Ronaldo Osmar, acusado de agenciar a morte de Vicente Canãs em abril de 1987 foi condenado pelo tribunal do júri a 14 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado. Em continuidade ao julgamento iniciado na quarta-feira, 29, o júri popular acompanhou, na manhã de ontem (30/11), as sustentações orais que direcionam ao réu Ronaldo Osmar a responsabilidade de agenciar a morte de Vicente Canãs e decidiu, no fim da tarde, pela condenação do ex-delegado da Polícia Civil de Juína, localidade onde ocorreu o crime.
Por Guilherme Cavalli, da assessoria de comunicação – Cimi
“Não é coincidência que um homem magro, barbudo, tenha sido martirizado pela demarcação das terras indígenas. A história se repete há mais de dois mil anos”. Vicente Canãs, missionário espanhol que se fez Enawenê Nawê, estava nu quando foi covardemente assassinado. Nu vai além da condição de unicamente despido. No sentido figurativo da afirmação, encontrava-se sem nenhuma proteção. Vitimado por uma emboscada arquitetada pela ganância. A morte de Jesus foi confirmada com uma perfuração no abdômen pela lança de um soldado romano. Vicente foi encontrado em terra com uma perfuração na mesma região daquele que seguia.
“É uma causa da sociedade, de justiça e memória”, sustentou Ricardo Pael, procurador do Ministério Público Federal. “A importância desse julgamento vai além do Brasil e do Mato Grosso. Esse júri faz memória a história de colonização do Brasil, que foi violenta. A polícia do local do assassinato, responsável pela investigação, omitiu sua função. Desconsiderou a história de violência e a realidade. Nenhum fazendeiro foi inquerido na época”.
“Estamos muito contente. Isto abre um precedente impressionante no país para julgamentos de impunidade contra os povos indígenas. Depois de tantos anos de espera, é uma grande alegria saber que Vicente, meu tio, continuará o caminho para a proteção dos povos através do julgamento”, afirma Rosa Cañas, sobrinha de Vicente.
O Condenado
À época, Ronaldo Osmar cumpria designação em cargo público junto a Delegacia de Polícia de Juína, localidade do crime que tirou a vida de Vicente Cañas. Documentos anexados aos autos do processo e trazida na sustentação do crime pelo Ministério Público Federal questionaram a omissão do ex delegado na investigação. “Era conhecido o conflito fundiário na região. As terras dos Enawenê Nawê eram desejadas por fazendeiros e madeireiros e viam em Vicente uma ameaça, uma força aos indígenas que pediam para demarcação. Contudo, mesmo sabendo disso, nenhum fazendeiro foi investigado”, sustentou Pael, procurador federal.
“O réu intermediou os interesses dos fazendeiros. Agiu para eliminar o empecilho dos interesses fazendeiros. Além de arregimentar o grupo que assassinou, orientou como proceder”, continuou o procurador. “A morte de Vicente foi pega pelos interesses de exploração das terras. Se utilizavam da força da polícia para cometer crimes”. Eram recorrentes as conversas que rondavam na região de Juína sobre o pedido de extradição do Vicente por parte de fazendeiros e madeireiros.
Assim como o líder religioso que andou em Nazaré e por toda a Galileia, memória recordada pelo promotor da república Ricardo Pael, Cañas cumpriu o chamado profético de denunciar as injustiças, a morosidade nas demarcações, a invasão às terras indígenas. Pós em evidência os gemidos da periferia e por isso é mártir da demaração dos Enawenê Nawê. As galileias modernas são outras, contudo, consistem as vítimas que ousam as denunciar.
Profetismo e perseguição
Constantemente, o corpo de defesa levantou a especulações de que organizações religiosas lançara as provas sobre o assassinato do missionário jesuíta. “As provas foram produzidas unicamente por particulares, Operação Anchieta, Fundação Nacional do Índio e Conselho Indigenista Missionário”, sustentaram incansavelmente os advogados e criminalistas conhecidos por advogar aos grandes.