Ascanio Seleme / O Globo
Um próximo interlocutor de Lula definiu com uma boa frase o quadro político atual, com pesquisas que mostram um revigoramento da candidatura de Bolsonaro e um exagerado otimismo que muitos líderes petistas evidenciam em entrevistas e conversas privadas. “As novas pesquisas dão um sustinho bom nesta turma que anda com salto muito alto”. Tem alguma razão o político, que pertence a um partido de centro, mas que transita bem em todas as esferas. Susto, ou sustinho, funciona como freio de arrumação. Como uma boa chacoalhada pode colocar as coisas no lugar. Ninguém ignora que muitos do PT estão mesmo contando com o ovo muito antes do primeiro esforço da galinha.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, diz que o partido não está de salto alto e que ainda espera um crescimento mais consistente da candidatura de Bolsonaro em razão do saco de bondades gordo de dinheiro público que ele vem abrindo sem qualquer parcimônia. Ela tem razão sobre o saco gordo, mas erra na questão do calçado. Quem conversa com petistas sabe que muitos usam mesmo a sandália da humildade, Lula inclusive. Mas há outros tantos que falam com aquele “já ganhou” subentendido. A própria Gleisi, em janeiro deste ano, numa entrevista ao GLOBO, falou como se a vitória já estivesse garantida. Disse que Lula não precisava fazer nova carta ao povo brasileiro porque “a única coisa que não vamos fazer é quebrar contratos, o resto vamos fazer. E não tem ‘mimimi’ do mercado”. Você diria que presidente do partido usou sandália ou salto naquela entrevista?
Mas rearrumar o discurso da tropa é o menor problema do PT neste momento. O partido é disciplinado e uma orientação forte nesse sentido enquadra os mais entusiasmados. O que Lula precisa fazer, com o suporte indiscutível do seu partido que, aliás, não se viu até aqui, é abrir efetivamente o leque de apoios para o centro e garantir que os partidos de esquerda estejam mesmo ao seu lado desde o primeiro turno. Todos os jornalistas que cobrem política ouviram diversas vezes ao longo dos últimos meses petistas desdenharem de uma aliança com Geraldo Alckmin, atacando o ex-governador por seu conservadorismo ou sugerindo que ele traria poucos votos para a chapa. Por outro lado, nenhum deles ouviu um petista dizer que poderia ser produtivo para o plano nacional fazer mais concessões aos partidos aliados, mesmo em São Paulo.
O sobressalto, o sustinho provocado por estas duas últimas pesquisas (PoderData e CNT/MDA), pode virar pavor se a campanha petista permanecer pouco agregadora como vem sendo até agora. Falta clareza do partido para dizer com quem vai até as urnas e como seguirá depois da apuração caso seja vencedor. Já passou da hora de fazer discurso para a militância. Para esta, que é vital e ajuda a vencer eleições, o sinal já está claro, ninguém vai recuar se Lula confirmar Alckmin e conseguir fechar um acordo com o PSD, de Gilberto Kassab. Claro que haverá dor de cabeça se o PT abrir mão da candidatura de Fernando Haddad em favor de Márcio França (PSB). Mas quer um sinal mais claro da disposição de dividir do que este?
Não se pode querer tudo. Se Lula for presidente e ainda por cima o partido ganhar os governos de São Paulo e do Rio terá uma hegemonia de poder que jamais experimentou, nem nos seus melhores momentos. Em São Paulo, Lula e Dilma Rousseff conviveram com governadores da oposição (Geraldo Alckmin, Cláudio Lembo, José Serra, Alberto Goldman e Alckmin outra vez) durante a integridade de seus mandatos. No Rio, com Rosinha, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, Lula e Dilma tiveram boa convivência, mas não alinhamento automático. E este fato não atrapalhou os seus mandatos e muito menos interferiu na colocação em prática das políticas públicas petistas.
O PT é guloso, todo mundo sabe disso. E gula é vício, não é fome. Vício em política não funciona porque não é sinônimo de perseverança ou determinação, mas sinal de avareza, ganância, cobiça. O PT é maior do que isto. Lula é maior do que isto. Saber dividir é melhor do que tentar sôfrega e permanentemente multiplicar. Em política, dividir muitas vezes significa somar.
Fica, Moro
Há um risco ainda não calculado pelos que atacam sem trégua a candidatura de Sergio Moro. Se o ex-juiz desistir de concorrer, por falta de apoio ou por ficar demasiadamente fragilizado, a maioria dos seus votos não vai para a terceira via, como imaginam alguns, mas para Bolsonaro. Se as duas últimas pesquisas de intenção de votos já mostraram um revigoramento da candidatura do presidente, imaginem como serão as enquetes caso Moro não apareça na cédula como opção ao eleitor. Se Bolsonaro receber quatro dos seis pontos de Moro, chega a 35% (CNT/MDA) ou 38,7% (PoderData), podendo causar um efeito manada perigoso para os que a ele fazem oposição. Claro que no segundo turno a turma do Moro também vai desaguar majoritariamente em Bolsonaro, mas aí será outra eleição.
