Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (53ª edição)
Dois filmes emblemáticos de ficção científica completam este ano 55 anos de suas estreias no cinema e são referências até hoje, não apenas para os admiradores de sci-fi – uma enorme legião de aficionados! – mas para os amantes de cinema, em geral. Estou me referindo a 2001 – Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick (1928-1999), e Planeta dos Macacos, de Franklin J. Schaffner (1920-1989), ambos lançados em 1968.
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Depois deles, o gênero foi elevado a outros parâmetros. Cada qual à sua maneira, tornaram-se modelos, que hoje em dia rendem fortunas em bilheterias.
Para além das questões técnicas e inovações que trouxeram, uma característica que faz esses filmes serem lembrados é, acima de tudo, as histórias que contam e as questões, atualíssimas, que levantam quanto ao futuro da humanidade.
À primeira vista, pelo enredo que apresenta, O Planeta dos Macacos aparenta ser uma bobagem: um grupo de astronautas aterrissa em um planeta que é dominado por símios e no qual os humanos são tratados e caçados como animais.
Mas o filme, adaptação do livro do escritor francês Pierre Boulle (1912-1994), marcou época, graças ao roteiro inventivo, à competente direção de Schaffner, à ótima atuação dos atores e à uma maquiagem excepcional, que levou um prêmio especial na premiação do Oscar – a categoria não existia até então. A produção custou U$$ 5,8 milhões, e a bilheteria americana rendeu US$ 32,5 milhões. O sucesso foi tamanho que gerou continuações, séries e rebbot que se desdobram até os dias atuais.
2001 – Uma Odisseia no Espaço teve sua estreia em dois de abril de 1968. O roteiro, livremente inspirado no conto A Sentinela (The Sentinel), de Artur C. Clarke (1917-2008), foi escrito a quatro mãos por Kubrick, já considerado um dos melhores cineastas de sua geração, e Clarke, considerado um dos maiores escritores de ficção científica de todos os tempos.
A reunião dessas duas figuras gerou uma das obras mais idolatradas da história do cinema. Reza a lenda que Clarke não gostou do que viu na première. Alegou que o filme tinha poucos diálogos. A versão que chegou às salas de cinema (149 minutos) tem menos 19 minutos do que a vista por Clarke, em razão de cortes feitos pelo próprio Kubrick.
De fato, 2001 é carregado de “calmarias”. Os primeiros 25 minutos e os últimos 23 não têm diálogos, só trilha sonora. Contando esses momentos de mudez e outros que acontecem ao longo do filme, o total é de 88 minutos sem conversas. Sobram 61 para os diálogos, grande parte deles travada no embate entre o Hall 9000, uma máquina de Inteligência Artificial (IA) de última geração, com sua fala monocórdia, e o comandante da espaçonave Discovery One. Passado mais de meio século da estreia da fita, o uso cada vez maior da IA no cotidiano humano gera indagações importantes, como a feita pelo historiador Yuval Noah Harari em artigo publicado em O Globo (28/03): Precisamos aprender a dominar a inteligência artificial antes que ela nos domine.
2001 está carregado de cenas de grande beleza visual. A sequência inicial, em que o hominídeo descobre que o osso de um animal pode servir de arma para subjugar outros grupos rivais na pré-história e, para comemorar o fato, lança o osso para cima, virou um dos momentos mais sublimes do cinema. O osso sai girando no ar, em câmera lenta, ao som de Assim Falou Zaratrusta, de Richard Strauss (1864-1949). Em seguida, há um corte para o ano de 2001, com satélites a “navegar” o espaço sideral, ao som da valsa Danúbio Azul. Só música, a destacar a ligação do homem pré-histórico com o astronauta do futuro.
Kubrick não viu problema nesses “silêncios”. Suas produções anteriores tinham diálogos e narrações em off. Mas este foi intencionalmente quieto. Para ele, o importante era proporcionar uma experiência intensamente subjetiva. “Se o filme conseguir atingir pessoas que nunca pararam para pensar no destino do Homem, terá tido sucesso”, afirmou à época.
O Planeta dos Macacos vai em outra linha. Ao despertar de uma hibernação induzida, o comandante Taylor – interpretado por Charles Heston – descobre que está no ano de 3971, dois milênios à frente de seu tempo.
A princípio, estaria em um planeta desconhecido. Aos poucos, constata-se que os animais deste planeta são humanos que não falam e são “domesticados” e caçados por macacos. Aparentemente, a evolução se inverteu: agora os macacos é que são a espécie dominante, inteligentes, enquanto os humanos são “animais” irracionais.
Ao descobrir que os visitantes vindos do espaço falam, os chimpanzés, cientistas, se interessam em pesquisar sua história, desconfiados de que os macacos evoluíram dos humanos. No entanto, são impedidos pelo chefe político e líder de uma seita religiosa, um orangotango que tem uma versão diferente para o surgimento dos símios. Os militares, gorilas, têm uma aliança com o religioso e mantêm a ordem e os humanos sobre o poder das armas. Alguma semelhança com o mundo atual?
A cena icônica de O Planeta dos Macacos é o seu fim. Após tanto tempo da estreia, não há problema de spoiler. Fugindo dos gorilas, o personagem de Heston se depara com a Estátua da Liberdade em uma praia deserta e árida, devorada pelo tempo, semicoberta. Mensagem clara: o homem destruiu a Terra. Provavelmente em uma guerra nuclear, já que a Guerra Fria era um dos maiores temores da época em que o filme foi realizado.
No entanto, o recado serve também de sinal para o perigo da devastação dos nossos recursos naturais, que pode condenar a humanidade a um futuro no qual o deserto e as chuvas torrenciais predominem. Estão aí as mudanças climáticas batendo às portas.
Dois grandes filmes, com mensagens que ainda nos fazem refletir sobre qual modelo de civilização queremos.
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista e escritor
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março de 2023 (53ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da revista nem da FAP.
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