No entanto, o déficit do balanço de pagamentos em conta corrente acumulado de 1974 a 1979 chegou a U$ 40 bilhões, financiados por ingressos via conta de capital praticamente da mesma   magnitude.   Sem   perdas   de   reservas   internacionais,   mas   com   aumento   do endividamento externo. Esse desequilíbrio expressava um nível de gastos (público e privado, em consumo e investimento) e distribuição de renda incompatíveis com o crescimento da economia com inflação sob controle. Tratava-se da recorrente armadilha macroeconômica brasileira – inflação e desequilíbrio do balanço de pagamentos como resposta a tentativas de aumentar a demanda, na expectativa de pronta resposta da oferta doméstica. Dois dramáticos choques externos foram mortais para a aposta no ajuste via crescimento com endividamento externo “transitório”: a drástica elevação dos juros americanos, decidida pelo Fed em 1979; e o segundo choque dos preços do petróleo, que os levou para mais de U$30 por barril em fins de 1979.

O  Brasil  entraria  nos  anos  80  com  desequilíbrios,  externo  e  interno,  insustentáveis. Expressos,  o  primeiro,  por  déficits  potenciais  no  balanço  de  pagamentos  não  mais financiáveis através de ingressos via conta de capitais, além de uma dívida externa impagável nos termos (prazos e taxas de juros flutuantes) contratados. O segundo, por uma taxa anual de inflação que evoluíra de menos de 20% no início dos 70 para cerca de 40% em meados da década; e que, ao final de 1979, caminhava para três dígitos, como de fato chegou em Ano em  que  a  década,  que  começara  tão  auspiciosamente,  terminou  em  situação insustentável. Mas essa é outra história.


 

Foto: Agência Brasil

DÉCADA DE 1980
Por Mário Mesquita

 

Os anos 1980 marcaram uma dupla transição para a economia e sociedade brasileira. Sob o ponto de vista político-institucional, a década marcou a transição do regime autoritário para a democracia, cujos símbolos maiores foram a assembleia constituinte eleita em 1986 e seu produto, a Constituição de 1988. Infelizmente, sob o ângulo econômico a década marcou também uma inflexão negativa da taxa de crescimento brasileira. Foi, também, um período marcado  por  fortes  e  recorrentes  intervenções  (altamente  discricionárias)  do  estado  na economia, nada menos que quatro planos heterodoxos, com congelamento mandatório de preços, e alterações também voluntaristas e unilaterais das regras que regiam a remuneração dos investimentos. Houve um forte aumento da instabilidade nas equipes econômicas, ainda que, especialmente na segunda metade da década, muitas das políticas, de corte fortemente heterodoxo, fossem similares.

Do ponto de vista de orientação geral da política econômica, a década tem um divisor de águas claro em 1985. A política econômica do governo Figueiredo, depois do fracasso da tentativa de fuit en avant  de 1979-80, voltou-se quase que exclusivamente para o ajuste externo, em especial após a eclosão da crise da dívida latino-americana em 1982 – cuja gestação, cabe assinalar,  ocorreu  na  década  anterior,  quando  governos  da  região,  inclusive  o  nosso, apostaram em uma estratégia de crescimento com endividamento externo que aumentou em muito a vulnerabilidade a um possível aperto monetário nos EUA, o que acabou ocorrendo. Sob o ponto de vista do reequilíbrio externo, a política foi exitosa, o déficit em conta corrente saiu de 5,4% para um superávit de 0,1% do PIB entre 1980 e 1984, ainda que ao custo de uma recessão, com taxas de crescimento anuais médias de -0,3% entre 1981 e 1984, ante uma média  de  6,5%  no  quadriênio  anterior.

Adicionalmente,  as  medidas  de  ajuste  cambial, notadamente a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, em ambiente de indexação intensa, contribuiu  para  aumentar  a  inflação  anual  da  faixa  de  100%  para  a  de  200%  (mais especificamente, 99,3% em 1980 a 215,3% em 1984).

