Tentativa de entrada no ‘clube dos ricos’ da política internacional vem sendo frustrada. Diante da recusa da organização, cabe a pergunta sobre qual o interesse do país nesta adesão
Por Antonio Freitas
A OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), uma espécie de clube dos ricos da política internacional, tem negado ao Brasil entrada como membro pleno. O pedido brasileiro foi feito em maio de 2017. A expectativa do governo era de que a aprovação inicial se desse em julho e que, antes do final de 2018, fosse possível cumprir com os requisitos e completar o processo. A adesão se faz em três momentos: primeiro, recebe-se sinal verde, numa votação por consenso, dos 35 países membros da OCDE, quando se inicia negociação de cronograma de reformas e ajustes em matéria tributária, ambiental, econômica e financeira, entre outras; depois, acordam-se os termos e, por fim, após um período de adaptação, que pode levar muitos anos, dá-se a entrada como membro pleno.
A adesão se faz em três momentos: primeiro, recebe-se sinal verde, numa votação por consenso, dos 35 países membros da OCDE, quando se inicia negociação de cronograma de reformas e ajustes em matéria tributária, ambiental, econômica e financeira, entre outras; depois, acordam-se os termos e, por fim, após um período de adaptação, que pode levar muitos anos, dá-se a entrada como membro pleno.
Expectativas à parte, há frustração e incompreensão. O Brasil é atualmente o último de uma fila que tem três países já em processo de entrada (Colômbia, Costa Rica e Lituânia) e outros cinco (Argentina, Romênia, Bulgária, Peru e Croácia) que aguardam o sinal verde. Há, portanto, pelo menos oito países à nossa frente. A mais otimista previsão indica meados de junho de 2018 para início da adesão brasileira. Um pouco de realismo, entretanto, sugere que os países membros provavelmente aguardarão o resultado das eleições brasileiras do final de 2018. Nesse meio tempo, é possível que Argentina e outros países confirmem a dianteira.
As razões imediatas do bloqueio, que por enquanto não é exclusivo ao Brasil, devem-se fundamentalmente aos norte-americanos, que não estão de acordo com a ampliação rápida e aparentemente sem critérios da organização. Há também resistências e relutâncias difusas de outros países. Qual o objetivo da OCDE com a incorporação de novos países, alguns deles, como o Brasil, em crise profunda? É bom que a organização, que já se alargou bastante desde 2010, cresça ainda mais? Por que isso deveria ser feito de forma tão acelerada? Quais os custos envolvidos?
O secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, tendo prometido adesão rápida às autoridades brasileiras, está em posição incômoda. Criticado pelo açodamento, e desautorizado nos bastidores, sua última cartada deu-se em fins de novembro de 2017, quando formalizou proposta aos 35 países membros para aceitarem o início da adesão dos seis países em blocos “2+2+2”. A formação dos pares depende de negociações, mas acredita-se que a Argentina estaria no primeiro bloco, para início imediato, e o Brasil no último.
A proposta teria o mérito de manter o processo vivo. Acomoda sinalização que os norte-americanos teriam feito em favor da candidatura argentina, à qual se somaria um país europeu para manter equilíbrio entre regiões. Posteriormente, outras duplas seriam chamadas a entrar. Ganha-se algum tempo, as aparências são mantidas, permitindo a Gurría e ao governo brasileiro salvarem um pouco a face diante das promessas e expectativas não cumpridas. Há dúvidas, entretanto, se a proposta será aprovada.
O tropeço na OCDE não haveria de ser vergonha para o Brasil, senão apenas falha de avaliação e talvez de condução diplomática. Erros acontecem, o cenário internacional é turvo e incerto. As ambições político-financeiras do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e de setores mais afobados do governo pesaram nas deficiências de julgamento. Um Itamaraty enfraquecido, sob o controle de senadores do PSDB paulista, decerto teve seu papel. Ao Parlamento cabe supervisionar a política externa, mas a crise torna mais complicada essa função.
Até aí, tudo bem, é uma bola fora, mas a vida segue. O problema é que a situação evoluiu de maneira atabalhoada. Refletindo em parte alguns problemas de coordenação na Esplanada dos Ministérios, há alguns meses o presidente Michel Temer foi levado por Aloysio Nunes, ministro de Relações Exteriores, a autorizar abertura de missão diplomática junto à OCDE. Um gesto obviamente um pouco precipitado, pois o caminho ainda não fora liberado pelos países-membros. Um gesto também caro, pois prevê gastos com imóvel, residência ao chefe da missão, assessores diplomáticos, assistentes administrativos, carros e motoristas, verbas para viagens e representação. Cabe lembrar que Paris, sede da OCDE, já conta com Embaixada, Consulado-Geral e uma missão brasileira junto à Unesco.
