Acentuou-se, em 2017, o quadro de incerteza na política brasileira, com a afirmação de tendências preocupantes, do ponto de vista da consolidação da democracia.
Por Caetano Pereira de Araújo
No aspecto econômico, a progressão da crise foi contida, num primeiro momento, e depois revertida, com a guinada na política econômica que o governo Temer promoveu. No entanto, a recuperação, além de frágil, está hoje sob risco, em razão da vulnerabilidade política crescente do governo.
No plano estrito da política, as investigações conduzidas no âmbito da operação Lava-Jato passaram a atingir, metodicamente, as principais lideranças do PMDB, grandes nomes do PSDB, além do próprio Presidente da República. Em decorrência desse fato, cada um dos grandes partidos brasileiros vive sua própria crise, e é difícil discernir agora o impacto que essas denúncias poderão ter nas eleições de 2018.
No âmbito dos movimentos sociais, organizados nas redes e nas ruas, o movimento mais visível é a emergência de uma forte onda conservadora, sustentada, de um lado, na incapacidade de o Estado garantir a segurança do cidadão, exibida todos os dias pelo noticiário; e, de outro, no apelo a uma pauta conservadora nos costumes. Nos dois casos, mobilização pelo medo: medo concreto da violência e medo de ameaças imaginárias a identidades definidas em termos tradicionais.
O CENÁRIO ELEITORAL
Por fim, ao longo do desdobramento da crise, o cenário eleitoral parece incapaz, até o momento, de gestar alternativas democráticas e renovadoras, com potencial para superar efetivamente a crise, em todos os seus aspectos. As pesquisas sinalizavam, como sinalizam até agora, a liderança de Lula e Bolsonaro, ou seja, um cenário de escolha entre o campo responsável por grande parte da crise política e econômica que vivemos e o candidato da direita antiliberal, conservadora e autoritária.
A confirmação desse cenário depende, contudo, de diversos fatores, entre eles o desfecho dos julgamentos de Lula. O ritmo da Justiça Federal da 4ª Região praticamente inviabilizou a estratégia procrastinadora. e vão-se frustrando suas esperanças de ser anistiado pelo voto.
Os dois polos que lideram hoje as pesquisas eleitorais são uma resposta regressista à crise, por isso mesmo incapazes de superá-la e de conduzir o país na direção de uma nação desenvolvida e socialmente justa.
O amplo campo democrático não está contemplado nessas duas alternativas nem se sente representado por elas. O desafio dos democratas que vão da esquerda democrática à centro-direita liberal é construir uma alternativa agregadora capaz de combinar o ideário liberal com a generosidade democrática e reformista da esquerda renovadora.
Apenas com a combinação da democracia liberal com um projeto de refundação do estado e com o reformismo permanente no plano social que o Brasil poderá superará a maior crise de sua história. Por enquanto essa perspectiva não se expressa em uma candidatura agregadora, pois prevalece a pulverização no campo do centro democrático. Mas essa realidade pode vir a ser superada nos próximos meses.
O QUE FIZEMOS
Nessa conjuntura difícil começou a ser articulada, em maio de 2017, por antigos militantes de histórico partidário variado, a Roda Democrática. Tinham por objetivo reunir aqueles que partilhavam de suas preocupações, avançar na formulação de uma agenda para enfrentar a crise, mobilizar os cidadãos em torno dessa agenda e, por fim, influir no cenário eleitoral, oferecendo propostas e apoiando candidatos, sem perder sua autonomia em relação aos partidos políticos.
A Roda desenvolveu na prática seus instrumentos de trabalho.
Discussão nas redes sociais, sucessivas reuniões presenciais em diferentes capitais, articulação com movimentos de objetivos semelhantes, reuniões com candidatos. Em poucos meses, a trajetória é de sucesso: mais de mil participantes em grupo criado no facebook;
reuniões expressivas em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife; relações estabelecidas com movimentos sociais como o Vem pra Rua, Acredito, Ética e Democracia, entre outros; além de contatos agendados com candidatos de diversos partidos.