Na segunda metade da década, já sob o regime civil, a prioridade voltou-se para o combate à inflação. Mas tratava-se de um combate à inflação de corte puramente heterodoxo, com seguidas tentativas de desindexação da economia sem grande apoio das políticas de demanda, fiscal e monetária, seja por questão de viés de diagnóstico ou de falta de suporte político – políticas de demanda contracionistas eram, e seguem sendo, tabu para certas correntes de economistas que tinham grande influência na época. O resultado é conhecido, aumento da volatilidade e do nível da inflação, crescente dificuldade no financiamento da dívida pública e a moratória da dívida externa de 1987.

O crescimento médio da economia retrocedeu para 2,9% (1980-89), ante 8,8% na década anterior, um declínio liderado pelo setor industrial. A queda da produtividade, seja em termos absolutos  ou  relativos,  frente  ao  comportamento  da  mesma  em  economias  na  fronteira tecnológica,  como  os  EUA,  foi  provavelmente  consequência  do  aumento  das  barreiras comerciais, crescimento do peso das empresas estatais, e favorecimento à substituição de importações no segmento de bens de capital (com produtos mais caros e menos eficientes do  que  os  importados),  que  caracterizou  a  política  de  industrialização  forçada  dos  anos setenta.

Sem resolver o problema da dívida externa, muito menos controlar a inflação, e com uma forte  desaceleração  do  crescimento,  a  década  de  1980  foi  mesmo,  do  ponto  de  vista econômico,  uma  década  perdida  –  em  contraste  com  o  grande  avanço  das  liberdades democráticas. Mas, cabe reconhecer, assim como as raízes da abertura e transição política remontam ao renascimento da oposição civil a partir das eleições de 1974, a deterioração da performance da economia vivida nos anos 1980 teve em parte origem nos erros estratégicos e táticos da gestão econômica da década anterior.


 

DÉCADA DE 1990
Por Edmar Bacha

 

Turbulência e transformação. Dois termos que sintetizam a evolução da economia brasileira na década de 1990. Ela se abriu com as mais altas taxas de inflação da história brasileira. Era a antecipação do congelamento de preços que se esperava com a posse de Fernando Collor na presidência em março de 1990.

O  choque  foi  maior  do  que  o  esperado.  O  Plano  Collor  incluiu  um  inédito  confisco  da riqueza financeira dos brasileiros, na visão canhestra de que um tiro de canhão desse porte daria cabo da hiperinflação. Seguiu-se uma queda temporária da inflação, acompanhada da mais profunda recessão até então experimentada pelo país. O congelamento de preços e salários pouco durou e as chamadas torneirinhas monetárias logo tiveram que ser abertas, devolvendo aos brasileiros o dinheiro que lhes havia sido subtraído. Houve uma retomada na economia, mas também o retorno de uma virulenta inflação. No entremeio, o governo Collor   introduziu   duas  importantes   novidades   na   condução   da   economia   brasileira: privatização das empresas estatais e abertura às importações.

Acusado da montagem de um amplo sistema de corrupção, para não ser destituído Collor renunciou à presidência no final de 1992. Substituiu-o seu vice-presidente, Itamar Franco, que em sete meses trocou por três vezes o ministro da fazenda, aparentemente incapaz de encontrar uma maneira de lidar com uma inflação descontrolada. Mas, num golpe de mestre, em maio de 1993 convocou Fernando Henrique Cardoso, até então seu ministro das relações exteriores, para o ministério da  fazenda. Este trouxe para o ministério e o banco central economistas  que,  na  PUC-Rio,  vinham  há  anos  estudando  formas  de  lidar  com  a superinflação  brasileira.  Alguns  deles  haviam  participado  do  Plano  Cruzado  em  1986.  O Plano Real foi estruturado e uma bem-sucedida reforma monetária introduzida em julho de Depois de quinze anos da mais alta inflação acumulada da história mundial em tempos de paz, o Brasil conquistou a estabilidade de preços e uma nova era se abriu para o país.