Apesar de Ciro
A leve subida de Ciro Gomes na pesquisa CNT/MDA serviu para reduzir um pouco a angústia dos petistas com o crescimento de Bolsonaro. Mostra que os eleitores que preferem candidaturas de esquerda também aumentaram. Pouco, mas aumentaram. Já na PoderData, o candidato do PDT perdeu eleitores. Por isso, os petistas seguem apostando prioritariamente no eleitorado do Ciro, que vota maciçamente num candidato do PT no segundo turno. Foi assim em 2018, apesar de Ciro.
Abandonado
Há três semanas, João Doria escreveu para dizer que não havia hipótese de desistir de sua candidatura. Referia-se à nota desta coluna que afirmava ter ele se transformado em escravo da sua candidatura. Há três dias, em palestra, disse o contrário, que não vai colocar seu projeto pessoal à frente do Brasil e que mais adiante pode abrir mão da disputa. Doria é um governador eficiente, pragmático e bom de comunicação. Seu péssimo desempenho nas pesquisas se explica pela perseguição política e pelo preconceito que sofre. Por ser novato e ter comprado briga pelo controle do PSDB, também foi abandonado pelos velhos caciques do seu partido, mesmo aqueles que não têm mais voto.
Petrobras
Não vai demorar para o gráfico do lucro da Petrobras entrar na campanha eleitoral. Comparado aos piores anos de Dilma, o resultado da petroleira é espetacular. De um prejuízo de R$ 34,8 bilhões em 2015 para um lucro de R$ 106,6 bi em 2021. Se Bolsonaro for usar estes números para tentar demonstrar uma qualidade de gestão que não é sua, pode ser alvejado pela culatra com pelo menos uma questão: Se a Petrobras deu tanto lucro, por que não reduziu o preço dos combustíveis?
Cinco anos
Por favor, parem de atacar o procurador-geral Augusto Aras apenas porque ele vem sentando em cima das mais de 30 denúncias por crimes de responsabilidade apresentadas contra o presidente Jair Bolsonaro ao longo dos últimos três anos. Afinal, esta é a praxe no organismo que ele preside, não é mesmo? Se não, como explicar a demora de quase cinco anos para o Ministério Público enfim pedir a condenação e a perda do mandato do deputado Aécio Neves no processo em que ele é acusado de pedir e receber R$ 2 milhões em propina do empresário Joesley Batista? Poucos crimes foram tão bem documentados quanto aquele. Tem gravação de áudio de Aécio com Joesley, onde ele diz que vai mandar um primo buscar a grana porque, primo, se trair, “a gente mata”. Da intermediária do pedido de propina, a irmã de Aécio, Andrea Neves. E tem vídeo da prisão do primo com a mala cheia de dinheiro. Se fosse roubo de macarrão num supermercado, os três estariam presos desde o flagrante.
Garotinho
O efeito Garotinho na eleição do Rio ainda não foi inteiramente medido, mas sabe-se que se ele conseguir registrar uma chapa, o governador Cláudio Castro será o maior perdedor, seguido pelo prefeito Eduardo Paes. O ex-governador, que nasceu brizolista mas aos poucos migrou no espectro político até estacionar na centro-direita, tira votos deste segmento, onde situa-se o candidato à reeleição e por onde trafega com mais desenvoltura o prefeito do Rio.
Gravata
Na semana em que o repórter Rafael Soares mostrou no GLOBO que armas e munições adquiridas legalmente por caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) abastecem o tráfico e a milícia em todo o país, Jair Bolsonaro apareceu em público usando uma gravata decorada com imagens de fuzis. Você, que conhece os decretos que ampliaram o número de armas legalmente vendidas no país e proibiram o seu rastreamento e também o da munição, sabe muito bem que estamos tratando de um homem abertamente favorável ao uso descontrolado de armas. Suas razões também são conhecidas. Não seria o caso de perguntar a você mesmo se ele ainda merece o seu respeito?
Esquizofrenia
Bolsonaro que ama Putin que ama Xi que ama Noriega que ama Maduro que odeia Bolsonaro. Bolsonaro que odeia Xi que ama Maduro que ama Putin que ama Bolsonaro que odeia Maduro que ama Noriega que odeia Bolsonaro. #PrayForUkraine.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/sustinho-bom-25411615