Dando sequência a esse movimento, o governo solicitou “agrément” — uma espécie de aceite do Estado que hospeda a missão — para a nova representação brasileira em Paris. Para nossa consternação, entretanto, o pedido foi negado. Fomos lembrados pelos franceses de que somos país observador, não membro pleno. Como oferecer imunidades e privilégios para missão diplomática se o processo de adesão nem sequer foi autorizado?
Será que há precedentes para essa situação na história diplomática brasileira? Não faço ideia. No mínimo, já fomos melhores. Enfim, o pequeno vexame do agrément pode ser considerado uma bobagem. Afora piadas que circulam na comunidade diplomática internacional, e certa orfandade daqueles designados para a nova missão, o impacto imediato é pouco relevante. É uma situação um pouco constrangedora, mas sobreviveremos. Pelo menos por enquanto economizamos algum dinheiro, pois os gastos com a OCDE seriam enormes. Nesse meio tempo, aguardamos as eleições de 2018, quando o ingresso na organização poderá ser melhor discutido com a população.
Este é o ponto central: no atual cenário da política brasileira e internacional, vale a pena envidar esforços para entrar na OCDE? Por que essa pressa aparentemente desordenada? Será que alguns países não se aproveitarão para extrair concessões importantes em outras negociações conosco? Quanto será gasto no sustento da burocracia em Paris? Estamos dispostos a acomodar nossas estruturas financeiras, tributárias, regulatórias e ambientais, entre outras, a legislações internacionais das quais não participamos do processo de formulação? Somos um país rico? Quais os impactos da adesão para nossas relações com outros países e grupos? Vamos enfraquecer as articulações com os países em desenvolvimento?
O Brasil é o único dos Brics que disputa adesão (a Rússia foi barrada em 2014 em função dos acontecimentos na Crimeia). Curiosamente, é o país que enfrenta a maior crise. Por que China, Índia, África do Sul e Indonésia, entre outros grandes países em desenvolvimento, não demonstram interesse em entrar para a OCDE? Se, como observador, o Brasil participa de dezenas de comitês e grupos da organização, acompanhando de perto debates, relatórios e exercícios coletivos, quais as vantagens concretas que teremos como membro pleno?
Entendo que com as dificuldades na candidatura, os brasileiros ganhamos tempo para melhor discutirmos essas questões. Temos assim uma janela para ponderarmos custos e benefícios, riscos e prioridades. Para a OCDE, o impasse também não é exatamente ruim. Após terem recebido Chile, Estônia, Eslovênia e Israel em 2010, a Letônia em 2016, e tendo Costa Rica, Lituânia e Colômbia a caminho, não está claro até onde vai e qual a finalidade de mais uma ampliação. A recusa norte-americana, nesse sentido, é bem-vinda, oferece tempo para reflexão.
Estamos em último na fila. Não vamos nos iludir. A visão internacional do Brasil é negativa. Os jornais da França, país sede da OCDE, estão coalhados de lamentos por nossa situação. Críticas duras, por vezes. Há desconforto entre diplomatas brasileiros e estrangeiros, também entre funcionários e a liderança da OCDE. Nossa capacidade de articulação segue decaindo, não somos convidados para alguns encontros, em outros não fazemos uso da palavra. Estamos alheios aos grandes temas, presos à pauta do Supremo Tribunal Federal, a intrigas partidárias, sob olhares desconfiados e distantes da comunidade internacional.
Um tanto de cautela, outro tanto de pudor. A OCDE afirma orgulhar-se de seus compromissos com os valores da democracia e da economia de mercado. Como incorporar em seus quadros as relações espúrias de financiamento e montagem de coalizões do sistema político brasileiro? A organização conta com centenas de trabalhos, grupos e iniciativas de combate à corrupção, evasão fiscal, lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Como encaixar, nesse contexto, conversas pouco republicanas ocorridas nos porões do Jaburu? Como ignorar as aplicações de Meirelles nos paraísos fiscais que queremos combater?
Argumenta-se que a aprovação da entrada do Brasil, neste momento, feriria princípios, estatutos, declarações oficiais e códigos de ética da OCDE. Não seria surpresa que processos em tribunais franceses e internacionais sejam abertos caso a adesão brasileira prossiga de forma acelerada. Passaríamos constrangimento duas vezes maior. A OCDE correria o risco de, uma vez eleito novo governo, ter revisados os termos para nossa entrada. Na pior das hipóteses, o acordo poderia ser denunciado. A pressa é má conselheira. A prudência é virtuosa.
Antonio Freitas é diplomata licenciado e atualmente administra a livraria Tapera Taperá, em São Paulo. As opiniões contidas neste ensaio são expressas em caráter pessoal.