NOSSAS PREMISSAS
Nesse percurso, a Roda Democrática conseguiu avançar na definição de uma agenda mínima de propostas, a partir de três premissas básicas.
Em primeiro lugar, o repúdio a qualquer solução autoritária e o compromisso com a democracia representativa. É evidente que há uma crise mundial da representação política, agravada no Brasil pelas peculiaridades da regra eleitoral aqui praticada. Também é evidente que há uma demanda crescente do cidadão por novos mecanismos de fiscalização, controle e participação direta nas decisões.
No entanto, seria ilusório pensar que esses mecanismos tem o condão de substituir a representação política. O caminho correto é a reforma, o aperfeiçoamento permanente das regras que regulam a representação e sua articulação com instrumentos de participação direta do cidadão.
Em segundo lugar, a urgência na reformatação ou refundação do Estado. Novos tempos exigem um Estado de novo tipo, focado na manutenção da estabilidade econômica, no avanço no caminho da sustentabilidade e na provisão a todos os cidadãos de saúde, educação, segurança pública e mobilidade urbana. Não um Estado que se entenda como carro-chefe do desenvolvimento, como direcionador das ações da iniciativa privada, mas sim um Estado preocupado em criar as condições ótimas para que indivíduos e empresas exerçam sua liberdade de iniciativa da forma mais eficiente possível.
A refundação do Estado pressupõe que o Estado interventor na economia na condição de produtor e financiador dê lugar a um Estado regulador do mercado, no sentido de, ao memso tempo, proteger os consumidores e a sociedade e dar segurança jurídica aos investidores. Além de regulador, esse estado deverá ter a missão de provedor dos direitos sociais básicos do cidadão por meio de serviços públicos de qualidade; condição indispensável para a promoção da equidade.
Finalmente, o fim de todas as barreiras à integração plena do Brasil na economia mundial. Cada vez mais, como mostram os exemplos bem-sucedidos da Ásia, o caminho do desenvolvimento passa pela inserção nas cadeias produtivas mundiais de bens e serviços que o processo de globalização molda continuamente.
Recusamos, portanto, a pretensão à autarquia, característica do nacionalismo dos anos cinquenta, do projeto de Brasil potência desenvolvido pela ditadura militar e, no campo da esquerda, da estratégia fundada numa revolução nacional anti-imperialista.
A AGENDA DEMOCRÁTICA
Com fundamento nessas três premissas, a Roda Democrática considera que uma agenda mínima do campo democrático para o país deve contemplar ao menos os seguintes tópicos.
1 – Todo apoio às investigações em curso, no âmbito de diversas operações com foco no financiamento das campanhas e nas relações espúrias entre os eleitos e seus financiadores, respeitados os limites que o estado democrático de direito impõe.
2 – Compromisso com a responsabilização política de todos aqueles que se revelarem culpados, inclusive aqueles que integram hoje a coalizão governista.
3 – Reforma política profunda, com centro na mudança do sistema eleitoral, de maneira a maximizar a representatividade dos eleitos, a fiscalização e o controle sobre seus atos, bem como sua responsabilização, perante partidos e eleitores.
4 – Apoio às diretrizes de política econômica do governo Temer, que retoma o norte definido nos dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, em paralelo à crítica permanente a seu governo, nos casos de implementação parcial ou vacilante dessa política.
5 – Apoio à agenda das reformas, em particular à continuidade da reforma da previdência e ao início da deliberação a respeito da reforma tributária, a partir, nesse caso, dos princípios de simplificação, transparência, descentralização e progressividade dos impostos.
6 – Combate aos privilégios das corporações de servidores públicos, o que inclui, além de uma regra universal de previdência, a regulação única do teto de remuneração e políticas de pessoal articuladas entre os três Poderes, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
7– Implantação de uma política eficaz de equidade, que contemple a um só tempo políticas de renda, políticas de igualdade de oportunidades (educação, saúde, segurança, justiça e mobilidade, entre outras questões) e políticas de combate à discriminação e ao preconceito.