Recuperação econômica não enfraquece o nacional-populismo, que com vigor e sintonia com Trump e Putin constitui uma séria ameaça ao projeto integrador europeu
Um fantasma percorre a Europa e, obviamente, já não é o comunismo ou a internacional socialista: é a internacional nacionalista. O sintagma pode parecer um paradoxo, uma mera figura retórica, mas não é. Em quase todo continente, alimentadas por múltiplas insatisfações e ansiedades próprias do século XXI, prosperam formações de viés nacionalista que representam uma ameaça existencial para o projeto europeu, e que compartilham estratégia e tática. A maioria é de direita, mas algumas também são de esquerda ou de inspiração ideológica atípica.
Seu potencial para desestabilizar a União Europeia, além disso, foi redobrado pela sintonia natural desses movimentos e partidos com as instâncias nacionalistas representadas por Vladimir Putin e pelo próprio Trump. Falta saber até onde essa sintonia pode chegar, mas já há múltiplos casos de sinergia, do financiamento russo à Frente Nacional francesa à escolha da Polônia como destino da primeira grande viagem europeia do presidente norte-americano; do pacto de cooperação entre o partido de Putin e a Liga Norte italiana ao retuíte por parte de Trump de vídeos islamofóbicos de ativistas britânicos de extrema-direita.
O quadrilátero de Visegrado
Justamente a Polônia e os países do Grupo de Visegrado (Hungria, República Tcheca e Eslováquia) constituem um dos nós de maior importância para o futuro do projeto europeu. Juntos os quatro somam uma população parecida à da França ou a da Itália e o quinto PIB da UE (quarto após a saída do Reino Unido). Representam a espinha dorsal dessa Europa centro-oriental que tanto ansiou a adesão à UE após a queda do muro de Berlim, quando o papa João Paulo II clamava para que a Europa voltasse a “respirar com seus dois pulmões”. Sua mudança de atitude é, em certo sentido, assombrosa. Depois de ter recebido transferências vultuosas em forma de fundos estruturais e de ter protagonizado uma etapa de desenvolvimento sustentado, agora formam um combativo grupo de oposição a um leque de polícias europeias, especialmente as relacionadas com questões migratórias e com uma visão liberal da sociedade. O quarteto, encabeçado pelos Governos polonês e húngaro, mostra que a resistência ao projeto integrador não se deve somente aos problemas econômicos.
Frequentemente se relaciona o atual auge nacional-populista no Ocidente com a Grande Recessão de 2008-2009. O caso do Visegrado evidencia que há muito mais além disso. Todos os países da zona do euro entraram em recessão em 2009; das 39 economias consideradas como avançadas pelo FMI, só Austrália, Israel, Coreia do Sul e Macau se salvaram.
No meio desse vendaval, a Polônia nunca entrou em recessão e, no entanto, sua população optou por uma guinada radical com a eleição de um Governo ultraconservador em 2015. Os outros três países do grupo até entraram em recessão, mas conseguiram sair rapidamente dela. Nesses casos se vê que o apoio a líderes e a políticas nacional-populistas não é fruto apenas da rejeição aos aspectos econômicos da globalização, mas também, e em boa parte, ao apego a tradições, valores culturais e morais que são considerados em risco. A Europa precisa dar uma resposta a isso se quer prosseguir com seu projeto integrador.
Europa ocidental
No outro pulmão da Europa, como diria João Paulo II, a situação é diferente. Os representantes da internacional nacionalista não alcançaram o poder. No entanto, suas propostas políticas têm exercido enorme influência nos partidos tradicionais.
Observemos os acontecimentos no coração do projeto europeu, o eixo franco-alemão. Na Alemanha, os democratas-cristãos da Baviera (CSU), aliados de Merkel, acabam de eleger como líder um político defensor de duras políticas migratórias. A CSU, de fato, já mostrou no passado grande sintonia com o pensamento do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban. Por outra parte, na França, os republicanos, partido herdeiro da tradição gaullista, realiza neste fim de semana primárias nas quais se espera a vitória de um candidato que representa a ala radical. Depois da curva à direita liderada por Nicolas Sarkozy, o partido parece distante de posições centristas, ocupadas por Emmanuel Macron, e prossegue sua caminhada para a direita. O fenômeno se repete, com características distintas, em muitos países. O próprio Brexit parece ser resultado de uma tentativa dramática dos conservadores de fechar a porta para a expansão do antieuropeu UKIP.
A questão migratória é a prova por excelência dessa osmose política, e não apenas nas correntes de transmissão internas das ágoras nacionais entre radicais e moderados, mas também em escala continental. No início da crise, as propostas migratórias do húngaro Orban eram consideradas extremistas, em geral. Mas várias de suas teses estão atualmente no coração da política migratória europeia, que fez do fechamento das pontes levadiças sua estratégia principal, como demonstra o acordo coletivo com a Turquia ou a ação italiana na Líbia.
Resta saber se a Orbanização da política migratória europeia poderá se repetir, por exemplo, em questões de cunho social, moral e educativo. Mas o que está claro é que do gabinete de comando – nos países do Visegrado – ou nas retaguardas parlamentares – no pulmão ocidental –, a internacional nacionalista representa um desafio enorme para o desenvolvimento do projeto europeu em seu eixo histórico liberal. Emmanuel Macron parece ter entendido bem a situação e aposta tudo na busca por um equilíbrio que conjugue esses instintos liberais com a ordem de forjar uma “Europa que protege”, um de seus lemas favoritos. Uma Europa liberal que protege pode, também, parecer um paradoxo. Não mais que a internacional nacionalista, esperam muitos europeístas.