José Maria Tomazela / O Estado de S.Paulo
SOROCABA – A Amazônia se tornou uma floresta de crimes. As atividades ilícitas praticadas há muito na região, e intensificadas nos últimos anos, são favorecidas por um ecossistema que interconecta crimes ambientais a delitos financeiros, tributários e, em última instância, até ao tráfico de drogas e a disputa de facções locais. Estudos desenvolvidos sobre operações na região mostram que o desmatamento não anda sozinho.
A derrubada da floresta está, assim, ligada a outras atividades diretas que visam ao lucro, como a grilagem de terras, a agropecuária em locais proibidos e a mineração clandestina. Uma análise de 369 operações da Polícia Federal nos últimos cinco anos mostrou que em 30% dos crimes ambientais havia suspeita de fraude, em 21% havia suspeita de corrupção e em 20%, suspeita de lavagem de dinheiro.
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Em metade dos casos, foi possível identificar a atuação de uma organização criminosa, caracterizada pela atuação em grupo voltado à prática de crimes graves. O levantamento e a análise são do Instituto Igarapé, que divulgou o trabalho no último mês. No conjunto, os crimes com alguma dimensão de violência (armas, drogas, crimes contra a pessoa e trabalho escravo), estavam presentes em 29% das operações.
Para a diretora de pesquisa do Igarapé, Melina Risso, existe um ecossistema de ilicitudes ligadas a esse tipo de crime que tem profundas implicações para a segurança pública brasileira. “A ausência de uma resposta contundente por parte do poder público fomenta a entrada de novos grupos criminosos, provoca danos ambientais, sociais e econômicos seríssimos e atenta contra a integridade da floresta e das comunidades locais, sobretudo populações indígenas, quilombolas e tradicionais”, disse.
O estudo observou que os crimes ambientais são tratados como de “segunda categoria”, ignorando as evidências de que esse ilícito fomenta a entrada de novos grupos criminosos no País, provocando danos ambientais, sociais e econômicos. Além da madeira nobre, de alto valor nos mercados nacional e internacional, o subsolo amazônico contém pedras preciosas, ouro e outros minerais que atraem, além de aventureiros que sonham em fazer fortuna, criminosos de toda sorte.
A dinâmica segue a lógica do dinheiro: a grilagem de terras públicas por particulares, fenômeno antigo e constante na Amazônia, viola normas ambientais, agrárias, criminais e tributárias, gerando apropriação de recursos naturais de forma ilícita. O “grilo” associa-se ao desmatamento para a venda ilegal de madeira e exploração da agropecuária – a presença do boi é demonstração da posse, ainda que ilegal – e com a especulação fundiária.
A extração ilegal de madeira implica no corte seletivo de árvores valiosas, como cedros, maçarandubas, jacarandás e castanheiras, para comercialização nacional ou no exterior, violando os sistemas de regulação, como autorização para o corte, de transporte e de venda, com o uso de guias e documentos falsos e corrupção de agentes públicos. A atividade dá causa a conflitos e assassinatos.
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Para os autores da análise, o aumento na complexidade e na violência ligada ao crime ambiental na Amazônia aponta para desafios de governança, coordenação estratégica e inteligência, já que as cadeias ilícitas do ouro de da madeira ultrapassam fronteiras. “O desmatamento e a degradação da floresta Amazônica, comprometem o futuro e o bem estar das próximas gerações, e prejudicam o meio ambiente e a regulação do clima em escala planetária”, disse Ilona Szabó, presidente do Instituto Igarapé.
Deflagrada em 2019, em parceria com o Ministério Público Federal (MPF), no arco do desmatamento, no sul do Amazonas, a operação Ojuara prendeu 18 pessoas e outras 31 receberam medidas cautelares. Foram apreendidos R$ 800 mil em dinheiro vivo, máquinas agrícolas, sete mil cabeças de gado e um avião. Ao todo, 22 pessoas, entre elas servidores federais, foram denunciadas por crimes como corrupção, formação de milícia privada, divulgação de informações sigilosas, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
Um dos denunciados por lavagem de dinheiro usava a esposa como “laranja”, registrando em nome dela valores de até R$ 3,6 milhões obtidos com venda ilegal de madeira e gado. Conforme a denúncia do MPF, quatro policiais militares do Acre formaram uma ‘milícia privada’ para expulsar pequenos posseiros e extrativistas de áreas griladas por três fazendeiros. Os policiais usavam fardas, armas e viaturas da corporação – um dos PMs é conhecido pelo apelido de “Morte”. Entre outros crimes, eles são acusados de tentativa de homicídio, por terem baleado um catador de castanha, que sobreviveu.
A procuradora da República Ana Carolina Haliuc Bragança, que coordenou a Força-Tarefa Amazônia, disse que um dos saldos positivos das operações realizadas entre 2020 e 2021 na região amazônica foi a produção de conhecimento sobre as práticas delitivas empregadas por redes de crime organizado ambiental. “Houve a confirmação da hipótese inicial de que a criminalidade ambiental assumiu caráter de criminalidade organizada na Amazônia, associando-se a ilícitos vários, como lavagem de dinheiro, falsidades ideológicas e materiais, estelionato, grilagem de terras e corrupção”, pontuou.