Foto: Arquivo/PSDB

 

Na esteira do sucesso do Plano Real, Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da república  no  final  de  1994  e  reeleito  em  1998.  Seus  oito  anos  na  presidência  foram  um período  de  profundas  transformações  no  país:  estabilização  de  preços,  retomada  do crescimento, renegociação  da dívida externa, saneamento do sistema bancário, redefinição do papel do Estado na economia, lei de responsabilidade fiscal, autonomia operacional do Banco Central, recuperação do poder de compra dos salários, ampliação da escolaridade, fortalecimento do sistema de saúde, introdução dos programas de transferência condicionada de renda.

Também foram anos de extraordinária turbulência na interação dos mercados financeiros internacionais com os países emergentes. Após uma expansão desmesurada da entrada de capitais  estrangeiros  nesses  países,  as  consequências  negativas  do  endividamento  externo excessivo  se  manifestaram  de  forma  sucessiva:  crise  mexicana em  1995,  crise  do  sudeste asiático em 1997, crise russa em 1998.

O Brasil foi atingindo por essas turbulências num período em que a estabilização de preços ainda se consolidava. Sob a pressão de gastos públicos crescentes, apesar de aumento dos impostos o superávit primário das contas públicas se evaporou. O governo procurou então se ancorar numa taxa de câmbio apreciada e em juros elevados. Em consequência, piorou a balança comercial e aumentou o peso da dívida no déficit público.

O Brasil passou a ser a bola da vez do mercado financeiro internacional. Sob a pressão de uma  fuga  de  capitais,  o  esquema  de  política  econômica  não  conseguiu  se  sustentar.  A economia estancou em 1998 e o câmbio administrado sucumbiu em janeiro de 1999.

O  último  ano  da  década  foi  de  redefinição  da  política  econômica.  Em  março  de  1999, estabeleceram-se novas regras para as políticas cambial, monetária e fiscal: câmbio flutuante, metas  de  inflação  e  superávit  primário  nas  contas  do  governo.  Após  alguns  meses  de turbulência, a tempestade se amainou. O país estava então preparado para colher os frutos das auspiciosas transformações porque passou na turbulenta década de 1990.


 

DÉCADA DE 2000
Por Ilan Goldfajn

 

A  década  de  2000  foi  um  período  rico  em  acontecimentos  relevantes.  No  âmbito internacional, foi a década do boom de commodities e do forte crescimento global, com impactos no Brasil. Mas também foi a década da crise financeira internacional e da estagnação que se seguiu.  Internamente,  foi  a  década  do  sucesso  do  tripé  macroeconômico  e  das  reformas microeconômicas, mas terminou com uma mudança de direção que culminaria, na década seguinte, com o experimento fracassado da Nova Matriz Econômica.

Foi essa sequência de políticas econômicas domésticas, adotadas ao longo da década, que determinou o desempenho macroeconômico nesse período e também fundamentou o que se seguiu. A adoção do tripé macroeconômico e as reformas microeconômicas tornaram a economia  mais  sólida,  o  que  permitiu  que  o  crescimento  global  levasse  ao  crescimento acelerado entre 2003 e 2010 no Brasil. Já a partir de 2006, com a troca no comando da equipe econômica, houve mudança de direcionamento. Intervenção e expansionismo em excesso, sob o pretexto de se contrapor à desaceleração global, pesaram sobre a economia brasileira na década seguinte.

Na década de 2000 se consolidaram os três grandes pilares do famoso tripé macroeconômico:

(i) a implantação do sistema de metas para a inflação em 1999, que proporcionou um regime de  política  monetária  que  combinava  flexibilidade  e  credibilidade,   tendo  como  principal objetivo atingir metas  para a inflação;

(ii)  a consolidação fiscal, com o estabelecimento de metas de superávits primários e o acordo com os Estados, além da importante aprovação da Lei  de  Responsabilidade  Fiscal  (LRF)  em  maio  de  2000,  que  promoveu  o  equilíbrio  das contas  públicas;  e

(iii)  o  estabelecimento  do  regime  de  câmbio  flutuante,  que  permitiu absorver choques ao longo da década.

