Luiz Carlos Azedo: A crise da Ucrânia também tem sua Quarta-Feira de Cinzas

Sanções econômicas contra a Rússia também podem afetar as cadeias de produção e comércio do nosso agronegócio
Foto: Reuters
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Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

Misturar marchinha de carnaval ( no caso, o samba do Macarrão, que falava da Guerra do Iraque no carnaval do Bloco de Segunda de 1991) com análise da situação internacional, como fiz ontem, também tem seu dia de ressaca. Meu amigo José Luiz Oreiro, professor de Economia da Universidade de Brasília (UnB), em seu blog, publicamente, não deixou por menos. Segundo ele, a coluna de ontem, intitulada “Não adianta ficar Putin, a Ucrânia já ganhou”, seria um exemplo clássico do erro que o personagem Don Victor Corleone no filme O poderoso Chefão 3 advertira ao seu sobrinho: “Não odeie seus inimigos, pois isso afeta o seu julgamento”.

Como trato os assuntos com objetividade, e não com o fígado, vou resumir as críticas de Oreiro, que discorda da tese de que Putin já perdeu a guerra do ponto de vista moral e político. Oreiro argumenta o seguinte:

1— O objetivo de uma guerra não é (necessariamente) ganhar pontos com a opinião pública mundial, ou mostrar superioridade moral sobre o resto da comunidade de nações, mas (i) destruir as forças do inimigo e (ii) ocupar os objetivos estratégicos definidos nos planos de ação militar. A Rússia, após apenas cinco dias de conflito, chegou às portas de Kiev e Kharkiv, as mais importantes cidades do país, praticamente cortou o acesso da Ucrânia ao mar de Azov e está prestes a conquistar todo o litoral da Ucrânia no Mar Negro, deixando o país sem nenhuma saída para o mar.

2— A não ser que a Otan esteja disposta a escalar o conflito, mandando tropas para lutar na Ucrânia, o que converteria o confronto na Terceira Guerra Mundial, é uma questão de tempo até que a Rússia assuma o controle das regiões que realmente importam na Ucrânia do ponto de vista militar. Nesse contexto, a Rússia, não a Ucrânia, já ganhou.

3— Uma hipótese plausível é que Putin não esteja querendo lançar, neste momento, um ataque dessa magnitude para não criar um ressentimento incurável entre os ucranianos. Não parece que a Otan esteja, no momento, disposta a intervir militarmente para salvar a Ucrânia.

4— As analogias com a Guerra do Iraque, na qual Estados Unidos e Reino Unido concentraram forças para um ataque arrasador, e com a retirada de Napoleão Bonaparte da Rússia, em 1812, após a conquista de Moscou, não têm sentido. O que poderia levar Putin a bater em retirada seria o custo das sanções econômicas sobre a Rússia.

Sanções econômicas

5— Existe muito jogo de cena nas sanções econômicas do Ocidente sobre a Rússia. A exclusão do sistema Swift não atingiu os pagamentos dos países europeus ao gás importado da Rússia, o que garante, por si só, a continuidade de parte importante das exportações da Rússia para a Europa. O suposto congelamento dos ativos dos oligarcas russos atinge apenas os que eles tenham em bancos na Europa e nos EUA, não o grosso de suas aplicações financeiras que estão em paraísos fiscais.

6— As sanções econômicas têm um efeito bumerangue sobre o Ocidente: o aumento dos preços do petróleo, gás, trigo, milho, óleo de girassol e soja irá produzir um aumento da inflação não apenas na Rússia, mas no mundo inteiro, podendo obrigar os Bancos Centrais da Europa, da Inglaterra e dos Estados Unidos a antecipar a elevação da taxa de juros, prevista apenas para o segundo semestre. A elevação dos juros, combinada com a aceleração da inflação, seria um balde de água fria na recuperação das economias dos Estados Unidos e União Europeia.

7— O lado doméstico desse imbróglio é que as chances de reeleição de Jair Bolsonaro irão virar pó nos próximos meses, quando os efeitos econômicos da guerra da Ucrânia atingirem em cheio a economia brasileiro. É melhor o “Messias” já ir se acostumando com a ideia de ter que passar a faixa presidencial para Luís Inácio Lula da Silva em 01/01/2023.

Os dois últimos comentários de Oreiro são sobre temas que não abordei na coluna. No primeiro aspecto, creio que precisamos aguardar um pouco mais para avaliar seus efeitos sobre a economia russa. As cadeias globais de produção e comércio, que hoje operam em rede, estão ancoradas na institucionalidade da economia mundial. Pela primeira vez, essa institucionalidade está sendo utilizada de forma coordenada pelos Estados Unidos, Canadá e a União Europeia, que operam um bloqueio comercial e financeiro em escala sem precedente contra a economia da Rússia.

Existe muita semelhança entre a narrativa política de Bolsonaro e a de Putin, mas o flerte do presidente brasileiro com o líder russo pode ter efeitos maiores do que apenas isolar o Brasil ainda mais entre os líderes mundiais e a opinião pública do Ocidente. Além dos efeitos gerais da crise ucraniana na economia global, as sanções econômicas contra a Rússia também podem afetar as cadeias de produção e comércio do nosso agronegócio.

Eis o texto de Oreiro na íntegra: https://jlcoreiro.wordpress.com/2022/03/01/a-ucrania-ja-ganhou-comentarios-ao-artigo-de-luiz-carlos-azedo-no-correio-braziliense-de-01-03-2022/

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