Ela lembrou que é importante debater, no âmbito do Ministério Público e de instituições parceiras como a Polícia Federal, o fortalecimento estrutural e permanente das instituições na região norte para fazer frente a esse novo desafio da criminalidade ambiental conexa. “Cada vez mais temos operações voltadas não apenas às condutas específicas e pontuais, mas às verdadeiras redes criminosas que atuam nos diversos biomas do Brasil”, disse.
A análise mostra que a falta da devida responsabilização dos atores envolvidos em atividades com grande impacto no desmatamento, como grilagem de terra e posterior uso para atividades agropecuárias, estimula a continuidade das ações. “Apesar do esforço de alguns setores econômicos em promover o desenvolvimento sustentável da região, o desmatamento ilegal e a degradação da Amazônia continuam crescendo. É preciso avançar na identificação, dissuasão estratégica e responsabilização dos envolvidos nessas atividades ilícitas”, disse Andreia Bonzo Araujo Azevedo, diretora-adjunta de Segurança Climática do Igarapé.
Fenômenos são interligados pelo controle territorial por grupos armados
O projeto Cartografia das Violências na Região Amazônica, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontou a crescente atuação de facções criminosas na disputa pelas rotas nacionais e transnacionais de drogas e de ouro, contribuindo para o aumento das taxas de mortes violentas nos Estados amazônicos. Enquanto no Sudeste a taxa de homicídio caiu 19,2% entre 1980 e 2019, no Norte houve crescimento de 260,3%.
Em 2020, foram reportadas 8.729 mortes intencionais nos municípios que compõem a Amazônia legal – a taxa de 29,6 mortes por 100 mil habitantes foi mais alta que a média brasileira, de 23,9 por 100 mil. Estados com maior pressão de desmatamento tiveram taxa de homicídios ainda mais alta: Amazonas (37,8), Amapá (51,4), Pará (53,2) e Roraima (71,8), a mais alta do Brasil na oportunidade.
O Amazonas assistiu a um aumento de 55% no número de homicídios em 2021. Foram 1.487 assassinatos contabilizados no ano passado frente a 957 em 2020, quando os homicídios no cenário nacional caminharam em sentido oposto e caíram 7%.
No Acre, facções criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) e Bonde dos 13 atuam para controlar a entrada de drogas pela fronteira com o Peru. No Amazonas, berço da Família do Norte (FN), atuam também o CV e o PCC. Há ainda grupos de piratas que interceptam a droga pelo rio Solimões e seus afluentes, como o Família do Coari, causando conflitos entre as facções. No Amapá, agem a União Criminosa do Amapá (UCA) e a Família Terror do Amapá (FTA), esta aliada do PCC. A região é rota das drogas que seguem para o exterior, através das Guianas e do Suriname.
Conforme a equipe do projeto ‘Cartografia’, os números sobre a violência na Amazônia mostram que não faz sentido separar urbano e rural, ou cidade e floresta. “Os fenômenos são distintos, mas estão intrinsecamente interligados à dinâmica do controle territorial por parte de grupos armados. A preservação da Amazônia envolve a articulação de diferentes instâncias e atores para que políticas públicas e justiça social ocupem o lugar hoje exercido pela criminalidade organizada”, avaliou.
Ministério diz combater crime organizado
O Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao qual está vinculada a Polícia Federal, informou que realiza operações de combate ao crime organizado e crimes ambientais na região da Amazônia, em conjunto com outros órgãos federais e estaduais. “Outras ações duras de combate ao crime estão em planejamento e serão divulgadas oportunamente”, disse, em nota. Só nos primeiros 10 dias de março foram realizadas quatro operações importantes na região amazônica.
Os três Estados onde mais se observou a conexão entre desmatamento e criminalidade, segundo o estudo do Instituto Igarapé, informaram ter adotado ações recentes de combate a esses ilícitos. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado do Pará informou que, de 1º de agosto de 2021 a 3 de março de 2022, levando em consideração o ano Prodes – projeto que monitora por satélites o desmatamento por corte raso na Amazônia Legal – houve redução de 12% nos alertas de desmatamento. Já a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) informou que está desenvolvendo ações estratégicas de enfrentamento da criminalidade nos municípios de São Félix do Xingu e Altamira, reduzindo significativamente os indicadores de homicídios na região.
O governo do Amazonas informou que, desde abril de 2021, acontece nos municípios do sul do Estado a Operação Tamoiotatá, que visa combater o desmatamento e as queimadas naquela região do Estado. O governo do Estado de Rondônia, por intermédio da Secretaria da Segurança Pública, Defesa e Cidadania, iniciou no dia 20 de fevereiro a Operação Ordo, a fim de prevenir crimes contra a vida nas regiões do Cone Sul, do Café e Zona da Mata do estado, com reforço das ações da Polícia Militar. O objetivo é promover ações durante todo o ano. Segundo a pasta, a missão foi motivada pela necessidade de manter a preservação da ordem pública diante dos índices de criminalidade, especialmente crimes contra a vida. / COLABOROU BRUNO TADEU, ESPECIAL PARA O ESTADÃO
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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