Além do tripé macroeconômico, o esforço do governo entre 2003 e 2006 na implementação de  reformas  microeconômicas  –  como  a  nova  lei  de  falência,  a  introdução  do  crédito consignado,  as  mudanças  das  regras  para  alienação  fiduciária  e  o  aperfeiçoamento  do patrimônio  de  afetação  e  do  valor  incontroverso  –   contribuiu  para  o  aumento  da produtividade que se seguiu.

Em termos de resultados imediatos, a década foi um sucesso. As reformas microeconômicas aliadas ao cenário externo de forte crescimento global e elevação do preço das commodities entre  2003  e  2010  marcaram  fortemente  o  desempenho  da  economia  brasileira.  O crescimento médio foi de 4,6% ao ano nessa década e foram obtidas importantes conquistas sociais – como a redução da desigualdade da renda do trabalho, com queda de 10% do índice de Gini, e a queda de 29% da pobreza.

Foto: Agência Brasil

 

Esse sucesso na redistribuição da renda e na queda da pobreza se deveu ao forte crescimento do salário real e do emprego na década. Mas se deveu também,  à rede de proteção social, com a criação do Bolsa Família, em 2003, que colocou sob um mesmo arcabouço várias  iniciativas  que  haviam  sido  testadas  nos  anos  anteriores.  O  consequente  crescimento  de renda da população deu suporte à entrada no mercado de consumo de milhões de brasileiros.

A  bonança  internacional  e  as  políticas  adotadas  no  começo  da  década  permitiram  a reconquista da confiança dos investidores internacionais. O declínio da dívida bruta e da dívida líquida, como percentual do PIB, a acumulação de reservas internacionais e liquidação da  dívida  externa,  e  a  queda  sucessiva  da  avaliação  do  risco  Brasil  culminou  com  o recebimento do grau de investimento das agências de risco em 2008 – em abril da Standard & Poor’s e em maio da Fitch Ratings.

Mas nem tudo foi vento a favor. Houve choques negativos. Por exemplo, entre julho de 2001 e fevereiro de 2002, o Brasil enfrentou forte crise de fornecimento de energia que restringiu o crescimento da economia. A situação foi muito agravada em 2002 por uma também forte crise de confiança, resultante das eleições e das dúvidas sobre as intenções do novo governo.

Houve  saída  de  capitais  e  consequente  overshooting  do  câmbio.  A  inflação  aumentou substancialmente e só voltou para a meta após anos.  No final, o governo eleito conseguiu reverter os humores do mercado ao seguir a política econômica instalada pela administração anterior.

Se, por um lado, a década pode ser caracterizada por sucesso nos resultados imediatos, por outro, seu legado deixou a desejar. Ao sentir os efeitos da crise financeira internacional, o Brasil adotou uma política econômica anticíclica, tanto na esfera fiscal quanto na monetária e na creditícia. A perenização dessa política anticíclica nos anos que se seguiram é a marca inicial da adoção da Nova Matrix Econômica que desestruturou o tripé macroeconômico e resultou  em  desequilíbrios.  Anos  mais  tarde,  esses  desequilíbrios  nos  levaram  à  maior recessão enfrentada pela economia brasileira.


 

DÉCADA DE 2010
Por Armínio Fraga Neto

 

Curioso  que  a  década  dos  2010  tenha  começado  com  um  ano  de  7,5%  de  crescimento, festejado à época como um sinal de que o Brasil tinha encontrado um novo caminho para o desenvolvimento acelerado. Em meio ao otimismo, os brasileiros festejavam a década na qual o futuro parecia finalmente ter chegado: iniciamos o período imersos na preparação e na execução de duas festas de renome global, a Copa do Mundo e as Olimpíadas.  Entre os projetos grandiosos e a esperança de um futuro melhor, no entanto, nos deparamos com um presente muito menos charmoso. Não demoraria até que os sinais dos erros acumulados ao longo de vários anos viessem à tona.

