Por que é tão difícil derrubar estigmas e evitar o julgamento, muitas vezes vindo das jovens?
Por Míriam Goldberg, especial para o Globo
RIO — Recentemente, entrevistei uma bela mulher de 74 anos. Quando eu disse que ela parecia muito mais jovem e tinha um corpo maravilhoso, fiquei surpresa com a sua reação:
— Minha neta diz que sou uma velha ridícula e que não tenho mais idade para usar legging, camiseta e tênis o tempo todo. Ela tem vergonha de sair comigo, quer que eu me comporte como uma senhorinha. Mas o que deve vestir uma mulher da minha idade para fazer ginástica? Ela me critica tanto que estou acreditando que sou uma velha ridícula.
No livro “Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?”, mostrei muitos relatos dos preconceitos que as mulheres sofrem, como o de uma jornalista de 67 anos.
“Minha filha me chama de velha doida, coroa piriguete, velhota sem noção e sem vergonha na cara, porque meu namorado tem 40 anos. Ela diz que ele tem idade para ser meu filho e tem nojo de imaginar que nós transamos. Diz que eu já tenho netos e devia ter me aposentado nesse departamento.”
Uma professora aposentada de 72 anos não aguenta mais as ofensas das duas filhas.
“Elas querem controlar tudo, desde minha forma de vestir até o meu dinheiro. Querem que eu pare de viajar, ir a restaurantes e shows, como se tudo o que eu ganhei na vida fosse delas. Elas me xingam de velha gagá, velha maluca, ameaçam pedir a minha interdição por dilapidar o patrimônio da família. Acham que eu tenho que ficar trancada em casa cuidando dos netos.”
Em inúmeras entrevistas, encontrei o mesmo tom preconceituoso e desrespeitoso com o envelhecimento feminino.
“Tenho 61 anos, mas meu corpo não mudou quase nada. Fui comprar um jeans de uma grife famosa e a vendedora me tratou com total desprezo. Seu olhar de nojo gritava: ‘Você não se enxerga, sua velha baranga? Não quero a etiqueta da minha loja desfilando na bunda de uma velha decrépita’. Fiquei chocada, já que as jovens falam tanto de sororidade, de feminismo, de empoderamento. Como ela não percebe que está sendo cúmplice da violência que todas as mulheres sofrem, que está alimentando o preconceito contra si mesma no futuro?”
Na minha pesquisa com 1.700 moradores do Rio, as mulheres mais jovens (especialmente as que têm entre 25 e 45 anos) são as que demonstram estar mais infelizes, insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas. Elas reclamam, principalmente, de falta de tempo, falta de reconhecimento e falta de liberdade. Algumas ainda dizem que “falta tudo”!
Perguntei o que elas mais invejam nos homens. Elas responderam, em primeiríssimo lugar: liberdade. Em seguida disseram: fazer xixi em pé. Elas também invejam a liberdade masculina com o próprio corpo e a liberdade sexual. Sessenta por cento das mulheres que eu pesquisei invejam a capacidade masculina de brincar e de rir de qualquer bobagem. Perguntei: “Por que vocês não riem mais?” Elas responderam: “Porque eu não tenho tempo ou tenho muito medo do que os outros vão pensar.”
Quando perguntei aos homens o que eles mais invejam nas mulheres, eles responderam simplesmente: nada.
Também perguntei o que as mulheres mais invejam em outras mulheres. Elas responderam: corpo, beleza, juventude, magreza e sensualidade. O corpo invejado por elas é jovem, magro e sensual. No Brasil, este modelo de corpo é considerado um verdadeiro capital.
Não é à toa que as brasileiras estão entre as maiores consumidoras de todo o mundo de cirurgia plástica, Botox, preenchimentos, tintura para cabelo, remédios para emagrecer, moderadores de apetite, medicamentos para dormir e ansiolíticos. São as que estão mais insatisfeitas com o próprio corpo, e as que mais deixam de sair de casa, ir a festas e até mesmo de trabalhar quando se sentem velhas, gordas e feias. Elas têm um verdadeiro pânico de envelhecer, como mostra uma professora de 45 anos.
“A minha maior crise foi quando fiz 40 anos. Todas as minhas amigas e colegas de trabalho já fizeram plástica, Botox e preenchimento. Minha filha me proibiu de usar minissaia, shorts e biquíni. Estou na fase do ‘será que eu posso?’ Tenho que passar pelo julgamento dela antes de sair de casa. Eu me sinto invisível, transparente, ignorada, uma mulher ‘nem, nem’: nem jovem, nem velha.”
Em um momento de importantes lutas e conquistas feministas, é fundamental denunciar as pressões sociais que levam tantas brasileiras a aceitar e fortalecer, com seus medos e inseguranças, os preconceitos e estigmas relacionados ao envelhecimento feminino.
Simone de Beauvoir escreveu que velho é sempre o outro, já que a maior parte das pessoas de mais idade só se sente velha por meio do olhar dos outros, sem terem experimentado grandes transformações interiores ou até mesmo exteriores. No entanto, ela alertava: velho não é o outro, pois a velhice está inscrita em cada um de nós.
Vale a pena lembrar que a única categoria social que inclui todo mundo é velho. Somos classificados como homem ou mulher, negro ou branco, homo ou heterossexual, mas velho todo mundo é: hoje ou amanhã. A jovem de hoje é a mulher de mais idade amanhã. Só assumindo consciente e plenamente, em todas as fases da vida, que nós também somos ou seremos velhas, poderemos ajudar a derrubar os medos, estereótipos e preconceitos existentes sobre o envelhecimento feminino.
Por isso defendo que, como nos movimentos libertários do século passado, todas as mulheres, de todas as idades, deveriam vestir uma camiseta com os dizeres: “Eu também sou velha. E velha é linda! Somos livres, enfim!”
Cada uma de nós, principalmente as mais jovens, deveria se reconhecer na velha que é hoje ou na velha que será amanhã. Velha não é a outra; velha sou eu!
*Míriam Goldberg é antropóloga, professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de “A bela velhice” (Record)