Passados apenas cinco anos, teve início a maior recessão de nossa história, agora próxima do fim, mas não antes de uma queda de 10% no PIB per capita. Como se não bastasse o fiasco econômico, esse período foi também caracterizado por uma série de episódios de corrupção em grande escala e pelo inevitável descrédito da maioria dos políticos e seus mais de trinta partidos. Que diabo aconteceu? Como chegamos a esse ponto? Tem cura?

Em primeiro lugar, é fundamental que se entenda a natureza dessas crises, suas origens e interseções.  O  principal  sintoma  é  uma  falência  generalizada  do  Estado,  hoje  quebrado, corrupto, injusto e ineficaz. Quebrado pois está no cheque especial, se endividando de forma galopante, corrupto pois virou um balcão de negócios privados e partidários,  injusto pois subsidia mais aos ricos do que aos pobres, e ineficaz pois na prática pouco faz para dar à maioria das pessoas reais oportunidades de progresso.

Ainda que seja tentador apontar uma ou outra medida em particular, a verdade é que não foram poucas as escolhas que divergiam do receituário adotado nos quinze anos anteriores. O  conjunto  da  suposta  nova  obra  era  tão  único,  que  ganhou  um  nome:  a  Nova  Matriz Econômica.

Em consonância com este receituário, a taxa de juros alcançou o seu mínimo histórico no início da década, em uma decisão que desafiava os fundamentos econômicos vigentes e as deficiências estruturais de nosso país. As boas intenções também geraram severas distorções no  mercado  de  crédito:  em  um  espaço  relativamente  curto  de  tempo  vimos  uma  forte expansão do estoque crédito no país, em larga medida mantido pela concessão de subsídios bilionários que não trouxeram os dividendos sociais prometidos à época.

(Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

 

Em câmera lenta, os primeiros sinais do desastre anunciado começaram a aparecer. Com um crescimento que cada vez mais se distanciava dos bons resultados iniciais, o governo fez uso de medidas intervencionistas em diversos segmentos da economia, cavando espaço para os “campeões nacionais” à custa da maioria dos brasileiros. No apagar das luzes dos estádios superfaturados, choramos mais lágrimas do que seríamos capazes de imaginar após o 7×1. A goleada sequer tinha começado, e se estenderia por muito mais do que noventa minutos. Somente depois de dois anos de uma crise sem precedentes, começamos a ver a luz no final do túnel.

Reconhecidas as origens dos desequilíbrios que nos trouxeram até aqui, cabe à sociedade definir quais serão os próximos passos. A agenda econômica requerida passa por temas que já foram pauta de outros carnavais. A verdade é que várias manchetes vistas nos jornais de hoje  em  muito  podem  lembrar  os  leitores  daquelas  que  também  marcaram  outras  fases difíceis da economia brasileira. Muitas delas fazem menção ao compromisso com o equilíbrio fiscal, que tanto foi relegado a segundo plano nos últimos anos. Alguns passos importantes já foram tomados, mas é preciso mais. A forte dependência de receitas extraordinárias e o elevado  grau  de  rigidez  dos  gastos  públicos  são  os  desafios  mais  óbvios.  Do  lado  da produtividade, além de atacarmos de frente as históricas deficiências de nossos sistemas de educação e saúde, será preciso avançar na ampla agenda microeconômica, que inclui além de passos importantes como aqueles dados recentemente no campo trabalhista e no âmbito do BNDES, a reforma tributária, a abertura da economia e a privatização da grande maioria das estatais.

A  economia  depende  da  política  para  fazer  as  correções  de  rumo  necessárias  no  longo caminho  que  temos  pela  frente.  No  entanto,  e  apesar  da  aprovação  recente  de  algumas reformas  estruturais  importantes,  a  política  não  tem  sido  capaz  de  encarar  uma  ampla reforma do Estado pois carece de credibilidade. Esta carência por sua vez parece de difícil cura no curto prazo, posto que a política se encontra amplamente carcomida pelo cupim da corrupção. As crises se auto alimentam, e exibem raízes comuns. A solução vai exigir esforços paralelos no campo político, econômico e moral, algo impensável até pouco tempo atrás, mas talvez agora alcançável através do próprio funcionamento das instituições em ambiente de liberdade de expressão e de imprensa.


 

Foto: Petrobras/Divulgação

DÉCADA DE 2020
Por Marcos Lisboa

 

Nem tudo é má notícia. É certo que tivemos uma severa recessão, a mais severa desde que temos dados disponíveis. Também é igualmente correto que o ambiente  de negócios não colabora. A complexidade institucional desafia o empreendedor mais otimista. Das regras tributárias, passando pela legislação trabalhista, até as normas de comércio exterior, muitas das nossas instituições parecem desenhadas para reduzir o investimento privado e a geração de renda e de emprego. Além disso, precisamos fazer um ajuste fiscal de 300 bilhões de reais para evitar a paralisia do setor público ou que a dívida pública se torne insustentável. Para agravar o quadro, devem ser reformar as regras da previdência, ou as contas públicas vão se agravar ainda mais.

As condições podem não ser boas, mas não são novas. Há vinte anos sabemos que adiar a reforma  da  previdência  iria  resultar  em  graves  problemas.  O  Brasil  atravessa  uma  rápida transição demográfica. Nos anos 1960, as famílias tinham, em média, mais de 6 filhos por casal. As novas gerações têm, atualmente, menos de 1,8. Nos próximos 35 anos, a população idosa irá aumentar mais de 260%. A população que trabalha, por outro lado, irá se reduzir em 6%. Com as regras atuais da previdência, o gasto irá aumentar em 6 pontos do PIB, agravando o já severo desequilíbrio fiscal.

Há  dez  anos  sabemos  que  as  contas  públicas  do  Rio  de  Janeiro  são  insustentáveis  e  o principal  desequilíbrio  ocorre  na  aposentadoria  dos  servidores.  Desde  o  fim  da  década passada, alertou-se que a retomada da agenda nacional desenvolvimentista iria ser um tiro no pé, com queda da produtividade, desperdício de recursos públicos e o resultado seria mais a repetição do fracasso do Governo Geisel.

Todos esses problemas eram menosprezados até recentemente. A campanha presidencial de 2014 simplesmente os ignorou.

Pois bem, a boa nova é que os problemas estão sendo discutidos e o atual governo desistiu da criatividade que dominou a política econômica durante quase uma década, além de iniciar uma  agenda  de  reformas,  apesar  das  crises  da  política.  O  resultado  foi  desanuviar  as perspectivas de insolvência fiscal que parecia inevitável há pouco mais de um ano. A curva de juros de mercado fechou, o que permitiu a queda da Selic e da inflação. A opção por uma política monetária convencional e que prima pela comunicação precisa resulta na retomada da atividade e do emprego um ano depois.

Foto: Marcos Corrêa/PR

 

A reforma da previdência deixou de ser tabu. Muitos reconhecem os imensos fracassos das políticas  de  desenvolvimento  resgatadas  a  partir  de  2008,  como  a  expansão  do  crédito subsidiado para empresas selecionadas ou as regras de conteúdo nacional. Foram aprovados a emenda constitucional que limita o crescimento dos gastos públicos, a reforma trabalhista e a criação da TLP. Aos poucos, o debate público parece preferir à análise da evidência ao preconceito. A agenda de reformas  no Congresso  avança mesmo quando a coordenação política do governo se ausenta.

As mudanças são imensas no setor privado e na política. Empresários criticam os subsídios desmedidos  e  defendem  a  concorrência  e  a  abertura  comercial.  Políticos  são  eleitos governadores prometendo ajustar as contas públicas. Começa a existir um debate sobre os problemas e os difíceis dilemas a serem enfrentados.

É verdade que ainda impressiona o montante do ajuste fiscal para evitar a paralisia do setor público nos próximos anos, além do risco de a dívida entrar em uma trajetória insustentável, um ajuste que vai necessitar da revisão de diversas normas legais nas políticas sociais e nos benefícios para diversos setores produtivos, como as desonerações e diversos subsídios. Mas, ao menos, os problemas estão mais claros e ocorre o debate sobre como enfrenta-los.

A norma constitucional conhecida como Regra de Ouro proíbe o país se endividar além das despesas de capital, que inclui os investimentos e a amortização da dívida. A boa regra veda dívida    para    pagar    despesas     correntes.     O    seu   descumprimento         implica     crime    de responsabilidade.  Trata-se  de  uma  regra  que  colabora  com  a  sustentabilidade  das  contas públicas.

Em 2018, a necessidade de financiamento do setor público deverá ultrapassar em 184 bilhões de  reais  o  permitido  pela  Regra  de  Ouro.  Medidas  excepcionais,  como  a  devolução  dos recursos emprestados ao BNDES, contribuirão para cobrir a diferença. Nos anos seguintes, entretanto, o cumprimento da Regra de Ouro somente será possível com diversas reformas que reduzam os gastos obrigatórios, caso contrário assistiremos a paralisia do setor público.

O país encontra os limites de uma longa tradição de criação de despesas obrigatórias que se revelam incompatível com o crescimento da renda. A boa notícia é que os problemas estão claros e o país começa a enfrenta-los.

Além disso, caso o país consiga fazer o ajuste fiscal, existe uma extensa agenda de reformas para retomar o crescimento econômico por muitos anos à frente. Essa agenda passa por reduzir a burocracia desnecessárias, simplificar o sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios. A infraestrutura se beneficiaria do fortalecimento das agências reguladoras e da melhora  da  governança  do  setor  público.  Metas  claras  de  desempenho  e  a  avaliação independente  da  qualidade  da  política  pública  contribuiria  para  a  melhor  qualidade  dos serviços  oferecidos,  sobretudo  em  educação,  onde  nossos  resultados  são  inferiores  aos obtidos nos demais países emergentes.

A  evidência  disponível  indica  que  a  progressiva  implementação  dessa  agenda  pode  ter impactos  imediatos  e  significativos  sobre  a  produtividade  e  permitir  uma  agenda  de desenvolvimento econômico.  Na década passada, reformas tímidas, como a introdução do consignado e a alienação fiduciária, permitiram o forte crescimento do crédito privado, que passou de 10% para 30% do PIB em poucos anos.

A agenda de reformas passa também pela melhora da qualidade da política pública. O Brasil gasta  mais  do  que  muitos  países  emergentes  em  várias  políticas, como  educação.  Apesar disso,  nossos  resultados  são  piores  nas  comparações  internacionais.  Melhoras  na  gestão pública podem ter impactos significativos sobre a eficácia e eficiência do gasto público.

Não se trata, porém, de agenda fácil, afinal nossas distorções não decorrem de acidentes. Grupos de interesse e empresas ineficientes se beneficiam das muitas distorções e privilégios concedidos  pelo  poder  público.  Apesar  das  resistências,  aos  poucos  avança  a  agenda republicana  de  tratar  igualmente  os  iguais,  com  a  uniformização  das  regras  tributárias,  a abertura comercial e a melhora da gestão da política pública.

Quem sabe consigamos realizá-las e, na próxima década, estejamos discutindo, apenas, os novos  problemas  de  um  país  que,  finalmente,  comece  a  cumprir  a  sua  promessa  de desenvolvimento com inclusão social. Dessa vez, de forma sustentável.

 

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